Higino Barros – Fotos Arfio Mazzei
A pelotense Beatriz Helena Miranda Araújo assume a Secretaria da Cultura do Rio Grande do Sul no momento em que a pasta retoma a seu antigo formato, voltada exclusivamente para as atividades culturais, sem os acréscimos de Esporte Lazer e Turismo, que tinha no governo passado.
Beatriz tinha 22 anos, quando se tornou assessora da presidência na Fundação de Cultura, Lazer e Turismo de Pelotas (Fundapel), em 1985.
Desde então atua na área cultural. Dirigiu o Theatro Sete de Abril e, em 1992, deu início a trajetória como produtora cultural independente.
Na área de preservação de patrimônio, em Pelotas, trabalhou no restauro do prédio da Bibliotheca Pública Pelotense, a recuperação e modernização do Theatro Sete de Abril (2002) e a aquisição e restauro integral da casa de João Simões Lopes Neto. Coordenou projeto de instalação do Instituto João Simões Lopes Neto, com aquisição de mobiliário e equipamentos.
Em Porto Alegre produziu o projeto Jardim Lutzenberger, na Casa de Cultura Mario Quintana. Na literatura, de 1998 a 2002, captou recursos e produziu cinco edições da Feira do Livro de Pelotas, a publicação de livros de arte e patrimônio como “Lutzenberger e a Paisagem”, “História Iconográfica do Conservatório de Música de Pelotas”, “Sete de Abril – o Teatro do Imperador”.
Foi por duas vezes Secretária de Cultura de Pelotas, quando criou o Conselho Municipal de Cultura e o Sistema Municipal de Museus.
Entre 2015 e 2016 produziu projetos referentes ao Biênio Simoneano, como a exposição sobre a vida e obra de João Simões Lopes Neto, no Santander Cultural, em Porto Alegre, e a criação e instalação no Centro Histórico de Pelotas de escultura em tamanho natural de Simões.
Em 2018 atuou na coordenação e produção executiva da 11ª Bienal do Mercosul e do Dicionário da Cultura Pampeana Sul-Rio-Grandense, de Aldyr Garcia Schlee, a ser lançado em março de 2019. Também coordenou o projeto que viabilizou a primeira etapa da restauração da Casa de Garibaldi, em Piratini.
Há 15 dias no cargo de Secretária Estadual de Cultura, ela falou ao JÁ:
Qual o papel da Cultura no governo Eduardo Leite?
– Primeiro é importante falar do político Eduardo Leite, para perceber a importância da Cultura no governo dele. O Eduardo se elegeu pela primeira vez vereador com 19 anos. Eu era ativista cultural em Pelotas, trabalho desde os 22 anos nessa área e naquele período em que ele foi vereador, havia um problema com a Secretaria Municipal de Cultura que não queria fazer uma Conferência Municipal de Cultura. Os trabalhadores de Cultura da cidade foram então à Câmara de Vereadores e buscamos um suporte para que a conferência acontecesse. O Eduardo não só chamou para si, ele era presidente da Câmara, a responsabilidade da realização da conferência, como também a presidiu. Não protocolarmente, mas também participou de trabalhos de grupos, dos resultados e da síntese do evento que aconteceu ali. Depois levou tudo à prefeitura, pleiteando o atendimento das demandas dos trabalhadores de Cultura.
Quando ele se elegeu prefeito, me convidou para a Secretaria da Cultura. Foi na minha casa, acompanhado pela sua vice, a Paula, e me fez o convite. Fiquei surpresa e lisonjeada, mas disse que não poderia aceitar devido à condição que teria para exercer o cargo. Ele ouviu o que eu disse, agradeceu, mas antes de ir embora, perguntou. Posso saber qual é essa condição? Respondi que era de não aceitar nenhuma indicação política para a Secretaria da Cultura. Eu precisava de gente qualificada, vocacionada para as funções, com talento e trabalhadores da cultura. E com indicação política se comprometeria os resultados pretendidos. Ele respondeu de pronto. Está aceito. E pude montar minha equipe pelos critérios técnicos. Passaram quase dois anos e tive que largar o cargo, já que sou produtora cultural e minha empresa ficou fragilizada, com a ida da minha sócia para uma graduação no Rio de Janeiro. Expliquei tudo ao Eduardo que, no outro dia quando fui comunicar me afastamento, solicitou que minha equipe continuasse à frente da secretaria. Até hoje, esta equipe continua trabalhando lá, com bons resultados para a comunidade. Alguns projetos que deixei foram depois executados, como o edital do Prêmio Movimento, que o cidadão que não sabe escrever pode participar desse edital e ganhar um prêmio pelo trabalho cultural que ele desenvolve na sua comunidade. Esse projeto ajuda o desburocratizar um pouco a obtenção de recursos públicos para uma camada da população que tem enormes dificuldades para obter isso. Esse foi uma ação que ele, como prefeito, fez questão de por em prática.
No PAC das Cidades Históricas, o Eduardo teve também uma atuação muito presente. Ele foi comigo à Brasília quando fui pleitear os recursos para o PAC. Ele tinha participado da confecção de cada projeto que na hora de sua apresentação, foi ele quem fez, de tal conhecimento que tinha de cada assunto. Combinamos eu e ele de nos olharmos durante a apresentação, se algo estivesse diferente. Pois ele tinha tanto domínio da questão que não me olhou nenhuma vez, não precisou de nenhuma participação minha. Então esse é o governador. A cultura sempre foi e é prioridade para ele. Que entende que a cultura transforma, que a arte tem que fazer parte do dia a dia do cidadão. Tenho certeza que ele vai dar um suporte para a Cultura que nenhum governador deu. Assim tenho que ser mais eficiente e melhor do que os secretários que me antecederam, já que vou ter mais do governador do que eles tiveram.
O orçamento da Secretaria da Cultura tradicionalmente é baixo. Em época de crise isso tende a reforçar. Como a senhora vai lidar com esse problema?
– Não vejo a secretaria em nenhuma situação caótica. Parte dos equipamentos sob responsabilidade da secretaria, muitos estão em situação precária. Precisam de manutenção. Mas isso não é questão só desse governo. Em todos os governos não existe uma política de manutenção de prédios históricos.
Mas a questão imediata é de organização da volta da secretaria da Cultura, a organização de seu quadro funcional e do próprio orçamento que era para três pastas, tinha Esportes e Turismo, Lazer. Também e agora volta a ser separado. É uma situação que não é confortável, dá para dizer e tem sido um trabalho quase braçal nesses primeiros dez dias de governo.
Há perspectiva de aumento desse orçamento logo?
Resposta: Nós vamos trabalhar com nossa fatia, o que já foi destinado a cada área. Não é uma situação confortável de todos que estão assumindo, mas o governador espera que eu trabalhe também na busca de parceiros. Tanto na iniciativa privada como nas pastas que podem de alguma forma atuar nessa transversalidade. Vamos buscar diálogo como a Ciência e Tecnologia , na Educação, na Saúde e outras áreas, para viabilizar entregas e na parceria privada para que a gente possa potencializar nossa ações.
De orçamento sabemos o que está previsto para a LIC (Lei de Incentivo à Cultura) e para o Fundo de Apoio à Cultura, são os recursos destinados a atender a ponta. Para a LIC há previsto R$ 35 milhões em 2019. Esse orçamento existe há seis anos, não aumentou em nada. Sendo que o orçamento do Estado nesse período aumentou. Está congelado. Hoje representaria R$ 130 milhões. Ou seja, há uma enorme defasagem entre o que é e o que poderia ser. Dá para ver que o orçamento em cultura hoje está bastante acanhado.
E trabalhamos com a lógica que isso será mudado. Foi o que aconteceu em nível municipal em Pelotas, onde foi gradativamente havendo um aumento dentro das possibilidades. Não estou trabalhando com percentuais ainda porque há muitas tarefas urgentes a serem feitas, antes de chegar ao governador, negociar e dizer. Nós temos essa proposta para os quatro anos, no plano plurianual. Queremos aumentar o orçamento da Cultura em tanto. Não sabemos em quanto vai ser essa proposta. Mas que ele vai aumentar não tenha dúvida. Pode me cobrar isso.
E do Fundo de Apoio à Cultura. O que dizer?
– Há pouco mais de R$ 9 milhões previstos e alguns entraves. Já estamos em contato com o Secretário da Fazenda para garantir que não haja mais saques desse fundo. No governo passado alguns saques foram realizados e isso acaba inviabilizando o trabalho da Secretaria da Cultura.
A crise atingiu também os financiamentos da iniciativa privada na Cultura. Como superar esse cenário?
-As grandes empresas dão um suporte muito grande para projetos importantes na área de Cultura e houve um encolhimento nesse setor, visível. Mas nosso cliente maior, se dá para chamar assim, está em outro universo. São 497 municípios e a gente tem que entender que essas políticas públicas têm que chegar lá. Em Porto Alegre temos equipamentos bárbaros, alguns eventos que são fundamentais para o Estado, mas temos que pensar e dar atenção especial aos outros municípios. E isso não é com a grande empresa. Por exemplo, as estatais têm uma abrangência muito grande em muitas regiões e cidades diferentes. Desafio é ver uma forma que a gente possa construir um consenso para que os recursos das estatais para que tenham essa orientação. De atender os municípios menores, e não ter somente uma concentração na capital.
Cultura com suporte de governo no interior quase não existe, fora dos centros maiores. Isso vai mudar?
Certamente. Nosso foco de trabalho passa pela Economia Criativa, que vai ser um braço forte da Secretaria e já trabalhamos sempre pensando em todos. Nossos contatos passam, por exemplo, com o Comdimic (Conselho Municipal de Dirigentes Municipais de Cultura), o Codic e o Sesc, que têm uma capilaridade grande. A partir daí dá para trabalhar essas políticas com mais força nos municípios.
Algumas instituições culturais ligadas ao Estado, como Ospa, Biblioteca Pública Estadual, a Casa de Cultura e o Theatro São Pedro, permanecerão com diretores escolhidos na gestão anterior. O que sinaliza essa continuidade?
– A lógica brasileira é de trocar o governo e romper o que existe, começar tudo de novo, na lógica do nunca antes nesse país, mas a lógica que trabalhamos é outra. O que estou cuidando é observar atentamente o que vem funcionando e bem e reconduzir os gestores para obter melhores resultados ainda. Eu tenho a sorte de estar à frente da Secretaria da Cultura que tem um governador que prioriza a Cultura. Isso significa que se as instituições funcionavam bem, vão ter que funcionar melhor necessariamente. Vale para todos. Algumas reconduções estão acontecendo, mas isso não significa que as coisas aconteçam como antes. Certamente nós vamos deixar nossa marca.
E qual é essa marca?
– Ah, eu levo horas para falar nisso. Mas vamos condensar em três pontos . Queremos evoluir o que a já acontece bem, usar a Economia Criativa e ter um olhar atento aos municípios. Queremos ver se podemos ter aqui um polo de Cultura no Estado, suficientemente atraente que possa trazer talentos. Com gente que se envolve com arte e cultura em outros lugares e que possa ser atraído, tenhamos chance de acolher e de dar condições de trabalho adequado e inspirador.
Não temos preocupações de atuar mais em uma área em detrimento de outra. Nos editais, por exemplo, a ideia é que todos os setores sejam contemplados. Naturalmente uns são mais articulados e mais fortes do que outros. Mas isso não muda nossa postura de ver a Cultura como um todo e não por segmentos. Existe muita capilaridade e quem souber fazer uso desses mecanismos que vamos incrementar, o resultado vai acontecer, seja em que for o setor.
Uma questão um pouco relevada na área de Cultura é do Patrimônio Histórico. O que a senhora pensa disso?
– Nessa questão, a educação vem antes do que a preservação patrimonial. Temos que trabalhar os jovens para não causarem pichação, uma preocupação grave que atinge prédios, monumentos e outros equipamentos. Em geral, o jovem não se reconhece naquele monumento, por isso ele o está danificando. Então um exemplo de como agir é disponibilizar, para o pequeno município, um edital que quer queira desenvolver algum projeto de preservação patrimonial. Um projeto de R$ 5 mil a R$ 25 mil, no caso de um pequeno município é suficiente para desenvolver uma atividade que será relevante ali.
Já conversei com o pessoal da área para que possamos no segundo semestre ter uma atividade de educação patrimonial juntos aos municípios. É importante que o cidadão tenha acesso a esses equipamentos públicos que normalmente não estão disponíveis. Em Pelotas temos um evento dessa área, o Dia do Patrimônio, que se tornou a festa cívica mais importante da cidade. Em um final de semana todos os bens materiais ou imateriais do município são acessíveis aos cidadãos. Prédios históricos municipais como a Secretaria da Cultura, o gabinete do prefeito e outros locais podem ser visitados. Além disso, um tema é escolhido a cada edição para que as pessoas possam conversar e refletir acerca do seu patrimônio. Grupos artístico fazem a programação artística do evento, sem cachê, já que é uma festa cívica. É um trabalho voluntário. A prefeitura só disponibiliza os espaços e organiza a agenda. Mas quem faz é a comunidade. Nós vamos fazer isso em todo o Rio Grande Sul.
Como foi sua recepção pela comunidade cultural?
– Senti o peso da responsabilidade. Vejo como uma missão. Saio da minha zona de conforto para fazer um trabalho que gosto muito. Estou tirando umas pessoas também dessa condição para estarem do meu lado nesse trabalho. Sei que Porto alegre tem seus nomes, tem uma intelectualidade, gente que poderia muito bem atender essa demanda da Secretaria da Cultura. Mas quando o governador me convidou e disse. Eu quero uma secretária que brigue pela Cultura dentro do governo, eu não podia pensar diferente. Ele continua o mesmo. E vai dar protagonismo para a Cultura. Nas entrevistas e nas reuniões do secretariado, noto que ele sempre fala sobre o papel da Cultura. Ao mesmo tempo que isso me deixa tranquila, aumenta minha responsabilidade. A gente vai ter que se puxar. Eu tenho a compreensão que ele faz parte de uma coligação de partidos, não há como negar essa condição. Mas a lógica e prioridade primeira é essa. Se é indicação de partido tem que estar vocacionado e que seja à altura da função que vai exercer. Assim, cada ocupação de função será feita por gente capacitada. Essa é uma garantia de nossa administração.
QUEM É
Beatriz Helena Miranda Araújo nasceu em Pelotas em 1962. Iniciou as atividades na cultura aos 22 anos, em 1985, como assessora da presidência na Fundação de Cultura, Lazer e Turismo de Pelotas (Fundapel). Atuou de 1988 a 1992 na direção do Theatro Sete de Abril. Em 1992, deu início a trajetória como produtora cultural independente.
Na área de preservação de patrimônio, em Pelotas, trabalhou no restauro do prédio da Bibliotheca Pública Pelotense, a recuperação e modernização do Theatro Sete de Abril (2002) e a aquisição e restauro integral da casa de João Simões Lopes Neto. Coordenou projeto de instalação do Instituto João Simões Lopes Neto, com aquisição de mobiliário e equipamentos.
Em Porto Alegre produziu o projeto Jardim Lutzenberger, na Casa de Cultura Mario Quintana. Na literatura, de 1998 a 2002, captou recursos e produziu cinco edições da Feira do Livro de Pelotas, a publicação de livros de arte e patrimônio como “Lutzenberger e a Paisagem”, “História Iconográfica do Conservatório de Música de Pelotas”, “Sete de Abril – o Teatro do Imperador”.
Foi por duas vezes Secretária de Cultura de Pelotas, quando criou o Conselho Municipal de Cultura e o Sistema Municipal de Museus. Entre 2015 e 2016 produziu projetos referentes ao Biênio Simoneano, como a exposição sobre a vida e obra de João Simões Lopes Neto, no Santander Cultural, em Porto Alegre, e a criação e instalação no Centro Histórico de Pelotas de escultura em tamanho natural de Simões.
Em 2018 atuou na coordenação e produção executiva da 11ª Bienal do Mercosul e do Dicionário da Cultura Pampeana Sul-Rio-Grandense, de Aldyr Garcia Schlee, a ser lançado em março de 2019. Também coordenou o projeto que viabilizou a primeira etapa da restauração da Casa de Garibaldi, em Piratini.
Atuou na Associação de Produtores Culturais do RS desde a criação da entidade (1999) em defesa da manutenção da Lei Estadual de Incentivo à Cultura, bem como no seu aperfeiçoamento, em parceria com o deputado Bernardo de Souza e que proporcionou a participação de pequenas empresas, até então excluídas do sistema.
De 2010 a 2012 presidiu o Conselho Municipal de Cultura de Pelotas.
Torcendo para que a Fundação Piratini volte ao guarda-chuva da Secretaria de Cultura e que seja tratada com o respeito que merece. Afinal, a função da TVE e da FM Cultura é basicamente cultural. São emissoras que fomentam a economia criativa, uma vez que dão espaço a artistas locais e em ascensão. Foi um erro grotesco tê-las vinculado à Secretaria de Comunicação. Espero que isto seja considerado no governo do Eduardo Leite.