Sem unanimidade, projeto do Cais Mauá avança na Prefeitura

Foram 24 votos favoráveis ao empreendimento, dois contrários e uma abstenção / NH

Naira Hofmeister
Em uma sessão tensa e mais longa do que de costume, o Conselho do Plano Diretor de Porto Alegre aprovou, na noite de terça-feira, 1º de novembro, o Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) da revitalização do Cais Mauá. Foram 24 votos a favor, dois contrários e uma abstenção.
O projeto segue agora para a homologação do prefeito José Fortunati e deve receber imediatamente a Licença Prévia (LP). A etapa seguinte, de aprovação do projeto executivo e consequente liberação da Licença de Instalação (LI) – que permite o início efetivo das obras – será feita separadamente para cada uma das fases previstas: primeiro, o restauro dos armazéns, cujo projeto está pronto e licenciado desde 2013; depois as torres que serão erguidas nas docas e por fim o shopping, entre os armazéns e a Usina do Gasômetro.
Apesar de contar com maioria para aprovação, o relator do projeto no conselho, Sérgio Korem, representante do Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Estado (Sinduscon-RS), precisou emendar seu parecer, favorável ao empreendimento.
Assim, acrescentou sugestões elaboradas por um grupo de conselheiros simpáticos ao projeto, mas que propõem melhorias na sua execução – entre elas, o rebaixamento da avenida João Goulart, sobre a qual seria criada uma grande esplanada verde, conforme constava no projeto original.
Essas 11 observações não possuem caráter obrigatório, ou seja, Prefeitura e empreendedor podem ou não acatá-las na hora da execução do projeto.
Apesar da tentativa de equacionar as críticas ao projeto com a pressão para que a aprovação ocorresse rapidamente (o projeto tramitava há um mês no conselho), Korem acabou desconsiderando dois pareceres que se opunham à aprovação do EVU: um elaborado pelos delegados da Região 1 de Planejamento (RP1) –  que engloba 19 bairros na área central de Porto Alegre, entre eles, o Centro Histórico, onde será feito o empreendimento – e outro da conselheira da Ufrgs, Lívia Piccinini, professora do curso de pós graduação em Planejamento Urbano e Habitação Social da instituição.
“Estamos falando de ilegalidades, esse conselho será responsabilizado por autorizar essa intervenção da forma como está”, condenou a urbanista que, ao final da reunião, dirigiu-se ao secretário de Urbanismo (Smurb), José Luiz Cogo, com lágrimas nos olhos para expor sua contrariedade em particular.
Dúvidas repetem questionamentos antigos

Pedido de esclarecimento da conselheira Lívia Piccinini, urbanista da Ufrgs, foi rejeitado pela maioria
Pedido de esclarecimento da conselheira Lívia Piccinini, urbanista da Ufrgs, foi rejeitado pela maioria

As dúvidas da conselheira Lívia Piccinini recaíam sobre dois aspectos questionados inúmeras vezes durante as audiências públicas do projeto e em outros eventos de debate da iniciativa: a validade dos índices construtivos do empreendimento e a responsabilização do município por autorizar a construção em área inundável. “Não me parece que as explicações dadas até hoje são satisfatórias. Essas questões precisam ser melhor esclarecidas”, defendeu a urbanista.
Para isso, sugeriu que o Conselho do Plano Diretor solicitasse diligências à Procuradoria Geral do Município (PGM). O conselheiro indicado pelo Gabinete do Prefeito, Giovani Carminatti, que também preside a Comissão de Análise Urbanística e Gerenciamento (Cauge), órgão avalista de projetos do Executivo que já havia aprovado o EVU antes do Conselho do Plano Diretor, contrapôs a colega.
Para ele, a consulta era desnecessária, uma vez que a PGM integra a Cauge. “Se a PGM assinou o parecer da Cauge aprovando o projeto, concorda com tudo o que envolve a tramitação”, observou.
A discussão esquentou com troca de farpas e a sugestão de que os integrantes do colegiado poderiam responder em caso de um eventual acidente na área. “A responsabilidade é dos técnicos da Prefeitura que aprovaram o EVU. Eles jamais cometeriam qualquer ilegalidade”, assegurou Carminatti.
A proposta de Lívia foi colocada em votação e recusada pelo pleno. Para o relator Sérgio Korem, como a conselheira propunha ou desaprovar o EVU ou pedir diligências à PGM, sem formular sugestões de emenda ao seu parecer, as observações da urbanista foram desconsideradas.
Moradores do centro pedem supressão do shopping
Daniel Nichele pediu limitação nas alturas de espigões e mudanças no shopping
Daniel Nichele pediu limitação nas alturas de espigões e mudanças no shopping

O segundo texto crítico ao projeto foi lido pelo conselheiro da RP1, Daniel Nichele. Pessoalmente, Nichele não se opõe ao empreendimento, porém sustentou o posicionamento dos delegados da região, eleitos pelos moradores dos bairros compreendidos na área.
O parecer condenou a excessiva altura dos edifícios comerciais, que terão o dobro da metragem máxima permitida na cidade, a falta de planejamento para o entorno do empreendimento, salientando a retirada do rebaixamento da João Goulart do projeto ao longo de sua tramitação, e a construção de um shopping center às margens do Guaíba em área tombada pelo patrimônio histórico.
“Entendemos que é necessário ou retirar essa construção do projeto ou alterar o seu local”, escreveram os delegados.
O texto registrou ainda a insegurança provocada pela falta de comprovação de capacidade de investimento por parte do consórcio. A Cais Mauá do Brasil S.A é acusada pelo Ministério Público de Contas (MPC) de não cumprir cláusulas contratuais referentes as garantias financeiras para a obra e está sendo processada por fornecedores que sofreram calote nos pagamentos da empresa.
Sérgio Korem não incluiu as observações em seu parecer porque a assinatura de Daniel Nichele constava no manifesto entregue pelos demais conselheiros e, esse sim, anexado ao seu texto.
“Eles incluíram lá porque participei das reuniões que deram origem ao documento. Mas eu gostaria de ir além do que propuseram”, contrapôs o representante da RP1, que votou contrariamente ao parecer de Korem.
Delegada tem a palavra cassada pelo jurídico
Apesar do desencontro entre as manifestações de Nichele e Korem, os conselheiros não levaram adiante o debate. Entretanto, a delegada da RP1 Ana Lucas provocou grande discussão quando se levantou da plateia, onde estava sentada, para criticar a postura do Conselho do Plano Diretor.
“Quem vai pagar a água e a luz do empreendimento serão os portoalegrenses, porque será necessário construir mais subestações para abastecer o Cais Mauá”, provocou.
Houve um princípio de tumulto. A maioria dos conselheiros não gostou do puxão de orelha e pediu que ela se calasse. “Solicito ao conselheiro Daniel Nichele que controle a sua delegada”, disse ao microfone o vice-presidente da mesa, José Euclésio dos Santos, titular da Associação Gaúcha dos Advogados de Direito Imobiliário Empresarial, que no momento comandava os trabalhos.
Ana se enfureceu: “Agora mesmo é que eu vou falar”!
Ela própria foi conselheira do Plano Diretor em gestões anteriores e reclamava mais tempo para o debate sobre o projeto. “Nós tivemos apenas uma hora e meia para avaliar esse projeto”, condenou.
Apesar do apelo de Nichele para que fosse dado à delegada direito de manifestação, um advogado designado pelo departamento jurídico da Smurb para acompanhar a reunião foi taxativo. Não era possível pedir a palavra após o início da sessão.
“O regimento diz que todo o cidadão tem direito a manifestação desde que solicitada com antecedência. Não houve inscrição prévia, portanto, não há possibilidade de acatar a proposta”, resumiu o advogado.
Houve um mal-estar. Parte dos conselheiros queria ouvir o que a delegada tinha a dizer, mas venceu a formalidade e Ana não pode falar. “Estou muito chateada. É um desrespeito e uma falta de democracia”, desabafou, ao retirar-se da sala.
Outros apelos também foram desconsiderados
Três manifestações, solicitadas regularmente à mesa antes da abertura dos trabalhos, foram aprovadas pelo pleno. Assim como fez na sessão da semana passada, o vice-presidente gaúcho do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS), Rafael Passos, teceu considerações sobre o projeto feitas pela entidade.
Além de reiterar problemas na tramitação – a falta de um parecer da Superintendência de Portos e Hidrovias sobre o empreendimento, por exemplo – o arquiteto colocou sob suspeição o relato de Sérgio Korem.
“Quando veio apresentar o projeto a este conselho, o representante do consórcio referiu ter feito reunião com o Sinduscon para garantir que a mão de obra no empreendimento seria local, feita por empresas gaúchas. Isso é louvável, mas nos causa estranheza que o relator não tenha solicitado impedimento para avaliar o processo, uma vez que representa o Sinduscon neste colegiado”, observou, para em seguida concluir:
“Tal fato não obedece aos princípios da moralidade e da impessoalidade que deveriam reger a administração pública”.
Já a vereadora Sofia Cavedon (PT) relatou aos conselheiros que a Câmara Municipal recebeu a visita de representantes do grupamento de buscas e salvamento do Corpo de Bombeiros de Porto Alegre na semana passada. “Para quem não sabe, a sede desse grupo é no Cais Mauá e no edital de concessão prevê a construção e realocação de sede para eles, assim como para a SHP e a Anvisa, que também ocupam áreas do cais”, iniciou.
Segundo Sofia, já foram consideradas inúmeras alternativas de novas sedes para os órgãos, porém “não há solução até o momento”. “Esse grupo de bombeiros é responsável por todos os salvamentos no Guaíba, pela segurança das ilhas, do bairro Arquipélago e do Centro Histórico. Este conselho precisa exigir uma solução antes de aprovar o EVU”, rogou.
Para responder a todos os questionamentos, foi escalado o titular do Gabinete de Desenvolvimento e Assuntos Especiais (Gades), Edemar Tutikian, que desconstituiu o IAB-RS (“sempre foi contra e vai continuar sendo, lamentavelmente”), garantiu que os técnicos da Prefeitura fizeram um trabalho sério e que a lei dos índices construtivos está válida apesar de ter um artigo que determina validade até 31 de dezembro de 2012.
“Nem eu, nem o prefeito Fortunati, nem o presidente da Cauge estaríamos defendendo se fosse uma ilegalidade. Se dizemos que tem validade é porque a procuradoria já se manifestou neste sentido”, sustentou.
Tutikian também revelou que já corre no Ministério Público questionamentos sobre esta matéria. “No dia em que os procuradores se manifestarem dizendo que não é válida, vamos aceitar”, provocou.
Após a reunião, Tutikian e o vereador Valter Nagelstein, que trabalham juntos em prol do projeto “desde o tempo da Caixa RS”, ainda no governo de Germano Rigotto (PMDB, 2003-2006), comemoraram a aprovação.
“Estou muito satisfeito”, se limitou a dizer Nagelstein que foi secretário de Urbanismo da Capital até meados deste ano e chegou a solicitar mudanças no projeto, que acabaram não atendidas.
“O conselho agiu com profissionalismo e competência”, completou o secretário Tutikian.

2 comentários em “Sem unanimidade, projeto do Cais Mauá avança na Prefeitura”

  1. Somente um processo por aprovarem um Projeto que fere seis leis e inclusive o PDDUA de Porto Alegre é o que merecem aqueles que aprovaram este EVU.
    As entidades devem pegar uma relação dos que aprovaram tal Projeto e em ação pública levar o caso á Justiça por perdas e danos ao Município e a pessoas.
    Os Conselhos devem se ater as Leis e não á causas políticas como vem ocorrendo. Um CONSELHEIRO é responsável pelos seus atos mesmo que pensem o contrário, pois ninguém é induzido a fazer algo ilegal sendo então responsável criminalmente e financeiramente por suas atitudes.

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