Manifestos jogam ministro Ricardo Salles nas cordas

“Neste momento, em que enfrentamos uma situação extrema, extraordinária e excepcional, é muito importante manter a serenidade e o equilíbrio para que possamos superar e sair fortalecidos dos desafios que se apresentam. Em nenhum momento da história o futuro da humanidade e do planeta dependeu tanto da nossa capacidade de entendimento de que vivemos em um único planeta e de que a nossa sobrevivência está diretamente ligada à preservação e valorização dos seus recursos naturais.”

Assim, começa a carta-manifesto “Comunicado do Setor Empresarial Brasileiro”, que dirigentes de 38 grandes empresas brasileiras e estrangeiras e de quatro entidades setoriais do agronegócio, enviaram ao presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal, o vice-presidente Hamilton Mourão.

Ações propostas

O grupo intitulado “Setor empresarial brasileiro” diz estar à disposição do Conselho da Amazônia para discutir soluções nos seguintes campos:

1 – Combate inflexível e abrangente ao desmatamento ilegal na Amazônia e demais biomas brasileiros;
2 – Inclusão social e econômica de comunidades locais para garantir a preservação das florestas;
3 – Minimização do impacto ambiental no uso dos recursos naturais, buscando eficiência e produtividade nas atividades econômicas daí derivadas;

Arquivo JÁ

4 – Valorização e preservação da biodiversidade como parte integral das estratégias empresariais;
5 – Adoção de mecanismos de negociação de créditos de carbono;
6 – Direcionamento de financiamentos e investimentos para uma economia circular e de baixo carbono;
7 – Pacotes de incentivos à recuperação econômica dos efeitos da pandemia da Covid-19 condicionada a uma economia circular e de baixo carbono.

O documento diz, ainda: “Particularmente, esse grupo acompanha com maior atenção e preocupação o impacto nos negócios da atual percepção negativa da imagem do Brasil no exterior em relação às questões socioambientais na Amazônia. Essa percepção negativa tem um enorme potencial de prejuízo para o Brasil, não apenas do ponto de vista reputacional, mas de forma efetiva para o desenvolvimento de negócios e projetos fundamentais para o país.”

Entre as empresas signatárias, pesos pesados como Agropalma Alcoa, Bayer, Cargill, Eletrobras, Itaú, Klabin, Marfrig, Michelin, Microsoft, Natura, Rabobank, Santander, Shell, Siemens, Suzano e Vale. As organizações signatárias são o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds) Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) Indústria Brasileira da Árvore (Ibá) Associação Brasileira das Indústrias de Óleo Vegetal (Abiove).

Doze procuradores da República pediram à Justiça Federal, em Brasília, nesta segunda-feira, 6/7, o afastamento do cargo do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. O Ministério Público Federal (MPF) acusa o ministro de improbidade administrativa, pelo o que consideram “desestruturação dolosa das estruturas de proteção ao meio ambiente”. A ação tramita na 8ª Vara da Justiça Federal.

A situação de Ricardo Salles, está insustentável. Ele que, na fatídica reunião do presidente Jair Bolsonaro com seus ministros em maio passado, disse que o governo deveria aproveitar o foco da imprensa na cobertura da pandemia do novo coronavírus para aprovar reformas “infralegais” de todos os tipos. Para o ministro, essa seria a hora de “passar a boiada” e simplificar normas “de baciada”.

Fundos de investimento contra desmatamento

Em 23 de junho passado, Fundos de investimento que gerenciam ativos que somam perto de US$ 4 trilhões (quase R$ 21 trilhões) pediram ao Brasil que suspenda o desmatamento na Amazônia em uma carta aberta na qual alertaram que a perda da biodiversidade e as emissões de carbono representam um “risco sistêmico” aos seus portfólios.

Segundo a Agência France-Presse, gerentes de fundos de países europeus, asiáticos e sul-americanos expressaram o temor de que o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) esteja usando a crise sanitária da covid-19 para avançar sobre a desregulamentação ambiental, o que poderia “comprometer a sobrevivência da Amazônia”.

“Estamos preocupados com o impacto financeiro do desmatamento, bem como as violações dos direitos dos povos indígenas, os quais implicam em potenciais consequências para os riscos de reputação, operacionais e regulatórios de nossos clientes e empresas investidas”, diz a carta.

A maioria dos signatários são membros da Investor Initiative for Sustainable Forests (Iniciativa de Investidores pelas Florestas Sustentáveis), da qual participam empresas expostas ao desmatamento por seus investimentos na produção de soja e criação de gado. Os fundos representados na carta incluem a britânica LGPS Central, a francesa Comgest e o KLP, o maior fundo de pensões da Noruega.

Acordo Mercosul – União Europeia ameaçado

Em carta enviada ao Congresso Nacional em 19 de junho passado, 29 eurodeputados pedem ação do Congresso brasileiro para restaurar a proteção às florestas e aos povos indígenas. “Queremos alertar o Congresso de que estamos de olho e que queremos cooperar e tentar mudar o que tem acontecido na Amazônia”, disse à Deutsche Welle Brasil Kathleen Van Brempt, coordenadora do Comitê de Negócio Internacional do Parlamento Europeu e membro da delegação que cuida das relações com o Mercosul.

Sem mencionar o nome do presidente Bolsonaro, a carta lista uma série de preocupações com projetos em tramitação no Congresso, além de lamentar o aumento do desmatamento na Amazônia em 2020, medido pelo sistema de alertas do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe). Em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, o índice anual de desmatamento passou de 10 mil km2, recorde da última década.

No Congresso Nacional, projetos polêmicos que podem reduzir a proteção ambiental e ferir direitos dos povos indígenas garantidos pela Constituição seguem em tramitação. Dentre os que levantam mais críticas dos parlamentares europeus está a antiga MP da grilagem – transformada no Projeto de Lei 2633/2020 – que quer regularizar ocupações ilegais de terras públicas. Tentativas de flexibilizar as regras para o licenciamento ambiental e de liberar mineração e outros empreendimentos em terras indígenas também são apontadas como motivo de preocupação.

Segundo Kathleen, “o acordo Mercosul – União Europeia não vai funcionar ao menos que possamos ter realmente garantias sobre a proteção da Floresta Amazônica, dos direitos humanos e dos povos indígenas”. Embora o Mercosul englobe atualmente outros três países, Argentina, Uruguai e Paraguai, o futuro do acordo parece depender mais da postura brasileira. “A discussão tem sido focada no Brasil porque a opinião pública na Europa está mudando muito e é contra o que tem acontecido no país”, completa a eurodeputada belga.

Governo esboça reação

No dia 23 de junho, o Ministério da Agricultura lançou o Plano de Investimento no Agronegócio Sustentável no Brasil com o objetivo de atrair investidores estrangeiros para financiar a agropecuária brasileira, apoiar serviços ambientais desenvolvidos no campo e fortalecer uma imagem de sustentabilidade no campo do país.

O plano foi desenvolvido em parceria com a Climate Bonds Initiative (CBI), uma das certificadoras de títulos verdes mais influentes do mundo, que criou um protocolo específico para a agropecuária brasileira. Serão lançados títulos atrelados a práticas de conservação ou redução de emissão de carbono pelos produtores rurais.

A ministra Tereza Cristina (Agricultura, Pecuária e Abastecimento) lembra que o plano nasceu a partir da assinatura de um protocolo entre o Mapa e a CBI em novembro do ano passado, em Nova York. “Queremos ser protagonista desta nova tendência. Daí a importância de se fortalecer esse mercado de finanças verdes no Brasil, que é uma potência agroambiental, comprometida com a sustentabilidade”, afirmou.

Segundo a ministra, os investimentos verdes podem alcançar cifras bilionárias no Brasil, levando em conta que o capital de giro para movimentar atividades agropecuárias se aproxima de US$ 100 bilhões por ano. O montante aumenta ao se considerar todo o agronegócio, como a produção de insumos, logística, industrialização e comercialização.