GERALDO HASSE/ O agro segundo Stédile

Ao depor por sete horas na CPI do MST, na terça-feira (15/9), o economista João Pedro Stédile deu uma aula básica sobre a agricultura brasileira. Disse que o nosso chamado Agro possui basicamente três facetas.
A primeira, bastante visível, é constituída pelo “latifúndio predador dos recursos naturais”.  “Condenado pela Constituição de 88”, esse segmento invade terras públicas, de indígenas e de quilombolas; e não hesita em recorrer à violência mediante a contratação de pistoleiros
e a cooptação das forças de segurança.
A segunda faceta é representada pelo “agronegócio exportador” que atua mediante o emprego intensivo de máquinas, sementes transgênicas e agrotóxicos; embora seja mantido por multinacionais como ADM, Basf,
Bayer, Bunge, Cargill, Continental Grains e Louis Dreyfus,  esse segmento financiado pelo Banco do Brasil “não tem futuro porque destrói a biodiversidade e contamina os solos e os recursos hídricos”.

Segundo Stédile, alguns do agro já praticam a chamada agricultura regenerativa. O mega-agricultor Blairo Maggi, dono de 200 mil hectares no Mato Grosso e considerado o rei da soja, está fazendo a conversão para o sistema de
cultivo convencional vigente até o final do século XX.

A terceira faceta é constituída pela agricultura familiar, que produz alimentos para o mercado interno — nesse segmento estão inseridas 500 mil famílias assentadas pelo sistema oficial gerido pelo Incra.
Comentário do redator: essa singela divisão da agricultura brasileira em três segmentos é, naturalmente, uma simplificação baseada no uso da terra. É válida e útil para a compreensão do complexo mundo das atividades rurais, mas deixa de lado categorias como os arrendatários e os trabalhadores rurais (uns assalariados, outros temporários, entre eles os “boias frias”), que operam aqui ou ali, na luta pela sobrevivência “sem terra” (no Rio Grande do Sul, dois terços da produção de arroz – 10 milhões de toneladas/ano – sai das mãos de arrendatários).
Stédile é muito didático, mas na minha opinião faria melhor se invertesse a ordem de apresentação dos três segmentos da nossa agricultura.

Em primeiro lugar deveria colocar a agricultura familiar,
em segundo a empresarial e por último todos os grandes proprietários rurais que por ação ou omissão são passíveis de desapropriação, de acordo com a Constituição de 1988, que recomenda o cumprimento da função social da terra.
Se for aplicada a esse segmento, a reforma agrária pregada por Stédile e outros, o Brasil  poderia dar um salto civilizacional, como aconteceu nos EUA há mais de um século (informação histórica do depoente na CPI comandada pelo deputado Ricardo Salles, do PL paulista, que foi ministro do Meio Ambiente do governo  Bolsonaro).
Criticado pelos conservadores, o cabeça do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) alcançou um honroso patamar internacional como convidado de um seleto grupo de interlocutores do Papa Francisco.

A próxima reunião bienal do conselho papal será em
setembro em Berlim.

LEMBRETE DE OCASIÃO
Em 1972, o redator destas linhas entrevistou para a revista
VEJA o economista Julian Chacel, um dos cabeças da Fundação Getulio Vargas, no Rio. Um dos poucos economistas brasileiros a estudar o nosso
Agro, na época, Chacel explicou que a agricultura brasileira era dual…
Ou, seja, tinha duas facetas básicas: a empresarial, caracterizada pelas “plantations” (referia-se ao café e à cana, basicamente); e a “agricultura de subsistência”, constituída por milhões de sitiantes/sobreviventes que mal conseguiam gerar um excedente para chegar às feiras livres do interior. Também aí havia uma simplificação didática. Na verdade, ainda não haviam “inventado” a agricultura familiar e tampouco se denunciavam os praticantes da agricultura predatória.

De qualquer maneira, evoluímos: em meio século, a
agricultura brasileira passou de dual a trial e virou potência mundial.

Geraldo Hasse