Como Governo Lula vai enquadrar o Sistema S

Não é uma novidade a equipe do presidente da República eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) propor a integração do Sistema S ao plano nacional de formação profissional. Segundo representantes do próximo governo, escolas técnicas, universidades e as entidades do Sistema S precisam de uma estratégia associada a objetivos de desenvolvimento econômico.

As entidades do Sistema S são privadas e não têm vínculo administrativo com o governo federal, mas mantidas por contribuição compulsória das empresas, recolhida da folha de pagamento dos trabalhadores.

Em 2004, no seu segundo ano de seu primeiro governo, o presidente Lula mirou o Sistema S, de olho nos R$ 8 bilhões arrecadados anualmente, quase três vezes mais do que a União pretendia gastar com saneamento básico naquele ano. Hoje, o sistema arrecada em torno de R$ 30 bilhões/ano e nada mudou.

Em 2008, já no segundo Governo Lula, surgiu a proposta de modificar a aplicação de parte da verba anual do Sistema S. O então ministro da Educação, Fernando Haddad, e seu colega do Ministério do Trabalho, Carlos Lupi, lançaram a proposta de usar o dinheiro na oferta de cursos profissionalizantes gratuitos de nível médio para alunos de escolas públicas ou com bolsa integral em estabelecimentos particulares.

Naquele momento, cerca de dois milhões de vagas beneficiariam ainda aqueles que utilizavam o seguro-desemprego, com a criação do Fundo Nacional de Formação Técnica e Profissional (Funtep), formado por parte da arrecadação do Sistema. Oitenta por cento dos recursos seriam distribuídos conforme o número de matrículas nos cursos gratuitos – o restante do dinheiro seria repartido conforme a população do estado. No cenário proposto pelo governo, entidades como Senai e Senac passariam a seguir diretrizes fixadas em lei para o uso de suas verbas.

O embate acabou em um decreto que previu aumento gradativo da alocação do recurso para vagas públicas em cursos com, no mínimo, 170 horas de duração. Até 2014, dois terços do total da contribuição precisariam ter a gratuidade como destino. O Tribunal de Contas da União (TCU) passou a acompanhar o investimento e, em 2013, foi decretado que os sistemas precisariam publicar na internet relatórios trimestrais. Com a crise política, a partir de 2013, e o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, em 2016, novamente mudanças importantes no Sistema S ficaram para depois.

Em agosto de 2018, em entrevista para o jornal Valor Econômico, já como candidato à presidência pelo PT, Fernando Haddad disse que um novo governo petista deveria ter como plano “enquadrar” o chamado Sistema S para que os recursos fossem direcionados para o ensino médio.

Para Haddad, o Sistema S se apropria de dinheiro público e trata como se fosse privado. “A partir do fato de que eles não reconhecem a natureza pública do recurso que eles gerem. Vale na governança, na participação da sociedade na gestão, vale para a transparência. “

O pato

Em 2004, ocorreu uma acirrada disputa pelo comando da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). Paulo Skaf assumiu pela primeira vez a presidência da Fiesp e tomou conta de um orçamento anual de R$ 750 milhões, na época. Mais de 60% da arrecadação da Fiesp vem do Sistema S. Ele é o maior exemplo do uso político das entidades empresariais do Sistema S.

Na crise político-econômica de 2014, Skaf iniciou a campanha “Não vou pagar o pato” contra o Governo Dilma Rousseff, patrocinando um imenso pato amarelo que ficava na frente da Fiesp durante as manifestações contra o PT.

Anteriormente, parte da verba do Sistema S também foi utilizada para construção do luxuoso prédio da Fiesp na Avenida Paulista, assim como o da Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs). A Federação do Comércio de Bens e de Serviços do Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS) inaugurou no segundo semestre de 2020 seu novo prédio localizado no bairro Anchieta, zona norte de Porto Alegre, onde abriga mais de 500 funcionários. Valor da obra: R$ 223,13 milhões.

Depois do impeachment de Dilma Rousseff, assumiu o vice-presidente Michel Temer (MDB). Ele assinou um decreto obrigando a reserva dos recursos da qualificação dos trabalhadores rurais pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) – que integra o Sistema S – para as entidades patronais do setor agrícola: 5% para o financiamento da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) e outros 5% para as federações estaduais. Esse modelo de transferência segue o que já existe em outros setores, como indústria e comércio.

Caixa Preta

O ex-senador Ataídes Oliveira publicou em 2012, pela editora do Senado, o livro “Caixa Preta do Sistema S”.  No Senado ele foi um dos maiores críticos da gestão do Sistema S, primeiramente como suplente, em 2012, e depois, de 2013 a 2019, como titular pelo PSDB.

Para Oliveira, é inaceitável que o Sistema S criado por lei, mantido com recursos públicos (tributos), sem fins lucrativos, que tem como finalidade a qualificação da mão de obra do trabalhador brasileiro, cobre de uma pobre dona de casa, que quer ajudar na renda familiar, um curso de cabeleireira.

O Sebrae, conforme Oliveira, definiu que seriam aplicados 10% de sua Receita Total em benefício gratuito de seus usuários, mas na média verificada não aplicou sequer 5%. “Se os bilhões arrecadados pelo Sebrae têm como finalidade qualificar a mão de obra e dar suporte aos empregadores, é aberrante esse percentual mínimo de 10% de toda esta receita destinada a cursos gratuitos e mais, somente se aplicou 5%.”

Em 2016, o então senador deu entrada em um projeto,  nº 386, que designava 30% da arrecadação do Sistema S para a Previdência Social, “em especial para a aposentadoria rural, que é onde está o rombo”. Para Oliveira, o Sistema S não precisa de R$10 bilhões que todo ano sobra em seu caixa. “Se nós usarmos esse dinheiro para cobrir o rombo da aposentadoria rural, isso vai resolver em grande parte.” O projeto não andou e a reforma da Previdência foi pelo caminho contrário.

Relatório do TCU

Em 2019, o jornal O Estado de São Paulo publicou um resumo do relatório de 166 páginas do TCU sobre as instituições que integram o Sistema S, que arrecadaram R$ 43 bilhões entre 2015 e 2016 – período em que os dados foram analisados. Pronto desde junho de 2018, o relatório ainda não foi apreciado pelo plenário do TCU.

Segundo o relatório, “as entidades não estão registrando adequadamente suas disponibilidades financeiras” e algumas informações prestadas “são meramente declaratórias”. Uma boa parte das demonstrações contábeis não é certificada por auditoria interna ou externa. E até 90% dos contratos com fornecedores não passam por licitação.

Dono de um patrimônio bilionário, o Sistema S, formado por um grupo de entidades da indústria, comércio, agronegócio e transporte, tem R$ 23 bilhões em imóveis. São 2.805 propriedades espalhadas por todo o País, das quais cerca de 490 são usadas para finalidades que não estão ligadas às atividades do Sistema S, conforme auditoria do TCU.

História

A história do que hoje é chamado de Sistema S começa oficialmente em 22 de janeiro 1942, com o decreto do então presidente Getúlio Vargas, que criou o Senai, a mais antiga organização do grupo. A fundação do serviço de aprendizagem durante o Estado Novo (1937-1945) fez parte de uma tentativa de avançar na industrialização do país, qualificando a mão de obra operária.  

O Sistema S é formado pelo Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai); Serviço Social do Comércio (Sesc); Serviço Social da Indústria (Sesi); e Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio (Senac); Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (SENAR); Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo Serviço Social do Transporte (SEST); Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte (SENAT), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE) e Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (SESCOOP).

As empresas pagam contribuições às instituições do Sistema S com base nas seguintes alíquotas: 
Instituição Alíquota
Senai 1,0%
SESI 1,5%
SENAC 1,0%
SESC 1,5%
SEBRAE variável no intervalo de 0,3% a 0,6%
SENAR variável no intervalo de 0,2% a 2,5%
SEST 1,5%
SENAT 1,0%
SESCOOP 2,5%

As alíquotas acima variam em função do tipo do contribuinte, definidos pelo seu enquadramento no código Fundo de Previdência e Assistência Social (FPAS).