O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), surpreendeu positivamente durante sua intervenção, nesta semana, na sessão especial de Reunião de Sherpas da presidência brasileira do Brics, em Brasília. Os sherpas são enviados dos chefes de estado/governo dos integrantes do Brics, com responsabilidade de conduzir discussões rumo à Cúpula de Líderes, que ocorrerá nos dias 6 e 7 de julho, no Rio de Janeiro.
Havia uma dúvida no ar sobre a postura do governo Lula na presidência do Brics depois de suas posições na 16ª Cúpula do Brics, que aconteceu em Kazan, Federação Russa, em outubro de 2024. Lula enviou o chanceler Mauro Vieira como chefe da delegação brasileira, devido ao acidente doméstico no banheiro do Palácio da Alvorada, com pouca expressão, ficando na borda das fotos oficiais. Mas o que realmente criou um mal-estar foi o veto ao ingresso da Venezuela no novo grupo de “parceiros”.
No entanto, na Reunião de Sherpas, ao comentar sobre cada uma das prioridades do Brasil no Brics, reforçou o comprometimento com a manutenção do uso de moedas locais em operações financeiras relacionadas ao comércio e investimentos dos países-membros do grupo, favorecendo a desdolarização. O objetivo é reduzir os custos de operações comerciais-financeiras das nações em desenvolvimento.
“A atual escalada protecionista na área de comércio e investimentos reforça a importância de medidas que busquem superar os entraves à nossa integração econômica. Aumentar as opções de pagamento significa reduzir vulnerabilidades e custos. A presidência brasileira (no Brics) está comprometida com o desenvolvimento de plataformas de pagamento complementares, voluntárias, acessíveis, transparentes e seguras”, garantiu.
Foi um recado dos países do Brics ao presidente Donald Trump, que reiterou que os Estados Unidos exigem um compromisso dos países do bloco de que não substituirão o dólar, ou enfrentarão “tarifas de 100%”, segundo uma postagem sua na rede social Truth Social. Trump completou que os EUA exigirão um compromisso desses países de que não criarão uma nova moeda do Brics nem apoiarão qualquer moeda para substituir o dólar estadunidense.
A participação do dólar estadunidense nas reservas cambiais globais caiu para o menor nível em quase 30 anos, 57,4% no final de 2024, de acordo com o levantamento do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre a Composição em Moedas das Reservas Cambiais Oficiais (COFER). Enquanto os dados mostram que a participação do dólar tem caído constantemente nos últimos três trimestres, a participação de moedas “não tradicionais” ganha terreno.
No final de 2024, os países integrantes do bloco econômico Brics estavam usando moedas nacionais em 65% dos acordos comerciais mútuos. Em um discurso na cúpula do BRICS em Kazan em outubro de 2024, o presidente russo Vladimir Putin alertou que o uso político do dólar por Washington por meio de sanções e negação de acesso dos países ao sistema financeiro ocidental foi um “grande erro” que os forçará “a procurar outras alternativas, que é o que está acontecendo”.
Inteligência artificial
O presidente Lula ainda ressaltou que, ao mesmo tempo que a inteligência artificial oferece oportunidades extraordinárias, também traz desafios éticos, sociais e econômicos. Nesse sentido, o Brasil está propondo a Declaração de Líderes sobre Governança da Inteligência Artificial para o Desenvolvimento.
“Essa tecnologia não pode se tornar monopólio de poucos países e poucas empresas. Grandes corporações não têm o direito de silenciar e desestabilizar nações inteiras com desinformação. Mitigar os riscos e distribuir os benefícios da revolução digital é uma responsabilidade compartilhada”, disse Lula.
Para o presidente, o Brics “precisa tomar para si” a tarefa de recolocar o Estado no centro dos debates para uma governança “justa e equitativa” dessa tecnologia, sob o amparo das Nações Unidas. “Qualquer tentativa de desenvolvimento econômico hoje passa pela inteligência artificial. Não podemos permitir que a distribuição desigual dessa tecnologia deixe o Sul Global à margem”, afirmou.
Lula reforçou que a liderança do Brasil no Brics neste ano vai ressaltar o espaço para o diálogo na busca de soluções e propostas, com ênfase no multilateralismo. “A presidência brasileira vai reforçar a vocação do bloco como espaço de diversidade e diálogo em prol de um mundo multipolar e de relações menos assimétricas. Esses objetivos guiarão o nosso trabalho ao longo deste ano”, adiantou o presidente brasileiro.
Ao destacar a importância e responsabilidade histórica do bloco neste momento, Lula lembrou a chegada da Indonésia como mais recente membro pleno do grupo e afirmou que esta é a primeira vez que o bloco se reúne no Brasil em seu novo formato.
“Neste momento de crise, nossa responsabilidade histórica é buscar soluções construtivas e equilibradas. Ao longo das últimas quatro presidências do G20, sob a liderança da Indonésia, da Índia, do Brasil, e agora da África do Sul, o Brics tem sido central para avanços importantes. O Brics também continuará a ser peça-chave para que os ideais da Agenda 2030, do Acordo de Paris e do Pacto para o Futuro possam ser cumpridos. A presidência brasileira vai reforçar a vocação do bloco como espaço de diversidade e diálogo em prol de um mundo multipolar e de relações menos assimétricas”, disse Lula.