Governo Lula sinaliza que não deve aderir a Nova Rota da Seda

Não surpreende a sinalização do assessor para assuntos internacionais da Presidência da República, Celso Amorim, ao jornal O Globo, de que o Brasil não deve aderir formalmente ao programa chinês Cinturão e Rota, conhecido como a Nova Rota da Seda.  O veto ao ingresso da Venezuela no grupo de “parceiros”, durante a 16ª Cúpula do Brics, que aconteceu em Kazan, Federação Russa, de 22 a 24 de outubro passado, já evidenciava um novo caminho escolhido pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva.

Amorim afirmou que o governo brasileiro quer elevar a relação com a China a um novo patamar, sem que para isso precise assinar um “contrato de adesão”. Para ele, a palavra-chave é sinergia: “Não é assinar embaixo, como uma apólice de seguro. Não estamos entrando em um tratado de adesão. É uma negociação de sinergias.”

A diplomacia brasileira define esse movimento como “Não Alinhamento Ativo”. Uma abordagem adotada pelo governo Lula em sua atual política externa, que busca evitar que o Brasil tome partido em disputas geopolíticas, especialmente em um contexto de crescentes tensões entre grandes potências, como Estados Unidos e China. Ao invés de se alinhar automaticamente a um bloco específico, como o Ocidente ou o Oriente, o Brasil procura atuar de maneira independente e pragmática, priorizando seus próprios interesses e buscando cooperação multilateral.

Essa política busca colocar o Brasil como uma voz ativa e independente em fóruns globais, promovendo o diálogo e a solução pacífica de conflitos. A ideia é que  tenha autonomia para colaborar com diversos países, sem se comprometer exclusivamente com um lado ou ser pressionado por alianças rígidas. Esse conceito se inspira em parte nos movimentos de não alinhamento da Guerra Fria, mas com um foco atualizado, adaptado ao cenário global contemporâneo, onde a polarização entre países e blocos exige posturas mais nuançadas e flexíveis.

No entanto, o “Não Alinhamento Ativo” está sendo visto por boa parte da esquerda brasileira como uma desculpa para subserviência aos interesses do imperialismo estadunidense, enquanto o “Sul Global”, através do Brics, se organiza cada vez mais como uma força política e econômica independente. Está claro que os EUA não aceitam perder o poder geopolítico na América Latina. É só perceber o que aconteceu no Equador, Peru, Argentina, além das pressões contra o governo eleito de Maduro na Venezuela.

Em um evento em São Paulo, a representante de Comércio dos EUA, Katherine Tai, afirmou que o Brasil deveria ter cautela com uma possível adesão à Nova Rota da Seda. A declaração de Tai irritou Pequim que orientou a Embaixada da China em Brasília a divulgar uma nota dizendo que a recomendação “carece de respeito ao Brasil, um país soberano, e despreza o fato de que a cooperação sino-brasileira é igualitária e mutuamente benéfica”. O Brasil ficou em silêncio.

No meio dessa turbulência é anunciada a construção de uma nova embaixada dos Estados Unidos, em Brasília, que terá nove andares subterrâneos e três andares visíveis. Um investimento estimado em R$ 3,5 bilhões, equivalente a US$ 623 milhões, com previsão de ser concluído em 2028. A nova embaixada será construída a menos de cinco minutos do Palácio do Planalto.  A explicação para uma obra dessa magnitude é que haverá expansão de 40% na capacidade de emissão de vistos.

Parceiro de fé

Em 2009, a China se tornou o maior parceiro comercial do Brasil, posição que manteve por 15 anos consecutivos. O Brasil foi o primeiro país latino-americano a atingir um volume de negociação de mais de US$ 100 bilhões com a China. Em 2023, as exportações do Brasil para a China atingiram US$ 104 bilhões, superando o total de suas exportações para os EUA e a UE combinadas. Não é pouca coisa.

A soja, o milho, o petróleo bruto, o minério de ferro e a carne do Brasil entram continuamente no mercado chinês, enquanto máquinas chinesas, como colheitadeiras, tratores e drones para pulverização de pesticidas ajudam a agricultura brasileira.

Entre 2007 e 2022, empresas chinesas investiram US$ 71,6 bilhões no Brasil, com o setor de eletricidade absorvendo 45,5% do total, seguido pelas áreas de extração de petróleo (30,4%).  O projeto do Satélite de Recursos Terrestres China-Brasil, considerado um marco na cooperação Sul-Sul em alta tecnologia, serve como exemplo de quebra do monopólio tecnológico dos países desenvolvidos e aumentou significativamente a confiança dos países do “Sul Global” em sua autossuficiência e força.

Ao que parece, o governo Lula pretende manter essa forte parceria nos negócios e novas tecnologias com a China. Ao mesmo tempo, deve oferecer como recompensa aos EUA a não entrada na Nova Rota da Seda. Isso foi possível até agora, mas tudo está mudando rapidamente na geopolítica mundial.

A cereja do bolo na reunião entre os presidentes Xi Jinping e Lula, que ocorrerá em paralelo a cúpula do G20 no Rio de Janeiro, nos dias 18 e 19 de novembro, seria o anúncio da entrada do Brasil na Nova Rota de Seda. O encontro servirá como encerramento das celebrações, em 2024, do cinquentenário das relações diplomáticas entre a República Federativa do Brasil e a República Popular da China.

A organização é em alto nível de segurança e diplomacia para fortalecer os laços sino-brasileiros em temas estratégicos, incluindo economia, tecnologia e desenvolvimento sustentável. Os chineses são pragmáticos, mas não deixará de ser frustrante a recusa do Brasil.

Desde que Xi Jinping, anunciou a nova Rota da Seda, em 2013, foram feitos fortes investimentos estatais em infraestrutura no exterior. A maior parte dos gastos (estimados em US$ 1 trilhão, ou cerca de R$ 5,06 trilhões) foi concentrada em projetos de transporte, como ferrovias e usinas energéticas.

Indo além de uma expansão meramente geográfica, a iniciativa Cinturão e Rota ganhou novos ares ao longo dos anos com o lançamento da Rota da Seda Digital, da Saúde, Verde e Polar. Suas cinco prioridades são: coordenação de políticas, conectividade de infraestrutura, comércio desimpedido, integração financeira e intercâmbio entre os povos, com mecanismos bilaterais e multilaterais.

Com O Globo e Global Times