Restauração Oligárquica e as Contradições da Retomada Neoliberal no Brasil Pós-Golpe

Marcelo Milan – Economista, professor de economia na UFRGS.

As classes dominantes no Brasil têm o golpismo inscrito em seu DNA. O mais recente golpe, em vias de se consolidar, mesmo ficando cabalmente comprovado que não houve nenhum crime de responsabilidade por parte da presidenta eleita que o legitime juridicamente, comporta muitos adjetivos que qualificam seus agentes imediatos e permitem diferenciá-lo de outros golpes do passado: clepto-parlamentar, manipulativo-midiático, iníquo-judiciário, farsesco-policialesco e pato-empresarial. A ruptura institucional ainda apresenta elementos mediatos de aumento do fanatismo religioso, fundado em novas denominações que combinam ascetismo e comércio, remetendo diretamente às trevas da Idade Média da intolerância e da venda de indulgências. O assincronismo se reflete também na semelhança entre a burguesia nativa com o papel dos barões ladrões do século XIX nos EUA. Cabe também lembrar a influência do nacionalismo de corte protofascista de segmentos das classes médias que, na ausência de massa encefálica suficiente, insistem em querer pensar utilizando o fígado. O golpe representa a manifestação deste autoritarismo atávico, suprimido apenas durante curtos intervalos quando foram permitidas, pela mobilização popular, farsas eleitoreiras com resquícios distantes de democracia. Todas as manifestações características do atraso político, social e cultural mais primitivo, gestadas por séculos aqui e alhures, ressurgem unificados na atual conjuntura política nacional (embora, de formas aparentemente diferentes, cada vez mais também nos países de maior tradição eleitoral).

Emprega-se neste artigo, como tentativa de síntese desse processo, o termo restauração oligárquica, como oposto à renovação democrática restrita que, por ser restrita, nunca avançou de forma a alcançar sua plenitude, e que precisa ser renovada de tempos em tempos, na forma justamente de interrupções da dominação oligárquica. A presente “pausa democrática” é, assim, um eufemismo para a restauração oligárquica, que tem sido a norma e não a exceção no Brasil e na América Latina. Os curtos períodos em que há respeito às eleições e ao veredito das urnas são, na verdade, “pausas autoritárias”. A oligarquia golpista apresenta marcadas diferenças setoriais e de interesses econômicos, envolvendo estamentos burocráticos do Estado e elites econômicas do setor privado. Contudo, o golpe demonstra uma unidade de propósito destes setores. E este objetivo tem sido uma característica constante no conflito estrutural entre capitalismo e democracia, no Brasil e no mundo (como mostram recentemente os casos da Grécia e de Portugal): destruir ou tornar irrelevantes os mecanismos de participação popular na vida política, por um lado, e ampliar a dominação dos canais de representação dos interesses pecuniários da minoria no Estado. É claro que este propósito não é um fim em si, mas um meio para amealhar o máximo possível da riqueza nacional e impedir que essa possa ser compartilhada por todos aqueles que contribuem para sua produção e por aqueles impedidos por diversas razões.

Um outro elemento importante, mas não discutido nesse texto para não complexificar em demasia a discussão, é o papel do capital e do poder político internacional no presente golpe, outra característica permanente das relações entre economias subdesenvolvidas e as economias de elevada renda per capita com objetivos geopolíticos agressivos. A estratégia de tomada de poder sem apelo, ainda, à violência estrutural aberta, exige um trabalho por dentro das instituições políticas, jurídicas e midiáticas que requer uma inteligência estratégica dificilmente disponível entre os segmentos golpistas imediatos. Uma rápida observação do ministério interino é evidência mais que suficiente. Por fim, o termo oligarquia capta melhor a composição destes segmentos do que a expressão “plutonomia”, cunhada pelo Citibank em dois memorandos internos vazados para denominar os donos do poder político e econômico. Ou seja, a plutonomia presume um grau de sofisticação ausente entre o golpismo local.

Para além da dinâmica política, o golpe não pode ser entendido sem sua dimensão econômica. Todas as forças políticas derrotadas nas últimas eleições, proporcionadas pelo mais recente interstício eleitoral, voltaram ao governo pela porta dos fundos do golpe, desta vez para aplicar um programa econômico que envolve a retomada neoliberal que, por força do fracasso político das hostes golpistas, não tem nem teria respaldo eleitoral. E as derrotas eleitorais são explicadas em parte pela própria memória popular dos efeitos da aplicação do programa econômico neoliberal nos anos 1990 e início dos anos 2000. O neoliberalismo aberto das forças conservadoras derrotadas, agora reunidas no golpe, foi brevemente interrompido pelo social liberalismo da coalizão política que se fragmentou e acelerou a restauração oligárquica. Mas no que consiste esse programa econômico de retomada neoliberal? Ele possui três grandes vetores estruturais, além de medidas mais conjunturais, voltadas a reestruturar o capitalismo brasileiro por meio do aumento da lucratividade do capital: modificação no papel do Estado na economia, mudança na relação capital-trabalho e mudança na forma de inserção da economia brasileira na economia mundial. Todos estes elementos representam uma volta ao período pré-1930, se estendendo ao período colonial, reforçando a existência de uma restauração oligárquica.

Com relação ao primeiro vetor, embora muitas vezes se associe o neoliberalismo com um Estado mínimo, na verdade ele representa uma mudança no papel do Estado para reforçar mecanismos competitivos em toda a sociedade. Isso pode exigir inclusive um Estado forte e mesmo autoritário. Por exemplo, o economista estadunidense Paul Samuelson se referia ao regime de Pinochet como ‘fascismo de mercado’. No caso brasileiro, fica clara a reorientação pretendida: retirar o Estado dos setores tradicionais de educação, saúde e previdência e transferência destes serviços para instituições privadas voltadas para o lucro, ampliando o espaço de valorização do capital. Outras atividades devem ser esvaziadas gradualmente, até se tornarem irrelevantes, como no caso da cultura, da ciência e da tecnologia (incompatível com o fundamentalismo religioso de cunho comercial que respalda o golpe), das políticas fundiárias para a agricultura familiar e das políticas de direitos mínimos às minorias. Além das privatizações de empresas e dos bancos estatais, serviços de segurança pública, inclusive o serviço prisional, devem ser transformadas crescentemente em atividades lucrativas. A principal mudança que compõe este primeiro vetor é o congelamento do orçamento federal por 20 anos (o chamado nominalismo) para as despesas com bens e serviços e liberdade para expansão do orçamento para os juros e as amortizações da dívida pública. Assim, a proposta de desvinculação dos gastos da arrecadação, liberando 30% das receitas para uso livre pelo governo golpista, representará redução no montante gasto com serviços públicos em saúde, educação e previdência e disponibilidade para transferências para o serviço da dívida, por exemplo. Com a consolidação do golpe, impostos mais regressivos deverão ser majorados.

Ainda com relação ao primeiro vetor estrutural, há também medidas de caráter conjuntural, como a aprovação de um elevado déficit orçamentário (excesso de gastos sobre receitas) para 2016. Esse déficit deve ser empregado como justificativa para cortes progressivos em programas sociais, como o Minha Casa Minha Vida, e para acelerar a reforma da previdência. Por outro lado, em uma economia em recessão o déficit é uma medida que minimiza a queda na atividade econômica e evita um aprofundamento da crise, dando algum fôlego econômico ao golpe. Dentro das forças políticas que apoiam a ruptura eleitoral, há também uma outra explicação para a ampliação do déficit. Discute-se muitas vezes a necessidade de coordenação entre a política monetária, que compreende a determinação da taxa básica de juros, o gerenciamento da liquidez e as condições de expansão do crédito e de evolução da taxa de câmbio, e a política fiscal, que compreende a definição dos gastos do governo, incluindo transferências, e as principais fontes de arrecadação. A diferença entre as duas se traduz, em parte, pela evolução da dívida pública, cuja taxa de expansão depende também da taxa de juros definida pelo Banco Central. Se há uma política de contenção de despesas e o Banco Central eleva a taxa de juros, exigindo maiores desembolsos financeiros pelo governo, então a contenção inicial de gastos (em geral com bens e serviços públicos), será parcialmente neutralizada, elevando o chamado déficit nominal. As duas políticas precisam, portanto, estar coordenadas para evitar ambiguidades. Por outro lado, quando o presidente do Banco Central, agora transformado em sucursal de um banco privado, anuncia que não há espaço para cortes nas taxas de juros, que no Brasil têm estado continuamente entre as maiores do mundo, ele sinaliza que a nova dívida pública gerada pelos déficits ampliados será remunerada a taxas “escorchantes”. Trata-se de um enorme programa de transferência de renda para a parcela mais rica da população, além dos detentores externos dos títulos da dívida, em detrimento da população mais pobre. Exatamente como esperado de uma oligarquia que tem no rentismo um grande aliado.

A autorização de expansão do déficit é uma decisão política, como praticamente tudo mais em economia. O economista britânico Abba Lerner afirmou que a economia ganhou o status de rainha das ciências sociais por assumir um programa de pesquisa que tinha como questões centrais racionalizar problemas políticos resolvidos. Tentativas de reversão do déficit em uma economia em recessão levam a riscos de colapso econômico completo, como demonstrado no caso dos Estados Unidos no chamado penhasco fiscal. O congresso conservador não autorizou a ampliação dos limites da dívida pública (embora esse limite tenha sido ampliado continuamente durante os períodos em que o executivo era comandado pelos conservadores), e serviços públicos essenciais (para a maioria da população) foram interrompidos, levando o congresso a reverter sua decisão. No Brasil, do ponto de vista do ciclo recessivo atual, o governo golpista é portanto pragmático ao expandir o déficit primário. A austeridade é um programa fracassado, como reconhece o próprio FMI e cada vez mais outras instituições do establishment. Essa decisão apresenta diversos aspectos que convergem para a consolidação político-jurídica do golpe, por um lado, e da consecução de seus objetivos econômicos de curto e longo prazo, de outro. Os reajustes salariais para segmentos privilegiados do estamento burocrático, que tem papel fundamental em garantir a legalidade do golpe, são financiados com emissão de dívida remunerada a taxas elevadas, garantindo o consenso entre o rentismo.

O segundo vetor envolve uma mudança nos parâmetros institucionais do conflito capital-trabalho, isto é, mudanças na legislação trabalhista que aumentam a barganha dos trabalhadores por salários e benefícios. Aqui há um amplo pacote de medidas contra os trabalhadores, incluindo a terceirização, e mudanças nas regras de correção do salário mínimo. A mais importante medida é a proposta de tornar redundante as regras legais de proteção ao trabalhador na barganha com os patrões. A proposta de mudança que privilegia o negociado pelo legislado representa um enorme retrocesso e que aponta para mecanismos formais próximos à escravidão (que deve ter uma forte expansão nos próximos anos). A existência de uma legislação trabalhista garantindo contratos de trabalho com um mínimo de equidade jurídica é uma das características de uma economia capitalista moderna em comparação com uma economia arcaica. Essa ofensiva não acontece apenas no Brasil, e na França tem levado a confrontos campais entre os trabalhadores e a repressão estatal, com a proibição de manifestações na cidade de Paris. No Brasil os sindicatos parecem não estar muito engajados no confronto a esse enorme retrocesso no sentido de uma economia de corte semi-escravista em que direitos trabalhistas são facilmente ignorados pela necessidade de manter o emprego. Com a provável compressão salarial, e a interpretação econômica dos economistas do golpe é que os salários cresceram desnecessariamente nos últimos anos, e isso é inaceitável para uma República de Bananas, as condições de ampliação da lucratividade ficam asseguradas, mesmo que isso implique restrição de demanda para adquirir os bens produzidos com uma lucratividade potencial maior em função da maior compulsão ao trabalho em condições degradantes de trabalho proporcionadas pela inobservância “consensuada” da lei.

Do ponto de vista das propostas estruturais que incluem o primeiro e o segundo vetor, a reforma da previdência é central. Em primeiro lugar, os reajustes dos vencimentos foram desvinculados do salário mínimo, implicando perdas reais potenciais nos próximos anos para que se crie espaço para o pagamento de mais juros aos rentistas. Além disso, as mudanças demográficas permitem ampliar o período de venda da força de trabalho, mesmo que em condições desfavoráveis pelas mudanças proporcionadas pelo segundo vetor. Com a redução do Estado como absorvedor de parte da mão de obra nacional, resta a exploração no setor privado, já que se trata de força de trabalho qualificada, ou a marginalização, com a justificativa ideológica da punição por “falta de mérito ou esforço” (o que não é totalmente falso para alguns segmentos da burocracia estatal). A ampliação da oferta de trabalho amplia a competição entre os trabalhadores, em linha com o ideário neoliberal, em um contexto de reforma dos parâmetros da barganha salarial (e dos benefícios trabalhistas da Era Vargas – que devem desaparecer progressivamente), com o “negociado” (outro termo para chantagem patronal na maioria dos setores produtivos) prevalecendo (na verdade eliminando) sobre o legislado (os parâmetros legais referidos acima), haverá forte compressão salarial e uma forte expansão da lucratividade.

O terceiro e último vetor estruturante é a mudança da orientação do Brasil na economia global. A diversificação das parcerias comerciais do país nos últimos anos serão revistas e o Mercosul deve ser solapado aos poucos. As mudanças na legislação ambiental permitirão acelerar a reprimarização da economia e completar a restauração oligárquica. O Brasil tenderá a ocupar novamente o seu papel tradicional na divisão internacional do trabalho, como produtor de mercadorias primários e insumos produtivos de baixo valor agregado. Nem mesmo com o segundo vetor plenamente desenvolvido o Brasil poderá competir com a China e os novos espaços de acumulação de capital na Ásia (Vietnã, Camboja etc.) em termos de custos trabalhistas. A estratégia de exploração extensiva da oferta de trabalho semi-escravo, que se encontra em transformação pela própria dinâmica da rápida acumulação chinesa, com expansão das greves e dos salários, não poderia ser facilmente emulada no Brasil sem uma forte repressão dos sindicatos e partidos de esquerda. Além disso, as empresas chinesas, sendo que as maiores e mais importantes são estatais, investem em inovação, introduzindo forte progresso técnico na economia. A burguesia industrial brasileira não investe em quantidade e em qualidade. Sobram os serviços, que sofrem competição internacional restrita, e o agronegócio, que ainda é competitivo em função da própria aceleração chinesa, mas que encontrará dificuldades com o rebalanceamento da China, o menor crescimento mundial e a expansão da fronteira agrícola na África e a manutenção do protecionismo agrícola dos países de renda elevada. O BRICS, enfraquecido estrategicamente pelos EUA, perderá espaço na agenda externa do governo golpista em sua estratégia de submissão incondicional aos ditames de Washington. Por fim, a estratégia de transferência dos ativos nacionais para o capital internacional representa a canalização da renda potencial interna para o exterior, contribuindo ainda mais para reduzir o dinamismo endógeno da acumulação de capital.

A restauração oligárquica e a retomada neoliberal é, pela própria dinâmica que instaura, eivada de contradições que apontam para seus limites de sustentação econômica. O congelamento dos gastos públicos e os ataques aos trabalhadores, refletidos em rebaixamento salarial, reduzirão o mercado interno. Elementos de entreguismo ampliam a canalização da renda e da riqueza doméstica para o exterior, a troco de comissões e posições nas direções das empresas transferidas para o controle externo. A elevação de impostos que virá com a consolidação do golpe deve ampliar o caráter regressivo da tributação no Brasil, restringindo ainda mais o mercado interno. Esse movimento aprofunda ainda mais a desigualdade de renda e riqueza, típico de sociedades com dominação oligárquica, restringindo as possibilidades de dinamismo endógeno. Nesta situação, apenas a ampliação do mercado externo se torna factível para realizar os maiores lucros proporcionados pela nova configuração do conflito entre capital e trabalho e em menor medida pela ocupação do espaço público pelo setor privado que busca o lucro (principalmente via estatais com elevado grau de internacionalização).

Todavia, a situação externa não parece apontar para a rápida expansão da economia mundial que seria necessária para esta estratégia de reestruturação capitalista no Brasil se consolidar de forma sustentada. A China, principal parceira comercial do Brasil, se encontra em processo de desaceleração. A economia chinesa também se encontra em meio a um processo de transição (o chamado rebalanceamento), reduzindo o papel das exportações e dos investimentos e ampliando o papel dos gastos públicos e do consumo interno. O sistema bancário paralelo chinês é outra incógnita que aponta para uma maior fragilidade financeira e a possibilidade de uma crise internacional de grandes proporções. Os EUA apresentam uma trajetória ambígua, com sinais de retomada intercalados por indicadores pessimistas. De qualquer forma, os problemas estruturais que levaram à crise e ao seu aprofundamento, a crescente desigualdade de renda e riqueza ou brazilianização da sociedade, permanecem intocados. O sistema financeiro segue livre para proporcionar instabilidade e fragilidade ao resto da economia. A Europa, após a saída da Grã-Bretanha da União Europeia, deve aprofundar sua espiral deflacionária e estagnacionista. O Mercosul, um dos poucos mercados que absorvem a produção industrial do Brasil, será esvaziado na estratégia geopolítica dos golpistas, assim como os parceiros comerciais construídos na África no último período. Ao mesmo tempo, a política monetária, terceirizada à banca privada, com a manutenção de taxas de juros recordes, também reforçam a trajetória recente de apreciação da moeda brasileira e impõem uma dificuldade maior de retomada da atividade econômica via setor externo. Aparentemente apenas o agronegócio conseguiria minimizar estas barreiras, o que poderia atrair capitais para a agroindústria e proporcionar alguma expansão da acumulação de capital no Brasil, estabilizando a sociedade pós-golpe. Mas essa transformação não seria suficiente para consolidar um período de crescimento elevado e sustentado generalizado, como sugere a desapontadora história econômica do Brasil e da América Latina nos longos períodos de dominação oligárquica.

Ou seja, com a oclusão das demais fontes de realização dos lucros potenciais gerados na produção, em função do favorecimento político do capital frente tanto ao trabalho como ao Estado, a própria acumulação sustentada de capital fica comprometida, e com ela o dinamismo da própria economia capitalista por meio dos efeitos indiretos que o investimento gera e que são necessários para manter a expansão da atividade econômica sem sobressaltos. Ao mesmo tempo, a capacidade ociosa ampliada pela recente crise e os estoques não vendidos em níveis elevados em alguns ramos industriais sugerem que o investimento não deve decolar de forma sustentada nos próximos trimestres. Ainda que haja uma leve recuperação do investimento, ele pode simplesmente reproduzir o padrão anterior, em que a burguesia compradora nacional simplesmente investe de forma quantitativa mas não qualitativa, com diferente tipos de apoio estatal. O investimento que amplia a competitividade no capitalismo do século XXI é feito de forma diferente, intensivo em conhecimento e tecnologicamente sofisticado, o que é incompatível com o fundamentalismo religioso abrigado no governo golpista. Se mesmo com o apoio do Estado o padrão de investimento não parece ter conduzido a um progresso técnico significativo, sem o apoio Estatal, de acordo com o cânone neoliberal, as possibilidades são ainda menores (e nesse sentido a restauração oligárquica e a retomada neoliberal podem bem representar o prego no caixão da burguesia industrial, com o pato sendo devidamente pago pelos trabalhadores). E mesmo as multinacionais aqui instaladas nunca conduziram o país à fronteira tecnológica por razões óbvias de competição interestatal. A retomada do padrão de privatizações dos anos 1990 também não será capaz de proporcionar avanços técnicos mais densos. Há nesse caso apenas transferência de propriedade, e alguns casos apropriação dos reduzidos espaços de inovação técnica criados no Brasil, como no caso das construtoras e da extração de petróleo em águas profundas pela Petrobrás. Os supostos ganhos de eficiência da transferência de propriedade não são claros, e mesmo que ocorram seriam incapazes de proporcionar um salto em termos de crescimento econômico. As privatizações na área da infraestrutura podem expandir os investimentos, mas novamente se coloca a questão: como esta infraestrutura poderá ser utilizada se os demais setores que a utilizam se encontram estagnados? A resposta parece apontar para as consequências da manutenção da taxa de juros em patamares elevados. Isto sinaliza um aprofundamento da financeirização das empresas no Brasil, com as condições favoráveis para o capital produtivo em seu conflito com o trabalho existindo apenas como condição necessária para a retomada da acumulação, mas não suficiente. O governo golpista está enredado em uma retomada neoliberal fadada ao fracasso, agora como nos anos 1990. As contradições são geradas portanto pelas próprias opções políticas e econômicas gestadas pela restauração oligárquica. Sem a legitimidade que o crescimento econômico proporciona (mas que nem sempre este é o caso, como mostra o momento golpista anterior ao atual). A sustentação de um governo ilegítimo e de uma estratégia econômica que tem tudo para fracassar exige uma forte repressão por parte do governo central e dos governos estaduais aliados ao golpe. Mas a restauração oligárquica já deu mostras de que esse é justamente o propósito.

 

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