A Feira Internacional de Tecnologia em Bioenergia e Biocombustíveis (Biotech Fair), encerrou na semana passada no Centro de Eventos da Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), em Porto Alegre, com projeção de faturamento das empresas participantes, até o final de 2025, de mais de R$ 50 milhões, conforme o coordenador geral, Clóvis Rech, diretor da Porthus Eventos.
“O Rio Grande do Sul pode atrair investimentos de até R$ 12,5 bilhões para gerar energia a partir do lixo e gerar mais de 815 postos de trabalho”, destacou o presidente da Associação Brasileira de Energia de Resíduos (ABREN), Yuri Schmitke, que participou do evento. O executivo destacou que, segundo estudos da ABREN, o Estado gaúcho tem potencial para a instalação de sete Usinas de Recuperação Energética (UREs), que transformam o lixo urbano não reciclável em energia elétrica, com uma capacidade instalada de 210 MW, ou 30 MW cada usina.
Além disso, conforme Schmitke, essas UREs teriam capacidade para tratar 1 mil toneladas de resíduos sólidos urbanos por dia, desviando, assim, o lixo que atualmente é enviado para lixões e aterros sanitários, que são “superemissores globais de metano”. O representante da ABREN utilizou como exemplo o aterro no município de Minas do Leão, distante 93 km de Porto Alegre, a partir de uma imagem de satélite que detectou os altos níveis de metano emitidos. Esse aterro é operado pela Companhia Riograndense de Valorização de Resíduos (CRVR), controlada pela Solvi, de São Paulo,
Schmitke destacou que os resíduos são encarados como um problema, mas na verdade eles podem ser a solução, desde que tratados da forma correta. “Neste caso, as usinas de biogás e biometano, além das usinas de recuperação energética, aparecem como as soluções mais adequadas, pois transformam resíduos orgânicos em energia renovável, reduzindo emissões de metano e os impactos ambientais.”
A CRVR está construindo a maior planta de biometano do Sul do Brasil, exatamente em Minas do Leão, com previsão de produzir 66 mil metros cúbicos por dia. Há outra usina em Triunfo, financiada pelo BNDES, prevista para entrar em operação no segundo trimestre de 2025. Este projeto, liderado pela Bioo, terá capacidade de produção de 30 mil metros cúbicos de biometano por dia.
O Brasil possui 11 usinas de processamento de biometano em operação, sendo a maioria instalada em aterros sanitários. Além disso, há 32 novas usinas aguardando autorização da Agência Nacional do Petróleo (ANP) para instalação, o que aumentará significativamente a capacidade de produção.
O potencial teórico de produção de biometano é estimado em 120 milhões de metros cúbicos por dia, o que supera em mais de duas vezes o consumo médio diário de gás natural, que foi de 52,5 milhões de metros cúbicos em 2024. Esse potencial é impulsionado principalmente pela agroindústria, que aproveita resíduos da produção de açúcar, etanol e esterco animal.
Atualmente, o país produz cerca de 840 mil metros cúbicos de biometano por dia, mas há projetos em andamento que podem elevar essa produção para 8 milhões de metros cúbicos por dia até 2030.
Negócios promissores
Pela primeira vez a Biotech Fair aconteceu no Rio Grande do Sul. É o único evento a congregar as diversas fontes renováveis de energia, que têm suas diferenças. A biomassa refere-se à matéria orgânica utilizada para gerar energia, como madeira, resíduos agrícolas, biogás e biocombustíveis líquidos ou gasosos (etanol, biodiesel).
Já a bionergia é a energia gerada a partir de biomassa, mas também pode incluir outros processos, como a conversão de biogás em eletricidade ou o uso de óleos vegetais para produção de combustíveis. Ou seja, toda biomassa pode ser usada para gerar bioenergia, mas nem toda bioenergia vem exclusivamente da biomassa.
Para o CEO da Bley Energias, Cícero Bley Jr, que foi diretor de energias renováveis da Usina de Itaipu, o diferencial da Biotech Fair é a diversidade com a participação do produtor ao consumidor, promovendo arranjos de negócios e contatos. “A feira aproximou desiguais.”
As empresas participantes da Feira fizeram contatos promissores e fecharam negócios. Um exemplo é o da empresa ZN48, que faz a hibridização de veículos pesados, uma tecnologia que combina motores a diesel com biogás e biometano. Ela vai promover a transformação da frota para uma empresa de Mato Grosso no valor que passa dos R$ 4 milhões. “A empresa vai pagar a transformação com a economia nos gastos com combustível”, revelou o consultor de negócios e representante nacional da ZN48, Paulo Fernando Paim.
A Marcopolo, fabricante de carroceria de ônibus com matriz em Caxias do Sul, participou da feira com a carroceria Attivi, primeiro chassi elétrico produzido pela companhia. O projeto reforça o investimento da companhia no segmento de elétricos, com foco em modais cada vez mais sustentáveis. O modelo da carroceria é dedicado a chassis articulados com propulsão 100% elétrica, com zero emissão de gases nocivos, sendo mais econômico, com menor custo de manutenção e ótimo desempenho. O coordenador de Engenharia da Marcopolo, Fábio Limeira, explicou que a empresa segue a meta do Acordo de Paris de reduzir as emissões de gases do efeito estufa em 43% até 2030.
A Weco, empresa gaúcha com mais de 50 anos, é fabricante de equipamentos termomecânicos. O diretor Luiz Henrique Campos, afirmou que a importância de participar de feiras é que hoje a aplicação de caldeiras a biomassa nas indústrias vem ocupando um cenário relevante no mercado nacional devido à grande disponibilidade para uso deste combustível e aos ganhos econômicos e ambientais, sendo sinônimo de grande eficiência a um baixo custo. A Weco ampliou sua linha de caldeiras para os mais diversos combustíveis, tais como lenha em toras, cavacos de madeira, casca de arroz, caroço de açaí, cascas de cacau, óleo e gás, entre outros.
A Unztop Soluções Tecnológicas, de Bento Gonçalves, apresentou na feira um filtro biológico com microalgas para a purificação, desenvolvido pela Universidade do Vale do Taquari (Univates). O cultivo de microalgas pode ser utilizado para remover o CO2 e o H2S do biogás. O elevado pH do processo biológico de cultivo de microalgas favorece a captura do CO2 pelo sistema carbonato. “Descobrimos que o interesse pelo filtro biológico é mais amplo do que imaginávamos. Desde um pequeno negócio que utiliza biodigestor para produção de energia até multinacionais”, disse o gestor de Negócios da Unztop, Valmor Lohmann.
Descarbonização da economia
A biomassa desempenha um papel fundamental na nova política industrial do governo Lula, servindo como um dos pilares para a descarbonização da economia e a promoção de uma matriz energética mais sustentável. A política industrial atual prioriza a transição energética, com ênfase no crescimento das energias renováveis, incluindo a biomassa, visando reduzir as emissões de carbono e fomentar o desenvolvimento econômico sustentável.
Uma das metas estabelecidas é aumentar a participação dos biocombustíveis na matriz energética de transportes em 50% até 2033. Atualmente, os biocombustíveis representam 21,4% do consumo de energia nesse setor, indicando um compromisso significativo com a ampliação do uso de fontes renováveis.
O programa “Combustível do Futuro” é outra iniciativa do governo brasileiro que busca promover a transição energética para combustíveis mais sustentáveis e de baixa emissão de carbono. O programa também prevê investimentos significativos até 2037, com o objetivo de fortalecer a posição do Brasil como líder global em energia limpa e renovável.