“Temos que dançar com o lobo”, afirmou o então presidente da China, Jiang Zemin. Os ataques de 11 de setembro de 2001 em Nova York e Washington e a guerra dos Estados Unidos (EUA) ao terrorismo mudaram o panorama mundial. A China percebe um reforço na presença militar norte-americana na Ásia Central, com uma contínua redisposição de forças estadunidenses da Europa para a região Ásia-Pacífico. Por isso, apoiou o apelo de Washington para cooperação internacional e ação conjunta, incluindo a adoção de resoluções do Conselho de Segurança da ONU condenando os ataques. Naquele momento, a China dependia da paz para poder dedicar energia a sua prioridade de desenvolvimento interno.
Passados 24 anos, o lobo continua agressivo, mas o cenário mudou. Durante a segunda administração Donald Trump (até agosto de 2025), os EUA impuseram tarifas a cerca de 190 países e territórios, dos quais o Brasil e a Índia receberam as mais elevadas. Desta vez, o objetivo principal dos ataques é a manutenção do domínio do dólar no comércio internacional, que financia a dívida pública norte-americana.
No entanto, agora existem outros lobos também com dentes afiados. Na 17ª Cúpula do Brics, realizada no Rio de Janeiro em julho passado, sob presidência do Brasil, houve avanços na identificação de caminhos para a integração dos sistemas de pagamento entre os membros do bloco, incluindo a criação de um ecossistema financeiro próprio.
A iniciativa de desdolarização é um passo concreto para proteger os países do bloco contra sanções unilaterais principalmente dos Estados Unidos e garantir maior autonomia monetária e financeira, relevante no contexto de ameaças protecionistas.
O ciclo do domínio do dólar, que começou após o final da Segunda Guerra Mundial, está em declínio. Naquele momento, os EUA eram responsáveis por mais da metade de toda a capacidade industrial mundial e possuíam a maior parte do ouro disponível. Por isso, forçaram a decisão de lastrear as moedas que giravam no comércio global ao dólar, abandonando a libra.
Atualmente, a dívida pública dos EUA está em US$ 36,2 trilhões (R$ 196 trilhões), o equivalente a 120% do PIB, segundo o Tesouro dos EUA. O Federal Reserve elevou os juros, aumentando o rendimento dos títulos, preocupado com o refinanciamento da dívida.
A China e outros países têm reduzido suas reservas em títulos públicos norte-americanos por motivos geopolíticos e de diversificação. A crescente dívida pública dos EUA gera preocupações sobre a sustentabilidade a longo prazo. Investidores buscam alternativas, como títulos de outros países ou ativos não tradicionais como criptomoedas e ouro.
Sul Global
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva conversou com o presidente chinês, Xi Jinping, que está disposto a trabalhar com o Brasil para estabelecer um exemplo de unidade e autossuficiência entre os principais países do Sul Global e construir conjuntamente um mundo mais justo e um planeta mais sustentável.
É uma resposta, segundo Lula, “ao objetivo do presidente Trump de desmantelar o multilateralismo, onde acordos são feitos coletivamente dentro das instituições, e substituí-lo pelo unilateralismo, onde ele negocia individualmente com outros países.”
Esse foi o objetivo dos EUA ao abandonarem o Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas; Organização Mundial da Saúde (OMS); da Comissão de Direitos Humanos da ONU e da UNESCO, e bloquearem a nomeação de árbitros para o órgão de apelação da Organização Mundial do Comércio (OMC), o que paralisou esse mecanismo essencial para resolver disputas comerciais.
Xi disse ainda que a China apoia o povo brasileiro na defesa de sua soberania nacional e apoia o Brasil na salvaguarda de seus direitos e interesses legítimos, e conclamou todos os países a se unirem e se oporem resolutamente ao unilateralismo e ao protecionismo.
O presidente chinês destacou que o mecanismo do Brics é uma plataforma-chave para a construção de consenso no Sul Global e parabenizou o Brasil por sediar com êxito a cúpula do Brics realizada recentemente.
Ações malévolas
Com a tentativa do governo estadunidense de interferir no judiciário ameaçando nossa soberania, pressionando pela anistia para Jair Bolsonaro antes mesmo dele ser condenado e agora revogar o visto de entrada no país de funcionários brasileiros que atuaram no programa Mais Médicos, mostra a real face do imperialismo norte-americano.
Washington vê os Brics não como um clube econômico neutro, mas como uma ameaça estratégica crescente, e o Brasil é fundamental para o controle da América Latina pelos EUA. Trump utilizou Bolsonaro como pretexto para taxar as exportações brasileiras.
Os EUA sempre se utilizaram de uma minoria local que não tem compromissos com a defesa de seu território, muito menos sua soberania. Em troca oferecem parte da pilhagem realizada. A família Bolsonaro é apenas mais uma, como tantas no mundo, utilizadas pelo governo estadunidense.
Um exemplo é o presidente das Filipinas desde 2022, Ferdinand Marcos Jr., apelidado de Bong Bong, filho do ditador Ferdinand Marcos, que governou de 1965 até ser deposto em 1986. Bong Bong concedeu aos EUA acesso a quatro novas bases militares, elevando para nove. Uma das bases fica a apenas 400 quilômetros da região chinesa de Taiwan.
Soberania e segurança
Está na hora do governo brasileiro proteger sua soberania, aumentar sua segurança e interesses para o desenvolvimento do país. A diversificação de parcerias econômicas é uma prioridade. O tarifaço do governo Trump afeta 35,9% das mercadorias enviadas ao mercado norte-americano, o que representa somente 4% das exportações brasileiras.
A autossuficiência tecnológica é fundamental, investindo pesadamente em pesquisa e desenvolvimento para reduzir a dependência de tecnologias estrangeiras e o desenvolvimento de chips e softwares domésticos.
Nessa mesma linha, defender uma maior segurança cibernética, com a proteção de infraestruturas críticas e dados sensíveis contra possíveis ataques ou espionagem estrangeira.
Também retomar o controle da Eletrobras e a Petrobras voltar a ter uma rede de postos de gasolina, tirar suas ações da Bolsa de Nova York, reduzir a distribuição de dividendos e parar de exportar petróleo bruto e importar refinado.
É urgente promover a conscientização sobre a soberania nacional através do sistema educacional e da mídia estatal, reforçando a unidade nacional.
Incentivar uma mídia independente que defenda os interesses nacionais. O Partido dos Trabalhadores (PT) até tentou, sem muita convicção, enfrentar a mídia corporativa, mas até agora não conseguiu.
Essas medidas devem ser um compromisso do Brasil para proteger sua soberania e garantir seu desenvolvimento pacífico, sem se deixar influenciar por pressões externas.