Naira Hofmeister
A análise do Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU) do projeto de revitalização do Cais Mauá tem dado trabalho extra aos conselheiros do Plano Diretor de Porto Alegre. O assunto é complexo – envolve as três esferas de poder, União, Estado e Município; é iniciativa aguardada há anos pela população da cidade e a mais recente investida, que está atualmente em debate, passou por governos integrados por partidos de todos os espectros ideológicos.
Não bastasse isso, o processo de concessão do porto à iniciativa privada tem gerado críticas da parcela da população e entidades contrárias à construção de edifícios com altura acima do padrão permitido na cidade, estacionamento para milhares de automóveis e um shopping center em área com patrimônio tombado.
Também há questionamentos do Tribunal de Contas do Estado e do Ministério Público de Contas, que mais de uma vez apontaram o não cumprimento de cláusulas contratuais por parte do consórcio vencedor da licitação. O procurador de Contas do Estado, Geraldo Da Camino, chegou a solicitar a suspensão do licenciamento para obras enquanto não houvesse confirmação de que o consórcio tem recursos financeiros para investir no empreendimento, que já trocou de mãos várias vezes desde que foi licitado.
Prefeitura Municipal e Governo do Estado rejeitam a tese e afirmam que as discrepâncias entre o que dizem a lei e o contrato e o que ocorre na realidade são fruto da conjuntura adversa: demora no licenciamento (que afasta investidores do negócio e fez expirar o prazo de validade dos índices construtivos sem que a obra iniciasse) ou equívocos de redação no contrato, como o que trocou a exigência de apresentação de projetos básicos por executivos nos meses subsequentes à assinatura entre as partes.
Embora a análise do CMDUA recaia exclusivamente sobre os aspectos técnicos do processo – se o empreendedor cumpre com o estabelecido nas regras construtivas da cidade e se o projeto prevê as compensações e adequações sugeridas pelas diversas secretarias municipais –, está difícil separar esses pontos de toda a polêmica que envolve a concessão.
“Não tem como não pesar; vai pesar. Mas no Conselho são analisadas questões urbanísticas, não entram esses pontos… Na hipótese de que o Conselho aprove, o TCE ainda pode embargar se não forem respondidas todas as questões”, esclarece o secretário de Urbanismo, José Luiz Cogo.
Uma rodinha que se se formou ao final da última reunião do Conselho do Plano Diretor em Porto Alegre, na terça-feira (18) demonstra essa preocupação:
“É patrimônio nosso”, levantou um conselheiro.
“A gente pode aprovar” – defendeu outro – “mesmo que o Tribunal de Contas paralise as obras depois”, completou.
“Os espanhóis vão vender a parte deles”, cogitou alguém.
“O problema é que aquele shopping tá horrível de feio”, argumentou uma quarta voz.
“Não cabe avaliar se é bonito ou não”, contestou mais outro. “É análise técnica”, completou.
Três reuniões em cinco dias
Para sanar dúvidas dos integrantes do Conselho, o representante da Região 1 do Planejamento (RP1), Daniel Nichelle, pediu vistas do processo. O relator da matéria no colegiado, representante do Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Estado (Sinduscon-RS), havia emitido parecer favorável à matéria.
A tramitação no Conselho é das últimas etapas antes do licenciamento e só precisa referendar a aprovação do EVU, que já foi feita pela Prefeitura. Vencida essa etapa, o empreendedor aprova os projetos executivos e recebe liberação para as obras.
“É um projeto realmente importante, que extrapola a nossa região e terá impacto na cidade como um todo. Estamos avaliando com muito cuidado”, revela Nichelle.
A dedicação tem sido intensa: apenas nesta semana, foram três reuniões extraordinárias exclusivamente para debater o projeto do Cais: uma aberta aos delegados da RP1, que teceram críticas e defenderam uma consulta popular sobre o projeto, e outras duas restritas aos conselheiros do Plano Diretor. Mais o tradicional encontro das terças-feiras, onde a matéria foi um dos principais assuntos.
A principal preocupação é com a animosidade entre defensores e detratores da proposta. “Há setores que não querem ouvir o contraditório”, lamentou o representante do Sindicato dos Corretores de Imóveis (Sindimóveis), Rogério Dal Molin.
Seu colega da RP7, Diaran Laone Camargo, foi mais longe e chamou os críticos do projeto de “feras”. Ao final da reunião, o conselheiro Diego Índio, que ocupa o assento que compete ao Orçamento Participativo (OP), disse que “eram sempre os mesmos” que pressionavam pela não execução da obra. “Inspirados pelo teu jornal”, referiu à repórter.
As críticas, que partem de entidades como o Instituto dos Arquitetos e vereadores, surtiram efeito. “Há aspectos de grande importância que devem ser considerados por este Conselho”, sugeriu Luiz Antonio Gomes, da RP6.
Ele mencionou que o fato de tramitar há muitos anos na Prefeitura pode ter gerado um “desgaste de contemporaneidade de alguns elementos”, uma provável referência às críticas sobre a construção de um shopping center às margens do Guaíba.
“Por mais que eu não concorde, ouvi muito mais descontentamentos do que contentamentos e isso deve ser levado em consideração. Temos que ver se não é a ponta que leva a outras questões desse projeto, que não é perfeito”, sugeriu aos colegas.
Decisão será consensual, avisa conselheiro
Para a próxima segunda-feira, véspera da reunião do CMDUA na qual se espera que Daniel Nichelle leia seu parecer sobre o projeto, o conselheiro convocou dois encontros. O primeiro, de tarde, reunirá novamente os conselheiros do plano para mais uma rodada de análise.
À noite, ele se encontra com os delegados da RP1 para entregar as respostas elaboradas pelo empreendedor aos questionamentos levantados. “Vou avisar a todos que entrarei com pedidos de diligências na terça”, antecipou.
Isso significa que o processo segue sem definição, coisa que, revela o conselheiro da RP1, será feita somente quando houver um consenso a respeito do processo dentro do CMDUA. “Temos opiniões muito próximas sobre pontos que geram dúvidas e as diligências que vou solicitar foram todas unânimes”, observa.
“A meu ver é um momento histórico do Conselho do Plano Diretor, de força e unidade entre os conselheiros”, concluiu.