O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) retomou o ciclo de alta da taxa básica de juros, a Selic, com um aumento de 0,25 ponto percentual definido por unanimidade esta semana, passando de 10,50% para 10,75% ao ano. Este é o primeiro aperto monetário desde 2022, quando o governo Bolsonaro elevou a Selic até 13,75%. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) iniciou as reduções em agosto de 2023, que duraram até maio deste ano. Em junho e julho, os juros básicos da economia brasileira foram mantidos em 10,50%.
A mídia corporativa, assim como a nota do Copom, explica a decisão pelo “perigo” do aumento da inflação e “ambiente externo desafiador, em função do momento de inflexão do ciclo econômico nos Estados Unidos…”. Em relação ao cenário doméstico, a nota do Copom afirma que o conjunto dos indicadores de atividade econômica e do mercado de trabalho tem apresentado dinamismo maior do que o esperado. “A inflação medida pelo IPCA cheio, assim como as medidas de inflação subjacente, se situou acima da meta para a inflação nas divulgações mais recentes.”
Visão um pouco distorcida da realidade. Neste momento, aumentar a taxa de juros com os argumentos acima citados provoca uma sensação de que não saímos do lugar, nada mudou. A política monetária definida pelo Banco Central, com a presidência dos dois primeiros anos de governo Lula nas mãos de Roberto Campos Neto, escolhido pelo governo Bolsonaro, simplesmente mantém os ganhos financeiros no lugar de incentivar a produção, melhores salários, inviabilizando o crédito para o desenvolvimento do país e do consumo. Ou seja, concentração do dinheiro nas mãos dos rentistas.
Com a taxa básica de juros passando para 10,75% ao ano, o Brasil subiu para o segundo lugar no ranking mundial de juros reais. Com a elevação dos juros, o Brasil passa a ter uma taxa real de 7,33%, sendo superado apenas pela Rússia, que enfrenta uma guerra com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), com juros reais de 9,05%. O levantamento é do portal MoneYou, que leva em conta a taxa de juros atuais, descontada a inflação projetada para os próximos 12 meses.
Em razão disso, os títulos públicos do Tesouro Nacional indexados à inflação futura — chamados de Tesouro IPCA+ — estão oferecendo uma rentabilidade imperdível: além da correção pela inflação acumulada no período do investimento, pagam taxas de mais de 6% ao ano.
Como o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) acumulado nos últimos 12 meses é de 4,24% até agosto de 2024, os bancos e as grandes fortunas também têm um ganho real de 6,51 pontos percentuais com a diferença entre a inflação anualizada e a taxa Selic de 10,75% ao ano. Esses ganhos reais pagos aos investidores deixam claro que não tem qualquer sentido o receio da inflação, ainda distante das taxas atuais da Selic.
Unanimidade na reunião
Por que, então, a unanimidade entre os participantes da reunião do Copom, que é composto por nove membros da diretoria do BC, já que desse total quatro foram indicados pelo presidente Lula e um deles, Gabriel Galípolo, diretor de Política Monetária, será o substituto de Campos Neto, presidente do BC que deixa o cargo no final de 2024. Só que Galípolo terá que passar pelo crivo do Congresso. Já são duas reuniões do Copom com decisões por unanimidade. Portanto, Galípolo está acalmando o mercado e os congressistas. Provavelmente não acontecerão mudanças radicais nas reuniões do Copom em 2025 porque o governo Lula não deve ir para confronto com o mercado. Esse é o recado.
Ao contrário do que aconteceu, o Copom poderia continuar reduzindo a taxa Selic porque as contas públicas estão amordaçadas pelo Arcabouço Fiscal, aprovado pelo Congresso, impedindo um crescimento substancial da economia. Esse mesmo Congresso tem uma maioria ultraconservadora com peso suficiente para emplacar pautas legislativas, barganhar com o governo e até mudar a Constituição. As três principais bancadas são a dos evangélicos, ruralistas e armamentistas, ou como são conhecidas: bancadas da bíblia, boi e bala.
Para completar, os partidos conservadores que compõem a base de apoio do governo Lula ocupam pastas importantes na Esplanada dos Ministérios: União Brasil, PP, Republicanos, MDB e PSD. A opinião do mercado financeiro é a que prevalece na mídia corporativa, com apoio irrestrito de parte do empresariado. Todos esses grupos de poder estão sob o manto do imperialismo que nos impõe um neocolonialismo travestido de neoliberalismo.
Portanto, a melhora do Produto Interno Bruto (PIB) no governo Lula, a redução do desemprego, crescimento da renda das famílias, em doses muito controladas, são consequências de medidas possíveis como um pequeno aumento real ao salário mínimo; reajuste do Bolsa Família para R$ 600; início do ciclo de corte dos juros, que agora retrocede; do programa Nova Indústria Brasil, com políticas públicas oferecendo subsídios, empréstimos com juros reduzidos e ampliação de investimentos federais.
Só que o potencial da economia brasileira é muito maior do que isso. Entre 1930 e 1980, a economia brasileira cresceu a taxas médias de mais de 7% ao ano, por intermédio de um processo de industrialização liderado pelo Estado. Segundo o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, “por nossas veredas tropicais circularam autoridades, técnicos e burocratas chineses” em busca de inspiração para planos de governo depois implantados pelo líder chinês Deng Xiaoping, que põe em prática as reformas econômicas que fariam da China o país com maior crescimento econômico do planeta.
“A China cuidou dos investimentos em infraestrutura e utilizou as empresas públicas como plataformas destinadas a apoiar a constituição de grandes conglomerados industriais preparados para a batalha da concorrência global.” Enquanto isso, as elites brasileiras apostaram no neoliberalismo, com a contínua destruição do Estado, principalmente depois dos anos 1990. Deu no que deu.