GERALDO HASSE / Respeito aos que vivem na pior

A maioria das pessoas se enternece diante de um cão perdido, um gatinho faminto ou um pássaro ferido. Alguns se revoltam ao ver um cavalo magro puxando uma carroça pelas ruas. De uma forma ou de outra, todo mundo se dispõe a ajudar os animais perdidos ou explorados, mas não se vê a mesma disposição quando o perdido ou judiado é um ser humano.
Com frequência se veem pessoas incomodadas ou até revoltadas com mendigos, pedintes, carentes ou catadores – todos mais ou menos confundidos com “vagabundos” ou identificados como “essa gente que não gosta de trabalhar”.
Também cresce o número de pessoas que se dispõem a proteger árvores ou defender o verde, mas não dão refresco nem estendem a mão aos que, supostamente, “vivem encostados no Bolsa Família…”
Quem já se defrontou com um flagelado (da fome, da seca ou das enchentes) sabe que uma pessoa nessa situação fica fora do eixo, abalada no seu equilíbrio, perdida e sem rumo.
Antigamente havia até uma expressão – “abobado da enchente” – usada para definir pessoas perturbadas pela perda da casa, de utensílios domésticos ou de algum parente durante uma cheia. Às vezes a pessoa parecia lesada apenas por ter ficado sem dormir ou sem comer na noite em que as águas invadiram sua casa.
A expressão caiu de uso, mas a situação se repete periodicamente nas chamadas zonas ribeirinhas ou nas encostas – áreas de baixo valor onde o povo acaba construindo suas moradas.
Agora imagine-se alguém que durma na rua, passe frio, e não faça refeições regularmente, não tenha onde tomar banho e vestir uma roupa limpa antes de se acomodar num ambiente minimamente confortável para sorver, por exemplo, uma canja, a mínima comida de sal, e depois desfrutar de um sono reparador.
Agora imagine-se o pobre flagelado (pela miséria) comendo um prato de arroz + feijão com bife a cavalo, batata fria, e a sobremesa sendo um quindim ou um camafeu feito em Pelotas, RS.
Por isso são dignas de admiração e aplauso essas pessoas que toda noite saem pelas ruas e oferecem sopa aos famintos espalhados pelos viadutos e marquises. É o mínimo de humanismo para seres degringolados.
É claro que não basta o prato de comida, como também não resolvem a esmola, as campanhas do agasalho. É preciso dar o passo seguinte, encaminhá-los, pobres carentes, aos serviços públicos capazes de lhes oferecer a ajuda mínima para que recuperem a estima e, a seguir, consigam a mínima inserção na sociedade e na economia.
Nesse aspecto, o Bolsa Família é o primeiro degrau da porta que leva à redenção do cidadão degradado não importa por que motivo. É degrau porque exige que as famílias mantenham os filhos na escola – a porta capaz de levar a um mundo novo, longe da miséria.
A relação custo/benefício do Bolsa Família precisa ser reconsiderada pelos críticos dos programas de inserção social dos caídos do caminhão da economia. O custo do BF representa menos de 10% do que o Tesouro Nacional paga de juros da dívida pública, na qual estão pendurados miles de investidores de países ricos.
Que cada um pense nisso ao ver um perdido na noite dormindo na rua nesse último inverno do mentecapto no Planalto.
ORAÇÃO DO DIA
“Senhor, dai pão a quem tem fome/e fome de justiça a quem tem pão”

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