O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou, nesta semana, o Decreto nº 12.712 que moderniza o Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), com o objetivo de garantir mais transparência, concorrência e integridade ao sistema de vale-alimentação e vale-refeição.
O decreto define limites de taxas, prazos de repasse, abertura de arranjos de pagamento e interoperabilidade entre bandeiras, atualizando o funcionamento do sistema e fortalecendo a governança do programa. As empresas terão 90 dias para se adequar a algumas das principais mudanças.
Nas redes sociais, o presidente Lula disse que o decreto “vai acabar com o oligopólio de poucas empresas no vale-refeição do trabalhador”, em referência ao fato de que atualmente quatro grandes empresas (Alelo, VR, Ticket e Pluxee) respondem por cerca de 80% do mercado, que movimenta mais de R$ 150 bilhões anualmente.
A medida mais polêmica é a taxa cobrada dos estabelecimentos (MDR), que não poderá ultrapassar 3,6%. Segundo pesquisa Ipsos-Ipec, a taxa média atual cobrada dos lojistas por transações com diferentes meios de pagamento, o vale-refeição é a mais cara, com média de 5,19%, seguido pelo cartão de crédito (3,22%) e pelo débito (2%), refletindo o custo que cada modalidade impõe ao comerciante.
Os sistemas oligopolizados são sempre contrários a qualquer tabelamento porque provoca uma distorção na formação dos preços. Na verdade, tira deles o controle da margem de lucro. Atualmente, o dono do estabelecimento acaba repassando mais de cinco pontos percentuais no preço final da refeição por falta de poder de negociação. Não tem nada a ver com a lei da oferta e demanda, mas o controle dos oligopólios do setor.
Intermediárias financeiras
As empresas de vale-alimentação e vale-refeição atuam como intermediárias financeiras entre os empregadores, trabalhadores e estabelecimentos comerciais (como supermercados e restaurantes). Elas criam e administram meios de pagamento específicos, que só podem ser usados para comprar alimentos e refeições, de acordo com regras do PAT do governo federal.
As empresas contratantes compram créditos de vale-refeição/alimentação para seus funcionários. Esses créditos são disponibilizados em cartões gerenciados pelas operadoras. Quando o trabalhador faz uma compra, o valor é debitado do cartão e registrado pela operadora. O repasse ao estabelecimento comercial (restaurantes, mercados etc.) não é imediato.
O dinheiro fica sob controle da operadora, que pode utilizá-lo para aplicações financeiras de curto prazo. Isso gera receita adicional para a operadora, além das taxas cobradas dos estabelecimentos e empresas contratantes. O Banco Central, por exemplo, oferece aos investidores títulos públicos a 15% ao ano, uma das maiores taxas do mundo.
Com a mudança, as empresas de benefícios terão no máximo 15 dias para repassar o dinheiro correspondente às vendas com vales aos estabelecimentos. Hoje cada empresa estabelece seu prazo livremente, que pode demorar até 30 dias para chegar ao lojista, o que aumentava o custo financeiro da operação.
O decreto também estipula a interoperabilidade, ou seja, a possibilidade de que todos os cartões de empresas de benefícios sejam aceitos em qualquer “maquininha” que opera pagamentos de vale-refeição ou vale-alimentação. Em até 360 dias, qualquer cartão do programa deverá funcionar em qualquer maquininha de pagamento, com a implantação da interoperabilidade plena entre bandeiras.
As operadoras de vale atuam como emissoras, credenciadoras e processadoras, o que dificulta a entrada de novos concorrentes e mantém as taxas elevadas. Essa medida amplia a concorrência, com a liberdade de escolha de empresas, trabalhadores e estabelecimentos.
Pelo decreto, a tarifa de intercâmbio, cobrada pelas bandeiras a operadoras de benefícios, também terá um teto, de 2%, sendo vedada qualquer cobrança adicional. A tarifa de intercâmbio é uma taxa que as bandeiras (como Visa e Mastercard) cobram das operadoras de benefícios (como empresas de vale-refeição) para remunerar os emissores de cartões (bancos e fintechs). Essa tarifa é um componente da taxa cobrada dos estabelecimentos (MDR).
Dinheiro pelo caminho
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou à imprensa que o problema do PAT é que o dinheiro foi ficando pelo caminho. “Os recursos da iniciativa deveriam ser destinados ao trabalhador e chegar à ponta, representada por padarias, mercados e restaurantes, mas isso não vinha ocorrendo. Nós começamos a perceber que o dinheiro do PAT começou a ficar na intermediação.”
O ministro acrescentou que, além de não alcançar a ponta, o programa apresentava uma taxa de retorno muito elevada e um comportamento inadequado do ponto de vista legal. “É uma série de irregularidades, mas nós estamos querendo olhar para frente, por isso que foi fixado aquilo que a gente achava correto do ponto de vista de ganho, uma taxa mais civilizada.”
O presidente da Associação Brasileira de Supermercados (Abras), João Galassi, disse que, como a competição no setor varejista já é elevada, a redução das taxas não deve se traduzir em maior lucratividade, e sim ser repassada ao consumidor final. “Temos certeza de que haverá uma transferência de mais de R$ 10 bilhões que ficam nessa (taxa de) intermediação para milhões de estabelecimentos em todo o país. Todos vão poder compartilhar isso com os consumidores no dia a dia dos seus negócios.”
O PAT é uma antiga política pública do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e completará 50 anos em 2026. Atualmente, o programa conta com uma rede de 800 mil restaurantes e supermercados credenciados, alcançando 22,1 milhões de trabalhadores em todo o país.
