Pampa já perdeu 20% da sua vegetação nativa com avanço da soja e da silvicultura

O pampa riograndense perde vegetação nativa e está crescentemente acuado pelo avanço das lavouras de soja, que usam insumos sem controle, principalmente venenos nocivos à fauna e à flora.
Essa foi a síntese de um conjunto de quatro palestras de especialistas da UFRGS sobre o bioma Pampa que representa 2% do território brasileiro e ocupa 60% do Rio Grande do Sul.
Henrique Hasenack, do Departamento de Ecologia da UFRGS, baseado em levantamentos feitos desde 1985 pelo satélite Landsat, disse que nesses 33 anos, o território pampeano perdeu 20% de suas formações campestres, enquanto houve crescimento de 27,7% nas áreas de lavouras e de 2% em silvicultura.
Realizado na tarde de segunda (17) no auditório do Centro Cultural da UFRGS, o encontro denominado Pacto pelo Pampa atraiu cerca de 80 pessoas entre estudantes, professores, agrônomos e produtores rurais.
Diante da constatação generalizada de que a população e as entidades regionais ignoram o que os estudos científicos vêm revelando sobre a degradação paulatina do Pampa, o botânico Paulo Brack encerrou o evento convocando os presentes a participar de uma nova reunião em março.
Nesse mês o Departamento de Ecologia da universidade pretende reiniciar o movimento em defesa da recuperação do principal bioma gaúcho, que se estende ainda por quase todo o Uruguai, por boa parte da Argentina e um pedacinho do Paraguai.
“Nós precisamos parar de falar somente para nós mesmos”, exclamou Brack, salientando que nos últimos dois anos, após o golpe civil,  houve um retrocesso no tratamento das questões ambientais e “agora sabemos que vai piorar”.
Para evitar o agravamento da situação, os estudiosos e técnicos que se manifestaram no debate final enfatizaram a necessidade de união de todos no sentido de defender a legislação vigente e impedir sua destruição.
O QUE DISSE CADA UM
Eduardo Vélez, do Instituto Curicaca, apresentou um quadro atualizado das áreas prioritárias para a biodiversidade no bioma Pampa.
São 516 “alvos”, destacando-se 291 plantas, 52 espécies de peixes, 43 aves, 23 mamíferos e 19 répteis, entre outras espécies menos numerosas. Os “custos” que mais concorrem para reduzir a biodiversidade são a agricultura, a silvicultura, hidrelétricas, estradas e urbanização.
Henrique Hasenack, do Departamento de Ecologia da UFRGS, baseou-se em levantamentos feitos desde 1985 pelo satélite Landsat que, nesses 33 anos, o território pampeano perdeu 20% de suas formações campestres, enquanto houve crescimento de 27,7% nas áreas de lavouras e de 2% em silvicultura.
“No total, a perda de vegetação nativa foi de 600 mil hectares por década”, concluiu, lembrando que 10% do território riograndense são ocupados por água, a começar pela Lagoa dos Patos. Essas informações podem ser capturadas no site mapbiomas.org
Carlos Nabinger, da Agronomia da UFRGS, especialista em produção pecuária em campos nativos, afirmou que “as tecnologias de processos devem anteceder o uso de insumos”. Com isso, ele quis dizer que é preciso aprofundar o conhecimento que se tem sobre os “serviços ecossistêmicos” oferecidos pelo bioma Pampa antes de usar a terra ao bel prazer do proprietário.
Segundo estudo de 2014 realizado por Robert Costanza, os serviços ecossistêmicos somam US$ 125 trilhões a US$ 145 trilhões anuais no mundo inteiro. Para dar uma ideia dos recursos naturais envolvidos nesse trabalho invisível e desprezado pela maioria das pessoas, Nabinger lembrou que o Pampa contém 3 mil espécies de plantas (mais de 600 forrageiras), 480 espécies de aves, 92 mamíferos, 84 anfíbios e répteis – isso sem falar da mesofauna, da microfrauna e da microflora.
As tecnologias de processos citadas acima referem-se a conhecimentos auferidos na gestão de pastagens para engorda de bovinos. Em 30 anos, a tecnologia acumulada pela UFRGS evoluiu de uma produção de 60 quilos de carne por hectare/ano para 140 kg apenas com ajuste de carga bovina, para 230 kg com manipulação da estrutura das pastagens e para 340 kg com o plantio de forrageiras. Pode-se chegar a 900 kg/ha/ano com sobressemeadura de pastos de inverno e a 1200 kg com irrigação e fertilização. Apenas uma elite de pecuaristas vem aplicando esses conhecimentos.
Para avançar, segundo Nabinger, é preciso: 1) estabelecer uma política de pagamento de serviços ambientais; 2) estabelecer um ordenamento territorial e não, apenas, um zoneamento agroecológico.
Gerhard Overbeck, da UFRGS, perguntou qual área do Pampa está sendo recuperada para que o Brasil cumpra a promessa de restaurar 12 milhões de hectares até 2030, conforme o chamado Desafio de Bonn, assumido pelo governo Dilma Rousseff.
Pelo que se sabe, nenhum pedaço do Pampa está oficialmente inserido no programa de restauração da vegetação nativa.
Ao mostrar fotos de áreas degradadas por queimadas após o corte de áreas de pinus, ele lembrou que a restauração ecológica do bioma Pampa é dificultada pela falta de sementes de espécies nativas.
Nos debates finais, alguns presentes, entre agrônomos e produtores rurais, manifestaram-se preocupados com o avanço da soja em campos nativos. Na região de Aceguá, ficou provado que os solos são inadequados para o cultivo da leguminosa.
Um representante da Agapan lamentou a volta do uso do herbicida 2.4.D, que fora proibido há 35 anos, no início da vigência da lei dos agrotóxicos.
O professor Miguel Dallagnol, da Agronomia, afirmou que os cientistas precisam mudar a estratégia de comunicação sobre a degradação do bioma Pampa. Uma medida importante será a produção de sementes de vegetais nativos.
Outro associado da Agapan, fotógrafo profissional em Santa Maria, fez um desabafo sobre a atuação de sojicultores em Santiago e em Lavras do Sul, onde, segundo ele, “os pesquisadores estão tremendo a perna” diante de uma mineradora que se prepara para explorar o vale do rio Taquarembó .
 
 

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