Naira Hofmeister
A reunião do Conselho do Plano Diretor de Porto Alegre desta terça-feira, 1º de novembro, será a quinta consecutiva em que o projeto de revitalização do Cais Mauá está na pauta do colegiado, que analisa o Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) do empreendimento, um dos últimos passos antes da emissão das licenças para obras.
Três semanas depois de pedirem vistas ao processo – que já possui parecer favorável do relator, Sérgio Korem, indicado pelo Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Estado (Sinduscon-RS) – os conselheiros Daniel Nichele (RP1) e Lívia Piccinini (Ufrgs), deverão emitir suas opiniões sobre a intervenção. “Nunca na história do CMDUA ocorreu uma vista conjunta tão transparente e analisada”, defende Nichele, que se reuniu inúmeras vezes com seus colegas e com os delegados da RP1 para refletir sobre a proposta.
O conselheiro não adianta sua decisão, que só será conhecida a partir das 18h na sede da Secretaria de Urbanismo.
Na última terça-feira, 25 de outubro, Nichele e seus companheiros de colegiado ouviram as manifestações da Agapan e do IAB-RS, contrárias ao modelo de revitalização proposto, que inclui a exploração comercial da área através de um shopping center (ao lado da Usina do Gasômetro) e três torres com escritórios e hotel cuja altura é o dobro do máximo permitido na cidade – permissões dadas através de uma lei específica para o empreendimento, questionada pelas entidades.
“O artigo 17 é bastante claro ao determinar o prazo de validade para o regime urbanístico estabelecido, assegurado a “investidores que licenciaram e iniciarem suas obras” até 31 de dezembro de 2012. O parágrafo único deste artigo, por sua vez, demandava ao Executivo Municipal o envio de projeto de lei que estabelecesse os critérios de atualização da lei, o que não ocorreu. Qualquer outra interpretação sobre o prazo previsto nesta lei não encontra fundamento ou precedente. Fosse o caso de utilizar outros marcos do processo de licenciamento, teriam seus autores procedido como em outras Leis que concederam Regime Urbanístico diferenciado por tempo determinado”, defendeu o vice-presidente do IAB-RS, arquiteto Rafael Passos.
Já o advogado Caio Lustosa, que falou em nome da Agapan, explicou que a entidade considera ilegal a aprovação de regime urbanístico para a área, que é inundável e esteve sob risco de cheia recentemente: “Está em conflito com a lei da defesa civil federal, que impede edificações em área alagáveis; com o Código Estadual do Meio Ambiente, que impede o parcelamento do solo nesses casos; com a Lei Orgânica do município. O artigo 45 do Plano Diretor expressa que as alterações no plano não podem gerar riscos às áreas consolidadas, sendo que se houver tragédia com mortos e feridos, o Tribunal de Justiça tem sustentado que cabe a responsabilidade a quem direta ou indiretamente tenha participado do processo de aprovação”, salientou.
Tensão e bate-boca com autoridades
Desde que entrou na pauta do Conselho do Plano Diretor, o projeto concentrou as atenções no colegiado, que passou a receber frequentemente autoridades. O titular do Gabinete de Desenvolvimento e Assuntos Especiais da Prefeitura Municipal, Edemar Tutikian, e o ex-secretário de Urbanismo e atual vereador pelo PMDB Valter Nagelstein, dois entusiastas da iniciativa, não perderam um encontro.
A plateia também esteve repleta – na noite de apresentação do projeto, em 4 de outubro, houve inclusive relatos de pessoas barradas na porta de entrada da Smurb, sob o argumento de que a lotação estava esgotada, embora ainda houvessem cadeiras disponíveis e algumas pessoas em pé.
Essa presença de defensores e opositores do projeto na mesma sala rendeu embates e provocações. No final da reunião da semana passada, por exemplo, Tutikian argumentava com o vice-presidente do IAB-RS Rafael Passos e com a advogada e integrante do coletivo Cais Mauá de Todos Jacqueline Custódio, que pediam mais espaço para o debate do projeto. “O grupo de vocês só vaiou nas audiências públicas, impedindo o diálogo”, criticou o secretário.
Diante de questionamentos da dupla sobre a legalidade da tramitação, exclamou: “Não tem como discutir isso com quem é contra” e logo saiu.
Minutos antes, o ex-secretário de Urbanismo Valter Nagelstein atraiu as atenções ao discutir em tom elevado com outro integrante do coletivo, Silvio Jardim. A briga tinha origem em uma reunião anterior, promovida pela Região 1 do Planejamento, para debater o projeto na Câmara de Vereadores. Na ocasião, Nagelstein, que liderou a convocação aos cidadãos favoráveis ao projeto para que se fizessem presentes, transmitia ao vivo o debate pelas redes sociais quando Silvio o alertou que não o filmasse – pedido que foi ignorado pelo vereador, alegando tratar-se de uma reunião pública.
Ao reencontrar Silvio na reunião do Conselho do Plano Diretor, Nagelstein se alterou porque o militante reiterou que não havia autorizado o uso de sua imagem no vídeo, que ainda está disponível na página do vereador. Depois de um bate-boca entre os dois, Nagelstein afastou-se prometendo “resolver o assunto como homens” se o debate seguisse esquentando.
À reportagem o vereador disse ter se sentido “ameaçado” por Jardim, que, por sua vez, registrou um boletim de ocorrência narrando o fato à Polícia Civil.
Empreendedor foi pessoalmente ao Conselho
Outra figura notável que apareceu em duas reuniões do Conselho do Plano Diretor foi o diretor de Operação da Cais Mauá do Brasil S.A, Sergio José de Lima. Pouco afeito a exposições públicas, Lima apresentou pessoalmente o projeto de revitalização ao colegiado na noite de 4 de outubro.
“Nada nos fará desistir desse projeto que será o espaço mais importante da cidade. Mas para dar esse passo, dependemos de vocês, precisamos do apoio de vocês que compõem essa comissão para que possamos começar as obras”, rogou.
Sérgio Lima é representante do consórcio Cais Mauá do Brasil que desde 2012 pertence a uma gestora financeira chamada NSG, cuja sede fica na praia de Botafogo, no Rio de Janeiro. O ingresso da NSG no consórcio – que mantém apenas três das cinco empresas que venceram a licitação em 2010 – redundou num aumento de capital social, que passou de um milhão para quase 14 milhões em seis anos. Apesar disso, o consórcio se viu recentemente enredado em uma série de ações judiciais de cobrança por serviços contratados e nunca pagos, revelado com exclusividade pelo Jornal JÁ.
“Sou apenas o diretor de Operações da Cais Mauá, entendo da parte de engenharia, não da administração”, justificou, na ocasião, o fato de não saber informar sobre a condição financeira do consórcio naquele momento.
Projeto do Cais Mauá completa um mês no Conselho do Plano Diretor

Momentos de tensão pontuam as reuniões do Conselho