Walter Morales Aragão – Prof. universitário, doutor em planejamento urbano e regional
“Um alaúde, uma telenovela, um trem.
Uma arara. É ao mesmo tempo bela e
banguela a Guanabara.”
VELOSO, Caetano. In: O estrangeiro.
1. Abordagem a partir de uma teoria das elites. Variantes no saber proletário: “brasa pouca, minha sardinha primeiro”; “a corda rebenta no lado mais fraco”; “quem pode mais, chora menos”.
Brasil, século XXI. Um dos chamados “países-baleia”, os de grande população, território e recursos. Quinta maior população e quinto maior território do mundo. Uma das dez maiores economias. Detentor da maior extensão de área agricultável do planeta.
Cenário: 1ª agudização recente da crise capitalista iniciada nos anos 60 do século XX – no ano de 2007, quando dois milhões de estadunidenses perdem suas casas no estouro da bolha especulativa com hipotecas e, em poucas semanas, os bancos centrais europeus e dos EUA se obrigam a injetar cerca de quatro trilhões de dólares de dinheiro público para resgatar o mercado falido. Corrida a ativos seguros: terras agrícolas e estoques alimentares disparam, exportações de grãos são proibidas em diversos países – é a Guerra da Comida, de 2008, estopim das revoltas iniciais da Primavera Árabe. Agitações populares contra a carestia no Paquistão, Vietnã, Egito, Haiti, Argélia e Madagascar. Nesta ilha a Hiunday adquire dois milhões de hectares para produção de biocombustíveis. Bancos alemães e companhias chinesas compram logo 80 milhões de hectares, obrigando Uruguai, Bolívia, Paraguai e países africanos a legislar sobre aquisições por estrangeiros.
O governo brasileiro, nucleado no PT, protege o país e a população da fúria externa. Ativa um pacote de medidas anti-ciclícas, usando reservas e órgãos estatais – se fossem privados seriam inúteis, em princípio, para tal finalidade. A AGU e o Incra reforçam o controle sobre aquisição de terras por estrangeiros. A Petrobrás segura os preços do gás de cozinha e dos combustíveis por quase quatro anos. São mantidos os programas de renda mínima, mantendo a demanda interna aquecida. Os agricultores familiares e assentamentos ganham estímulo para a produção de alimentos ao mercado interno. Os efeitos deste pico da crise são atenuados.
Cenário: 2ª agudização recente da crise capitalista – A guerra econômica a partir de 2011. Bombardeios ilegais da OTAN na Líbia, que possuía o melhor padrão de vida da África, com a expulsão de firmas chinesas e brasileiras. Os EUA intervém na economia mundial, rebaixando artificialmente o preço do petróleo. Ampliam a produção interna, flexibilizando a legislação ambiental. Exigem super-produções de suas aliadas monarquias absolutistas do Golfo – Arábia Saudita, Emirados A. Unidos, Kuwait – para prejudicar o Irã, a Venezuela e a Rússia. Promovem grandes manobras militares na Europa e no Mar do Sul da China, até às vésperas da Olimpíada do Rio, com vistas a obrigar Rússia e China a aumentar os gastos com defesa. Golpe “colorido” na Ucrânia – inclusive o Brasil perdeu aí uma parceria em foguete de satélite com a Ucrânia, num prejuízo de meio bilhão de reais. Diversas sanções econômicas sob variados pretextos: cartões Visa e Master foram proibidos aos russos depois do plebiscito e da reintegração da Criméia.
Manobra radical no Brasil atual: Pesquisa Datafolha do início de 2016 dispara o alarme das elites dominantes: Lula continua favorito a 2018, mesmo sob todo o massacre midiático-jurídico seletivo. EUA espionam Dilma, Petrobras e outras instâncias no Brasil. Repassam informações a interlocutores seus de diversos órgãos no Brasil, numa grande entrega de provas ilícitas. Já no governo Clinton a CIA espionara concorrentes europeus e brasileiros em licitações de radares: o capitalismo monopolista global odeia concorrência – isto fica para discursos e botecos periféricos. A grande burguesia e o rentismo decidem rasgar a CF 1988 em seus princípios de soberania popular através do cidadão-eleitor. Apegam-se, descabidamente, a itens secundários formalmente previstos. Seria como decidir pela invasão agora da Venezuela ou do Uruguai, alegando que a declaração de guerra pelo Senado está prevista na CF.
Do ângulo das elites dominantes o golpe de 2016 é um gesto heróico de salvação do capitalismo nativo, recolocando em seu “devido lugar” os trabalhadores assalariados e suas parcelas da população aliadas – indígenas, populações tradicionais, agricultores familiares – os quais, irracionalmente ao ver dos dominantes, encontravam-se praticando uma cidadania inaceitável. Analogia clássica: o mito grego do “Leito de Procusto” – assaltante que ajustava suas vítimas a uma cama de ferro, cortando-as ou espichando-as. Adequadamente parte do ciclo do herói Teseu, mais preocupado com o labirinto da queda dos lucros do que com o Minotauro popular.
2. Ângulo soviético: se o impedimento da presidente eleita confirmar-se, de um ângulo etapista histórico o Brasil terá um passo positivo – as massas ficarão mais críticas à validade da democracia burguesa. O golpe dirá mais sobre a ditadura de classe instalada na economia e no Estado brasileiro do que qualquer curso de formação política. Talvez haja festa na Coreia do Norte: “Não dissemos a vocês que eleições sob o capitalismo são um teatro ruim, que rasgam a bel-prazer? Ditadura de classe por ditadura de classe, busquem uma comprometida com a maioria da sociedade. Será uma democracia mais realista do que esta aí.”
3. Tempos nebulosos: Karl Marx, no artigo ” O 18 brumário de Luís Bonaparte”, estuda o golpe de Estado na França do século XIX, quando o presidente (não o vice, como aqui e agora) rasgou a constituição republicana e proclamou-se imperador. No texto, satiriza o pânico do pequeno burguês típico ante as mobilizações sociais e as manobras parlamentares aparentemente incompreensíveis. Ansiedade que terminaria clamando, num apelo sintético e patético, pelo descarte da frágil democracia liberal em troca de sossego (para os negócios): “Mais vale um fim com terror, do que este terror sem fim!”.
Veremos que novas estações produzirá este nosso 2016 brumário.