Naira Hofmeister
Plantas e desenhos ilustrativos de como ficarão os armazéns tombados do cais do porto caso o projeto de revitalização do Cais Mauá realmente saia do papel foram apresentados pela primeira vez em público na última terça-feira, 4 de outubro, durante reunião do Conselho do Plano Diretor de Porto Alegre.
O projeto está pronto desde 2013, porém, segundo o diretor de Operações do consórcio vencedor da licitação de exploração da área, Sergio José de Lima, não havia sido tornado público ainda por questões estratégicas. “Apresentamos nossos materiais à medida que consideramos interessante. Neste momento, estamos mostrando para os conselheiros esta parte do projeto. Mas a totalidade ainda não foi tornada pública, temos estudos mais atualizados”, revelou.
De acordo com o projeto, a área dos armazéns, que outrora serviam como depósito para cargas e descargas feitas no porto da Capital, será transformada em um centro comercial horizontal.
Tratando-se de patrimônio tombado, foi preciso especial cuidado na adequação do espaço. “O grande desafio foi pensar a infraestrutura: instalar redes de luz, água, esgoto, condicionamento térmico sem intervir na construção”, observou o arquiteto Rodrigo Poltosi, que trabalha para o escritório de Jaime Lerner, criador do projeto.
O conjunto atual é composto por 12 armazéns. Dois são protegidos pela União (A e B, que ladeiam o Pórtico Central) e serão restaurados e entregues à prefeitura de Porto Alegre para que desenvolva no local atividades culturais e artísticas. Outros nove são reconhecidos como patrimônio no âmbito municipal, e após as obras serão ocupados por atividades comerciais como lojas, bares, restaurantes e quiosques.
O Armazém A7, que não é tombado, deve ser derrubado para permitir a construção do shopping center que se estenderá até a lateral da Usina do Gasômetro. Um projeto de lei que tramita na Câmara de Vereadores quer estender a proteção também a este imóvel, que embora seja bem mais recente que o restante do conjunto, contribuiu para a formação da paisagem emblemática da cidade.
Lojas de um lado, praça de alimentação do outro
Excluindo os armazéns centrais e o A7 que pode deixar de existir, serão ocupados pelo comércio nove conjuntos de galpões: seis em direção à Usina (A1 a A6) e os outros três (B1, B2 e B3), até a altura do Mercado Público.
Embora semelhantes, os armazéns não são exatamente iguais internamente e, por isso, serão destinados a atividades que valorizem seu desenho interno. “Procuramos deixar a estrutura aparente, tendo cuidado de não intervir no patrimônio histórico. A única construção nova será um bloco solto, no meio de cada armazém, onde serão instalados banheiros e uma área de apoio”, explicou o arquiteto Rodrigo Poltosi.
Como já possuem corredores internos junto aos portões de metal em ambos os lados, os armazéns da linha “A” abrigarão lojas voltadas para a rua – tanto para o lado do Guaíba como do muro da Mauá.
Os corredores serão mantidos e servirão de passeio para proteger pedestres das intempéries do tempo e as lojas terão fachadas internas voltadas para estes espaços de cirulação e visíveis desde a rua.
Já os armazéns B1 e B2 receberão praças de alimentação e pequenas lojas ou quiosques de serviços como lotérias, agência dos Correios ou chaveiros, por exemplo. Ao contrario dos armazéns “A”, os do tipo “B” serão voltados para dentro, com circulação central e não periférica como no caso anterior. O armazém B3 deverá permanecer como terminal hidroviário, onde hoje opera o Catamarã.
Na área externa, 10 praças ou largos para lazer
A área externa aos armazéns também será reformada. Os paralelepípedos, que integram o conjunto histórico protegido, serão totalmente retirados durante a obra. “Será preciso corrigir as imperfeições que há no piso, para drenar a água e facilitar a caminhada”, justificou Poltosi.
Eles voltarão ao seu lugar original, mas haverá nova pavimentação também: por um lado, será criada uma faixa com piso liso para garantir a circulação de cadeirantes na área entre os armazéns e o Guaíba e mesmo o piso histórico sofrerá intervenção paisagística. Os paralelepípedos serão mesclados com grama em um “degradê” que termina em uma faixa verde rente às construções, onde arbustos e pequenos jardins servirão “para amenizar a ambiência industrial do porto”, segundo o arquiteto.
O espaço junto ao muro da Mauá será destinado a estacionamento de automóveis – parte das mais de 5 mil vagas para carros prevista no empreendimento.
Entre os conjuntos de armazéns serão criadas 10 praças destinadas à contemplação da natureza e à prática de esportes. A maior delas receberá o nome do poeta Mario Quintana e terá cerca de 100 m² de espaço livre. Grande parte desses largos poderá ser vista desde o centro da cidade, já que serão abertas novas comportas no muro da Mauá para ampliar o contato visual com o rio mesmo para quem estiver fora do complexo.
O muro da Mauá realmente será coberto por uma cortina d’água cuja preocupação dos arquitetos é que tenha “um efeito de cascata e não de chuveirinho”. Para projetar o sistema, foi contratada uma empresa portuguesa que, segundo Poltosi, é “expert mundial em fontes”.
Licença para obras já foi emitida
A restauração dos armazéns é a única parte do complexo Cais Mauá que já possui detalhamento arquitetônico e inclusive projeto executivo. Os estudos foram feitos em 2013 e permitiram ao consórcio obter licença para demolição de alguns edifícios dentro do Cais – os chamados puxadinhos, construções recentes que abrigavam refeitório, pequenas oficinas e estações de energia interna, por exemplo – e uma licença para início das obras de restauro.
“Só estamos esperando o licenciamento ambiental para começar”, explicou aos conselheiros do Plano Diretor a arquiteta do consórcio Cais Mauá, Marina Manfro.
Mas na Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Smam), não há certeza se será preciso licenciar essa etapa da revitalização do Cais da mesma maneira que as demais, uma vez que os armazéns já estão instalados, e não envolvem novas construções.
A Smam emite três tipos de licença: a prévia (LP), de instalação (LI) e de operação (LO). A LP é consequência imediata da aprovação do Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU), fase em que se encontra atualmente o projeto de revitalização do Cais Mauá. A LP não permite ao empreendedor iniciar as obras.
A prefeitura já aprovou o EVU do Cais Mauá em um pacotão que incluiu também o Pontal do Estaleiro e até os edifícios do complexo Beira-Rio, às vésperas do primeiro turno das eleições municipais.
Esses EVUs precisam agora ser homologados pelo Conselho do Plano Diretor. O do Cais Mauá já ganhou relator, é o representante do Sindicato das Indústrias da Construção Civil (Sinduscon), que prometeu o parecer para a reunião da próxima semana. O conselheiro da RP1 (Região do Planejamento que inclui o centro histórico da cidade), Daniel Nichele, já avisou que pedirá vistas: “Vamos debater com todos os delegados da região esse projeto, em uma ou até duas reuniões”, esclareceu.
De toda forma, um acordo sugere que não se extrapole o período de quatro semanas nessa tramitação, ou seja, o EVU do Cais Mauá poderá estar aprovado antes do fim do mês.
Patrimônio restaurado antes de 2019
O passo seguinte é aprovar os projetos executivos, condição fundamental para receber a Licença de Instalação (LI) – essa sim, permitiria o início das obras no local. Entretanto, há um entendimento dos técnicos da Secretaria de Urbanismo (Smurb), de que é preciso uma análise mais aprofundada das novas construções previstas no projeto (shopping center e três torres comerciais); por enquanto, só foram apresentados desenhos conceituais das edificações, o que é considerado insuficiente.
Ou seja, há um acordo de que a aprovação do EVU em questão tem como objetivo acelerar o início das obras nos armazéns. O shopping e os espigões passarão por todo o processo novamente, e serão analisados com lupa. Dessa forma, as LIs serão dadas separadamente por área para a região do Gasômetro e das Docas.
Caso tudo saia como planejado e o EVU do Cais seja mesmo aprovado nas próximas semanas, o consórcio poderia dar início ao restauro dos armazéns ainda este ano.Como a previsão dos arquitetos é que as obras desta primeira fase do empreendimento demorem de 18 a 24 meses, Porto Alegre poderia ter um dos seus principais cartões postais renovados para o início de 2019.
Cais Mauá: projeto de restauro dos armazéns está pronto desde 2013

O arquiteto Rodrigo Poltosi durante apresentação do projeto ao Conselho do Plano Diretor