Geraldo Hasse
Na edição de outubro de 2017 da revista Globo Rural, o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, que costuma dedicar seus artigos a temas institucionais ligados ao agronegócio, escreve sobre um assunto aparentemente “light”: o papel decisivo das abelhas na polinização de culturas agrícolas.
Falar de abelhas, mel e polinização pode parecer falta de assunto de um líder rural habituado a raciocinar sobre a crescente presença da agricultura brasileira no contexto econômico mundial, mas a verdade é que, ao se aproximar dos 80 anos, Roberto Rodrigues reza tanto pela cartilha do ambientalismo quanto pelos manuais da economia. Em seu artigo, cita até a célebre frase atribuída ao físico Albert Einstein, falecido em 1955: “Se as abelhas desaparecessem da face da Terra, a espécie humana teria somente mais quatro anos de vida”.
Até hoje ninguém sabe se o gênio fez a conta certa – apenas quatro anos?! –, mas todo mundo compreendeu o alcance da frase sinistra: Einstein estava simplesmente chamando a atenção para a articulação recíproca entre os seres vivos. Sessenta anos depois, alguns luminares da raça humana começam a entender o papel das abelhas como guardiãs da biodiversidade.
“No Brasil, cerca de 250 espécies de animais (das quais 87% são abelhas) polinizam 75 culturas agrícolas”, escreveu Rodrigues, que tem conhecimento técnico sobre o assunto, pois é agricultor, foi professor de agronomia e se destacou internacionalmente como ativista do cooperativismo na agricultura — hoje é consultor da Fundação Getulio Vargas e da ONU.
Somente a européia Apis mellifera, a “abelha profissional”, poliniza 28 culturas agrícolas, especialmente frutíferas. São também importantes nessa tarefa as abelhas nativas sem ferrão como a irapuá e a jataí, domesticadas por apicultores amadores e profissionais. Quanto a outros insetos, pouco se sabe além do fato de que, sem a mamangava, a flor do maracujá não prosperava…
A contribuição anual da polinização ao incremento das culturas comerciais brasileiras é estimada em US$ 12 bilhões pelo professor Adilson Paschoal, da Escola Superior de Agricultura de Piracicaba. Isso representa cerca de 12% do valor da produção agrícola nacional, mas a questã vai além do aspecto comercial-safrístico.
Na realidade, mesmo luminares da agronomia esquecem o valor da polinização na manutenção da biodiversidade. Avalie-se a sustentabilidade da flora brasileira, espalhada por seis grandes biomas – Amazônia, Cerrado, Semiárido, Mata Atlântica, Pantanal e Pampa — que se subdividem em incontáveis ecossistemas. Em todos eles as abelhas estão presentes, produzindo uma enorme variedade de méis crescentemente exportados. Isso sem falar de outros produtos como a própolis, usada em cosméticos e medicamentos.
Atualmente, o Brasil produz 40 mil toneladas de mel por ano e exporta mais da metade disso. Nos bastidores da apicultura, comenta-se que o Brasil poderia exportar 200 mil toneladas por ano, se produzisse tal volume. Por que não produz mais?
Aí está o X da questão: a maior barreira à expansão da apicultura reside na agricultura moderna, que precisa da polinização mas se tornou dependente do uso intensivo de produtos químicos tóxicos para animais e plantas.
Ainda não se sabe como agricultores e apicultores vão sair dessa sinuca. Como os desmatamentos estão mais ou menos controlados, o maior obstáculo à expansão da apicultura é o uso intensivo de agrotóxicos nas lavouras comerciais.
Há dez anos diversos pesquisadores ao redor do mundo estudam as causas da mortandade de abelhas melíferas, fenômeno ocorrido pela primeira vez nos Estados Unidos em 2006. Alguns estudos afirmam que o fenômeno conhecido como “síndrome do colapso das colméias” tem mais de uma causa, mas não há dúvida de que uma delas, provavelmente a principal, é uma nova classe de inseticidas — os neonicotinóides –, que interferem no sistema nervoso central das abelhas, fazendo com que, desorientadas em sua busca de néctar e pólen, elas não voltem às colméias, morrendo no campo.
Em consequência dessa síndrome que se confunde com outras causas como a morte por doenças, fome, frio ou até por velhice (a abelha melífera dura 45 dias), as colméias sofrem um colapso populacional de até 50% que faz cair significativamente a produção de mel.
Líder na produção nacional, a apicultura do Rio Grande do Sul, que já passa por dificuldades naturais causadas pelo excesso de chuvas e de frio no inverno, está sendo obrigada a se defender dos venenos aplicados em lavouras de verão, sobretudo soja. A salvação está na diversidade vegetal ainda existente no território gaúcho.
Segundo o artigo de Roberto Rodrigues, a Embrapa está se engajando num projeto de expansão da apicultura, tendo destacado para tanto o veterano agrônomo Décio Gazzoni, baseado em Londrina, onde fica o Centro Nacional de Pesquisa de Soja. Nada mais natural já que a soja, com 34 milhões de hectares/ano, é de longe a maior lavoura nacional e a maior usuária de venenos agrícolas.