“Morreu o Kadão”!
Estava num bar no Bom Fim com Jorge Polydoro, quando ele recebeu a notícia no celular. Minha memória disparou, vi o menino, filho do Hamilton Chaves, na sede da Ecad no centro de Porto Alegre, em 1967.
Hamilton, jornalista, compositor, vereador, cassado em 64, estava empenhado, junto com Lupicínio Rodrigues, na valorização do trabalho dos músicos locais.
Tentavam organizar a sociedade arrecadadora de direitos autorais, que não tinha representação no Rio Grande do Sul. Lupicínio, na verdade, só emprestava o nome e o prestígio. Dinâmico, bem relacionado, cheio de ideias, Hamilton Chaves é que dava vida àquela pequena sala, alugada num edifício na rua da Praia.
Kadão teria 13 anos, ia encontrar o pai no final do expediente. Fui revê-lo dez anos depois, já como fotógrafo profissional, na Coojornal. Trabalhava na Veja, mas era sócio da cooperativa e colaborador ligado à equipe de Assis Hoffmann.
Foi, quem sabe, o mais bem dotado herdeiro daquela tradição representada por Assis Hoffmann e que tinha raízes na Última Hora gaúcha, o mais original dos jornais da rede de Samuel Wainer. O repórter e o fotógrafo formavam uma unidade empenhada em produzir uma reportagem.
O fotógrafo não era mais o retratista, que trazia uma imagem formal para “ilustrar” o texto do repórter. A fotografia tinha que trazer a informação complementar ou, às vezes, a mais importante, para passar ao leitor o que realmente havia acontecido.
O papel que, segundo Luiz Cláudio Cunha, Kadão teve no desvendamento do “sequestro dos uruguaios”, é exemplar desse novo papel dos fotógrafos na cobertura jornalística, naqueles anos remotos.
Na passagem pela Veja, em São Paulo, convivendo no dia-a-dia com os melhores fotojornalistas em atividade no país, Kadão consolidou sua vocação. Daí em diante, cresceu exponencialmente.
Outra característica daquele grupo, que em determinado momento se aglutinou na Coojornal, foi o espírito solidário, de generosidade, que o Kadão requintou.
Sempre lembro o caso do Arfio Mazzei, que morreu recentemente, fotógrafo respeitado. Estava perdido na vida, teve uma chance na fotografia do jornal A Platéia, de Livramento. Não sabia nada, nem máquina tinha. Kadão recebeu-o, ministrou-lhe um treino intensivo e, se não me engano, ainda emprestou uma câmera.
Kadão morreu na sexta-feira, 4 de abril de 2025. Ainda está muito próximo para que possamos perceber toda a sua dimensão e seu devido lugar na história do fotojornalismo brasileiro. (Elmar Bones)