Naira Hofmeister
Uma nova mudança acionária está sendo operada dentro do consórcio Cais Mauá do Brasil. A alteração já foi autorizada pelo Governo do Estado e pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários e está em fase de formalização na Junta Comercial do rio Grande do Sul (Jucergs).
A informação da nova alteração foi confirmada pelo diretor-geral da Secretaria dos Transportes, Vanderlan Frank Carvalho, que atribui a mudança à necessidade de ampliar o capital da empresa para dar início às obras, formalmente autorizadas nesta terça-feira, 6 de dezembro, em uma cerimônia de entrega das Licença de Instalação: “A informação que temos é que eles já aprovaram a capitalização da empresa através da mudança do controle acionário e com isso poderão cumprir todas as cláusulas do contrato”, revela.
Desde 2013, o Tribunal de Contas do Estado cobra do empreendedor e do governo estadual uma solução para a garantia mínima de 400 milhões de reais de investimento, exigidos no contrato assinado em 2010. Até agora, apesar das várias tentativas do consórcio de convencer o órgão de que cumpre a norma, não houve entendimento. A nova alteração contratual permitirá a adequação legal, segundo Carvalho. “Não será uma mudança nos sócios, mas no controle do capital”, complementa.
Assim, a composição permanece sendo a mesma anterior (mas bem diferente da formação que venceu a licitação): a espanhola GSS deixará de ser a acionista majoritária, posição que passará para o Fundo de Investimento e Participações do Cais Mauá. A terceira acionista, a construtora brasileira Contern, que antes detinha 10% do negócio, terá participação residual: “Eles estão praticamente fora”, assegura Luiz Eduardo Franco Abreu, presidente da gestora do Fundo de Investimentos e Participações do Cais Mauá.
Junto com a alteração societária, virá um aporte de recursos necessário para bancar o investimento na primeira fase do projeto. Houve uma redução de quase 50% no valor previsto, mas mesmo assim a contabilidade está com déficit, pelo menos na ponta do lápis.
Há um ano, a estimativa de recursos necessários para colocar em pé o complexo de negócios passava de um bilhão de reais – seriam 900 milhões de reais para as duas fases iniciais do projeto, que contemplam a recuperação e adaptação dos armazéns para atividades comerciais e a construção das torres nas docas. Mas nessa primeira semana de dezembro de 2017, o dado que circulou na imprensa dava conta de 500 milhões.
“Entre 500 e 700 milhões”, precisou Luiz Eduardo Franco Abreu, presidente da gestora do Fundo de Investimentos e Participações do Cais Mauá, que participou da cerimônia na manhã desta terça-feira, 6, no pórtico central da área tombada.
O fundo, entretanto, ainda não conseguiu arrecadar nem a metade do valor mínimo que está agora sobre a mesa. Segundo registros disponíveis no site da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o patrimônio líquido total do fundo, em setembro de 2017, era de R$ 162.500.840,18.
Com a licença na mão, os executivos estão confiantes que a conta vai engordar bastante.
Projeto sofreu adaptações para baixar custo
O trâmite burocrático para concretizar a nova composição acionária não atrapalha os planos imediatos do consórcio, que em três meses pretende iniciar a primeira fase da obra de revitalização, reformando e reestruturando os armazéns tombados do cais do porto para receberem operações de gastronomia, lazer e eventos.
O diretor de Operações, Licenciamento e Obras da Cais Mauá do Brasil S.A, Sérgio Lima assegura que essa etapa custará aos cofres do empreendedor 80 milhões de reais. Mas o executivo do FIP, Luiz Eduardo Franco Abreu considera a estimativa conservadora. “Com o que temos no fundo agora dá para fazer essa parte, talvez precise um pouquinho mais, pouca coisa”, avalia.
Embora discorde do cálculo, Sérgio Lima se comprometeu a destinar os recursos necessários para proporcionar “o que há de melhor” para a obra do Cais. “Se for necessário mais (recursos) para apresentarmos uma obra correta, impecável, faremos”.
Os recursos serão aplicados na execução de um projeto capitaneado pelo arquiteto gaúcho Rodrigo Poltosi, que trabalhou junto com Jaime Lerner na adaptação do conceito desenvolvido pelo espanhol Fermín Vazquez, vencedor da licitação. Diante da crise econômica brasileira, a equipe buscou alternativas nacionais que barateassem custos e auxiliassem na movimentação da economia local. “O projeto original previa algum mobiliário importado, que era bem mais caro. Conseguimos fazer alterações pontuais que geraram economia e também movimentam nossa economia”, revela Poltosi.
Rebaixamento da Ramiro Barcelos já deve sair do papel
Embora esteja entre as contrapartidas exigidas apenas para a segunda etapa do projeto de revitalização do Cais Mauá, o prolongamento e rebaixamento da avenida Ramiro Barcelos para dar acesso ao empreendimento na área próxima à rodoviária deverá ser uma das primeiras obras de contrapartida executadas pelo empreendedor.
“Queremos fazer esse esforço de incluir nessa primeira etapa”, assegura Lima. A obra era a mais cara entre as previstas no rol de contrapartidas, mas durante a cerimônia de entrega da LI ninguém soube informar o valor total previsto para investimento na cidade. Segundo o secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Porto Alegre, Mauricio Fernandes, as compensações ambientais pela obra atingem 333 mil reais.
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Papel da Zoobotânica é insubstituível, diz parecer técnico do Instituto de Biociências da UFRGS
cleber dioni tentardini
Professores e pesquisadores dos Institutos de Biociências e de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) divulgaram um Parecer Técnico endereçado ao presidente do Tribunal de Contas do Estado, Marco Peixoto, e aos demais conselheiros do TCE, em defesa da Fundação Zoobotânica.
O TCE está julgando uma representação do procurador-geral do Ministério Público de Contas (MPC), Geraldo Da Camino, que questiona a Lei sobre as extinções e solicita que os processos sejam suspensos.
O processo envolve as fundações Zoobotânica (FZB), e ainda de Ciência e Tecnologia (Cientec), de Economia e Estatística (FEE), Piratini, de Desenvolvimento de Recursos Humanos (FDRH) e de Planejamento Metropolitano e Regional (Metroplan).
O julgamento da ação iniciou em 6 de setembro e o primeiro voto, do relator, o conselheiro Cezar Miola, foi favorável ao pleito do procurador Da Camino. Mas a sessão foi suspensa devido aos pedidos de vistas do processo feito pelos conselheiros Pedro Henrique Figueiredo e Estilac Xavier. Não há um prazo para a retomada do julgamento.
No documento, entregue nesta segunda, 16/10, ao TCE, os pesquisadores do Instituto de Biociências manifestam completo desacordo com a extinção da Fundação Zoobotânica, incluindo a redistribuição de suas funções e demissão de todos seus técnicos. Baseiam-se na avaliação técnica e objetiva dos irreparáveis prejuízos que a consumação desse ato trará para a ciência, educação, documentação, gestão e conservação da biodiversidade gaúcha.
“As irreparáveis perdas que a extinção da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul imputará à sociedade, especialmente diante do insignificante impacto financeiro resultante, demandam um imediato apelo à racionalidade. Não se conhece iniciativa semelhante em nenhum país do mundo desenvolvido, mesmo naqueles em que se tenha implementado políticas de austeridade em reação à atual crise econômica mundial. Entendemos ser absolutamente necessário reconsiderar tal decisão que julgamos precipitada e inadequada, fruto de amplo desconhecimento das atribuições legais, da relevância, complexidade e dimensão do patrimônio e dos serviços prestados pela Fundação Zoobotânica”, diz parte do documento.
Assinam a Carta Aberta a diretora, Clarice Bernhardt Fialho, e o vice-diretor Luiz Roberto Malabarba, e outros 48 professores do Instituto de Biociências da UFRGS.
Leia a íntegra do documento:
CARTA ABERTA AO PRESIDENTE E CONSELHEIROS DO TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL E À COMUNIDADE GAÚCHA
Parecer técnico sobre a extinção da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul
Excelentíssimos Senhores,
Nós, professores e pesquisadores dos Institutos de Biociências e de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, vemos com extrema preocupação o desenrolar do processo proposto de extinção de fundações estaduais gaúchas e em especial da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul (FZBRS).
Esse processo vem acompanhado de uma evidente falta de informações por parte do público geral e da imprensa, agravado pela divulgação de informações equivocadas acerca das funções e importância dessa instituição para o desenvolvimento sustentável do Rio Grande do Sul.
Tendo em vista que a recente aprovação do PL 246/2016 pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul permite a extinção da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul, incluídos a redistribuição de suas funções e demissão de todos seus técnicos, manifestamos nosso completo desacordo com essa decisão, baseados na avaliação técnica e objetiva dos irreparáveis prejuízos que a consumação desse ato trará para a ciência, educação, documentação, gestão e conservação da biodiversidade gaúcha.
Na condição de parceira de longa data da FZBRS em atividades de Ensino, Pesquisa e Extensão, ou seja, em todo seu espectro de atuação institucional, nossa Universidade acumulou profundo conhecimento acerca da importância e alcance das competências da Fundação para nosso Estado. Tendo em vista as declarações de membros do Executivo gaúcho sobre a destinação de parte das funções da FZBRS para as Universidades ou para a Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMA), somos obrigados a manifestar nossa avaliação sobre a viabilidade e as reais consequências da extinção da FZBRS, especialmente no que concerne à perda de seu corpo técnico especializado e à conservação de seu inestimável patrimônio científico.
A FZBRS desempenha inúmeras funções de extrema relevância para a gestão pública do Estado do Rio Grande do Sul que, em seu conjunto, dão respaldo técnico altamente especializado e qualificado para a tomada de decisões dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário no âmbito das questões ambientais que impactam diretamente os interesses de nosso Estado.
A proteção da qualidade ambiental do Rio Grande do Sul, incluindo a conservação de sua fauna e flora, que é do interesse de toda a sociedade e está prevista em nossa constituição, depende de conhecimento técnico e bases de dados altamente especializados.
O poder público não pode prescindir dessa capacidade técnica em seus quadros, pois assume o risco de tomar decisões que venham a lesar o patrimônio ambiental do Estado, uma vez que não possui tais habilitações em nenhum outro setor.
O papel da FZBRS nesse sentido é inestimável e insubstituível, não havendo hoje nenhum setor da Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMA) ou outro órgão do Estado com capacidade de assimilar essas funções. O próprio corpo técnico da SEMA expressou essa realidade em carta pública. O prejuízo técnico que resultaria da efetivação da extinção da FZBRS seria incalculável.
Complementarmente, a possibilidade de assimilação dessa função de assessoramento do Estado por outros órgãos, instituições ou mesmo entidades não-públicas, não é realista, sendo inviável no curto ou médio prazos. Mais grave ainda seria a perda da autonomia e qualidade técnicas, da isenção, da idoneidade e do compromisso público dos serviços prestados pela FZBRS, caso estes fossem delegados a entidades ou consultorias privadas. Essas questões relacionadas à insubstituibilidade de suas funções essenciais, são, ao nosso ver, um impeditivo intransponível para a extinção da FZBRS, uma vez que o governo não tem como transferir ou assumir tais funções.
Dentre as atribuições altamente próprias da FZBRS, merece destaque a coordenação e atuação técnica ativa de seus especialistas na elaboração das listas de espécies da fauna e flora ameaçadas no Estado do Rio Grande do Sul. Ainda que o processo de avaliação conte com expressivo apoio técnico da comunidade acadêmica, a FZBRS tem sido a instituição coordenadora desse processo. Essa coordenação somente é possível graças à alta qualificação de seu corpo técnico, formado por vários especialistas em biodiversidade, que detém bases de dados atualizadas e dinâmicas, e conhecimento para orientar todo o processo. A SEMA não possui qualificação técnica para assimilar tais funções, dependendo para tanto do corpo de especialistas da FZBRS.
Contudo, uma das mais relevantes e insubstituíveis funções desempenhadas pela FZBRS é a manutenção de seus grandes acervos com amostras da biodiversidade, atual e fóssil, em suas várias coleções científicas. Paradoxalmente, essa é uma de suas funções mais importantes e, ao mesmo tempo, a menos conhecida.
A sociedade em geral desconhece a importância das coleções científicas, uma vez que apenas tem acesso direto a uma pequena parcela dos acervos que são eventualmente expostos em museus: isso promove uma incorreta, ainda que generalizada, impressão de que a importância dos museus se limita apenas a sua exposição. Na verdade, a parcela mais importante dos acervos é aquela guardada por curadores especializados e que serve de testemunho de nossa biodiversidade. Esse acervo, ao contrário daquele exibido em exposições, é elemento essencial ao avanço das ciências da biodiversidade, sendo regularmente utilizado por pesquisadores do Brasil e exterior que visitam a FZBRS, ou eventualmente recebem os exemplares por empréstimo via intercâmbio científico.
Esses acervos contêm testemunhos insubstituíveis de incontáveis estudos e publicações produzidos ao longo de décadas, pois seus autores depositaram sua confiança na solidez de uma instituição pública histórica, como é o Museu de Ciências Naturais da FZBRS.
É virtualmente impossível quantificar com precisão, dada sua magnitude, o prejuízo que a descontinuidade dessa curadoria traria para as ciências da biodiversidade, não apenas em nosso Estado, mas em escala global. Neste sentido, a extinção da FZBRS fere de morte a ética científica e a confiança depositada por pesquisadores, coletores, colaboradores, patrocinadores e instituições de fomento que contribuíram para a formação desse acervo público.
Não cremos ser aceitável o Estado extinguir ou mesmo alienar essa responsabilidade assumida ao longo de tantas décadas. Seria o mesmo que dizer que o Estado do Rio Grande do Sul é inepto para a Ciência e que o patrimônio científico acumulado pelo árduo trabalho de muitas gerações pudesse ser simplesmente descartado.
A FZBRS é indispensável ao Estado do Rio Grande do Sul para cumprir seu dever de zelar por este patrimônio, do qual é fiel depositário perante a União e toda a sociedade. É fundamental destacar que nosso Código Estadual do Meio Ambiente determina que “Compete ao Poder Público em relação à fauna silvestre do Estado: (…) manter coleções científicas museológicas e “in vivo” de animais representativos da fauna silvestre regional, assim como proporcionar condições de pesquisa e divulgação dos resultados da mesma sobre este acervo”.
A sociedade pode desconhecer parte da relevância dos acervos científicos da FZBRS, mas o Estado legalmente não pode.
O conjunto das coleções científicas do Museu de Ciências Naturais (MCN) o qualifica como um dos maiores e mais importantes do Brasil e da América Latina. O Museu conta com mais de 600.000 lotes/espécimes, distribuídos em 58 coleções, contendo exemplares coletados desde o final do século XIX. As coleções científicas e de exposição do MCN estão armazenadas em 15 salas climatizadas e tecnicamente equipadas, que em conjunto ocupam uma área de 1.300 m². De grande e insubstituível importância para a Ciência mundial, merecem destaque os 2.883 espécimes-tipo, utilizados em descrições originais de espécies novas de vários grupos da fauna e flora. Esses exemplares são patrimônio da humanidade e sua manutenção é fundamental para a estabilidade da nomenclatura e contínuo processo de descrição de nossa biodiversidade.
As coleções científicas do Museu de Ciências Naturais da FZBRS constituem o maior acervo de material-testemunho da biodiversidade dos ecossistemas terrestres e aquáticos do RS, além de ser, em seu conjunto, a mais representativa do Bioma Pampa. Desde 2002, por meio da Deliberação nº 5 do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN) do Ministério do Meio Ambiente, o MCN foi credenciado como instituição Fiel Depositária de Componentes do Patrimônio Genético.
No RS, o MCN é o único órgão Estadual detentor deste credenciamento. Para o credenciamento, é exigida uma série de requisitos (infraestrutura, equipamentos, corpo técnico qualificado, entre outros), habilitando a instituição a receber e conservar amostras do patrimônio genético brasileiro. Apenas instituições públicas nacionais de pesquisa e desenvolvimento podem ser fiéis depositárias de amostra de componente do patrimônio genético brasileiro.
Algumas coleções do MCN destacam-se no cenário nacional no que se refere à representatividade de espécies e número de exemplares. A coleção de aranhas, por exemplo, é a segunda maior do Brasil em número de lotes, atrás apenas da coleção do Instituto Butantã. A coleção de moluscos representa a terceira maior do Brasil em número de lotes, e a coleção de répteis situa-se entre as dez maiores do país. Apesar do Rio Grande do Sul ocupar uma fração reduzida do território nacional, as coleções do MCN são numericamente expressivas.
Além de seu valor científico, essas coleções apresentam um indiscutível valor histórico, não apenas por documentarem o trabalho de inúmeros pesquisadores ao longo de gerações, mas por incorporar importantes acervos de outras instituições. Ao longo de sua existência, o MCN (antes Museu Rio-Grandense de Ciências Naturais) incorporou em seu acervo importantes coleções de exemplares da fauna do Rio Grande do Sul, da América do Sul e até de outros continentes. Alguns exemplos são: as coleções biológicas do Museu Júlio de Castilhos, tombadas pelo IPHAN; a coleção do Instituto Borges de Medeiros de insetos de importância agrícola; a coleção Eliseo Duarte de conchas de todos os continentes e oceanos; e a coleção Mabilde de borboletas da Grande Porto Alegre, que representa um testemunho único da fauna existente na região há mais de um século.
Em 1989, o herbário do MCN recebeu, para incorporação em seu acervo, em torno de 50.000 exemplares de plantas vasculares do extinto Herbário da Secretaria da Agricultura do RS. A coleção de peixes recebeu material coletado durante as expedições oceanográficas da embarcação Pescal II no Sul do Brasil entre 1959 e 1964.
Não menos importante que as coleções museológicas são as coleções “in vivo” mantidas pela FZBRS, como é o caso dos bancos de sementes e de plantas do Jardim Botânico e o serpentário do Museu de Ciências Naturais. O serpentário, por exemplo, cumpre papel insubstituível em nosso Estado, recebendo serpentes de todo o território gaúcho para identificação e destinação. Estas serpentes são mantidas em um biotério e têm viabilizado estudos importantíssimos para a melhoria na qualidade do soro antiofídico brasileiro. Não há outra instituição no Estado que mantenha acervos “in vivo” com a abrangência e magnitude das existentes na FZBRS.
As coleções da FZBRS são fontes permanentes de consulta por pesquisadores e estudantes de pós-graduação, do país e do exterior, para fins de pesquisa científica. Como exemplo, o Herbário do MCN recebeu, apenas em 2016, 105 consultas presenciais ao seu acervo e quase 3 milhões de consultas via acesso eletrônico à Rede Herbário Virtual da Flora e dos Fungos do Brasil (SpeciesLink, http://www.splink.org.br/), plataforma que disponibiliza os dados das coleções botânicas brasileiras.
Ainda a título de exemplo, somente em 2016, a coleção de Coleópteros (insetos) manteve intercâmbio de espécimes via empréstimo com as seguintes instituições de pesquisa: University of Nebraska, Museo de La Plata, Universidade Federal do Mato Grosso, Universidade de Viçosa, Smithsonian Institution, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Museu Nacional, Universidade Federal do Paraná e Universidade Federal de Viçosa. A coleção de Répteis, por sua vez, recebeu consultas de pesquisadores e alunos de 10 instituições do Brasil (Universidade de São Paulo, Museu Nacional do RJ, UFRGS, UFMG, UFSM, Universidade Estadual de Londrina, UNIJUI, PUCRS, UNISINOS, Museu Paraense Emílio Goeldi) e uma do exterior (CORBIDI – Peru).
A coleção de fósseis do MCN, construída ao longo de décadas de trabalho dos curadores e técnicos do Museu, é basicamente formada por fósseis coletados em rochas do Rio Grande do Sul e rivaliza (senão supera), em termos de número de espécimes e infraestrutura, com as maiores coleções do Estado, hospedadas na UFRGS e na PUC/RS. Muitos dos espécimes ali tombados constituem-se em tipos de espécies extintas, os quais são objeto de interesse de vários pesquisadores ao redor do Globo e que tem na FZBRS a referência de localização e curadoria destes materiais. A partir desta coleção, dezenas de Dissertações de Mestrado e Teses de Doutorado, sob a orientação dos curadores da coleção, já foram produzidas, as quais resultaram na publicação de inúmeros trabalhos científicos, revelando o papel da FZBRS na formação de recursos humanos qualificados nesta área.
Cabe ressaltar que a ligação da FZBRS com o patrimônio fossilífero do Estado não decorre apenas de um interesse pessoal dos curadores e técnicos do MCN, mas sim atende a uma diretriz do próprio Estado, cujo Poder Legislativo reconheceu a importância cultural e científica deste patrimônio e legislou sobre o tema. A Lei Estadual Nº 11.738, DE 13 DE JANEIRO DE 2002 (atualizada até a Lei nº 11.837, de 04 de novembro de 2002), declara integrantes do patrimônio cultural do Estado os sítios paleontológicos localizados em municípios do Estado do Rio Grande do Sul. Segundo esta Lei, a FZB é designada como o principal órgão do Estado responsável pelo seu cumprimento e fiscalização nos seguintes artigos:
Art. 3º – Fica a Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul responsável pela administração dos sítios paleontológicos de que trata esta Lei (Incluído pela Lei nº 11.837/02).
Art. 4º – A supervisão científica dos sítios paleontológicos localizados nos municípios referidos no artigo 1º que não forem de propriedade do Estado fica a cargo da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul (Incluído pela Lei nº 11.837/02).
Parágrafo único – Toda obra de qualquer natureza, inclusive remoção de rochas nos sítios paleontológicos de que trata este artigo, deverá ser submetida ao prévio licenciamento da Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler – FEPAM -, bem como à consulta da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul. (Incluído pela Lei nº 11.837/02).
Todas estas tarefas, que requerem um conhecimento altamente especializado, são realizadas pelo corpo técnico do MCN, que constitui o único grupo de profissionais no Estado habilitado atualmente para desempenhá-las. Qualquer solução de continuidade neste processo pode vir a trazer prejuízos irreparáveis ao patrimônio fossilífero (portanto, científico e cultural) do Estado, com a perda e/ou destruição de espécimes únicos e, portanto, insubstituíveis.
As coleções da FZBRS são indispensáveis para inúmeras pesquisas realizadas em nossa e em outras Universidades, em vários Programas de Pós-Graduação, motivo pelo qual temos clara e balizada convicção dos impactos que sua extinção trará à ciência no Rio Grande do Sul e mesmo do Brasil.
Conhecendo mais detalhadamente a abrangência e a dimensão histórica e científica dos acervos da FZBRS, fica óbvia a qualificação e alta capacidade técnica do seu corpo de funcionários, admitidos por mérito em concursos públicos.
Esta que é uma das maiores e mais importantes coleções brasileiras, possui em seus quadros cerca de 24 Analistas Biólogos Curadores, 10 Técnicos de Apoio, 25 Bolsistas de Iniciação Científica e quatro jardineiros. Este é um quadro altamente enxuto para dar conta de toda a tarefa de curadoria e pesquisa realizada na Instituição.
Não há em nenhum outro setor do governo estadual, quadros minimamente capazes de substituir as funções do corpo técnico da FZBRS. Mais preocupante que isso, não há no Rio Grande do Sul, em nenhuma outra instituição pública ou privada de ensino e pesquisa, quadros de curadores com a quantidade, abrangência técnica e a exclusividade de dedicação necessárias para manter todos os acervos do Museu de Ciências Naturais e Jardim Botânico, que não seja o existente na própria FZBRS. Por conta dessa realidade, consideramos completamente descabida a proposta de demissão do corpo técnico, uma vez que não será possível para o Estado assumir de outra maneira a curadoria desse acervo.
Os curadores detêm não só o conhecimento técnico do processo de manutenção, mas também o indissociável conhecimento da história de construção e utilização das coleções. Além disso, os curadores são, eles próprios, um elo fundamental da rede de conexões do acervo com seus usuários e as pesquisas em desenvolvimento.
Por todo o exposto, consideramos inaceitável qualquer medida no sentido de extinguir, desmembrar ou alienar o enorme e inestimável acervo da FZBRS, bem como de demitir seu quadro de técnicos, especialmente dos curadores e técnicos de apoio, pois estes são a única garantia de perpetuação dos acervos.
É imprescindível, especialmente para o poder judiciário, identificar todas as responsabilidades legais e éticas, assumidas pelo poder público como fiel depositário das coleções da FZBRS, para garantir que não seja proposta destinação alternativa ilegal, antiética e/ou inadequada para os acervos.
As irreparáveis perdas que a extinção da Fundação Zoobotânica do Rio Grande do Sul imputará à sociedade, especialmente diante do insignificante impacto financeiro resultante, demandam um imediato apelo à racionalidade.
Não se conhece iniciativa semelhante em nenhum país do mundo desenvolvido, mesmo naqueles em que se tenha implementado políticas de austeridade em reação à atual crise econômica mundial.
Entendemos ser absolutamente necessário reconsiderar tal decisão que julgamos precipitada e inadequada, fruto de amplo desconhecimento das atribuições legais, da relevância, complexidade e dimensão do patrimônio e dos serviços prestados pela Fundação Zoobotânica.
Esperamos que nossa avaliação técnica contribua para dimensionar a extensão das irreparáveis consequências advindas da extinção da FZBRS. Caso concretizada, a extinção da Fundação Zoobotânica, representará o maior retrocesso científico, ambiental e cultural da história do Rio Grande do Sul.
Sentimo-nos, portanto, obrigados, como especialistas e cidadãos, a emitir nossa avaliação técnica.
Dra. Clarice Bernhardt Fialho, Diretora do Instituto de Biociências da UFRGS
Dr. Luiz Roberto Malabarba, Vice-diretor do Instituto de Biociências da UFRGS
Instituto de Biociências da UFRGS
Departamento de Ecologia
Prof. Dr. Andreas Kindel
Profa. Dra. Luciane Oliveira Crossetti
Prof. Dr. Demetrio Luis Guadagnin
Profa. Dra. Sandra Hartz
Profa. Dra. Teresinha Guerra
Prof. Dr. Homero Dewes
Profa. Dra. Mara da Silveira Benfato
Departamento de Botânica
Prof. Dr. João Ito Bergonci
Prof. Dr. Paulo Brack
Prof. Dr. João Fernando Prado
Prof. Dr. Jorge Mariath
Prof. Dr. Rinaldo Pires dos Santos
Prof. Dr. Geraldo L.G. Soares
Profa. Dra. Maria Cecilia de Chiara Moço
Profa. Dra. Alexandra Antunes Mastroberti
Prof. Dr. João André Jarenkow
Prof. Dr. Gerhard Overbeck
Prof. Dr. Rodrigo B. Singer
Departamento de Genética
Profa. Dra. Lavinia Schüler Faccini
Prof. Dr. Aldo Mellender de Araújo
Prof. Dr. Francisco M. Salzano
Profa. Dra. Vera Lúcia S. Valente Gaiesky
Prof. Dr. Roberto Giugliani
Prof.Dr. Renato Zamora Flores
Profa. Dra. Eliane Kaltchuk dos Santos
Prof. Dra. Andreia Carina Turchetto Zolet
Prof. Dr. Nelson Jurandi Rosa Fagundes
Departamento de Zoologia
Prof. Dr. Luiz Roberto Malabarba
Profa. Dra. Clarice Fialho
Prof. Dr. Márcio Borges Martins
Profa. Dra. Laura Verrastro Viñas
Profa. Dra. Paula Beatriz Araújo
Profa. Dra. Helena Piccoli Romanowski
Profa. Dra. Jocélia Grazia
Prof. Dr. Luiz Alexandre Campos
Profa. Dra. Maria João Ramos Pereira
Profa. Dra. Carla Penna Ozorio
Prof Dr. Ignacio Benites Moreno
Instituto de Geociências da UFRGS
Departamento de Geografia
Prof. Dr. Jafferson Cardia Simões
Prof. Dr. Roberto Verdum
Departamento de Geologia
Profa. Dra. Silvana Bressan Riffel
Profa. Dra. Ruth Hinrichs
Prof. Dr. Wolfgang Kalkreuth
Departamento de Mineralogia e Petrologia
Prof. Dr. Pedro Luiz Juchem
Departamento de Paleontologia e Estratigrafia
Prof. Dr. Cesar Leandro Schultz
Prof. Dr. Rualdo Menegat
Profa. Dra. Marina Bento Soares
“Coleções da Zoobotânica estarão disponíveis no site da SEMA”
Cleber Dioni Tentardini e Tiago Baltz
Dois anos atrás, o então chefe da Casa Civil do governo do Estado, Márcio Biolchi, enviou à Assembleia Legislativa o projeto de Lei (PL) 300, com pedido de urgência para votação. Previa a extinção de três fundações: Zoobotânica (FZB), Esporte e Lazer (Fundergs) e Produção e Pesquisa em Saúde (Fepps). O objetivo era “tornar a gestão mais moderna e eficiente”. O PL 300 não vingou e foi substituído.
Naquela equipe de Biolchi – deputado federal eleito pelo PMDB e atual o secretário estadual de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia -, havia um engenheiro agrônomo, precisamente no Departamento de Assuntos Municipais da Casa Civil que, um ano depois, seria nomeado presidente de uma das fundações que planejara fechar.
Luiz Fernando de Oliveira Branco, 58 anos, natural de Lagoa Vermelha, no norte do Estado. É formado na Universidade de Pelotas (1983), com curso de pós-graduação em Comunicação Social pela Universidade de Passo Fundo. Trabalhou por 15 anos na Emater, a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural, e 12 anos como assessor da bancada do PMDB no Parlamento gaúcho.
Separado, duas filhas, uma estudante de Direito em Porto Alegre, outra residente em Passo Fundo. Branco costuma passar os finais de semana em sua propriedade rural no norte do Estado, onde planta, cria gado de corte e ovelhas, ele recebeu o jornal JÁ para falar sobre sua gestão, que completa um ano à frente da FZB.
Esta entrevista para o especial Patrimônio Ameaçado, uma série de reportagens sobre a Zoobotânica, foi adiada ao menos quatro vezes ao longo de 2016 e teve mais uma tentativa frustrada, por telefone, neste 2017. “É que nosso assessor de imprensa foi transferido e temos muito trabalho aqui, mas queremos dar total transparência neste processo de transição administrativa para a Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMA)”, justifica.
Passava das 10h30 da segunda-feira, 07, quando ele recebeu os jornalistas em sua sala, com chimarrão novo na mão e um semblante aparentemente tranquilo, após meia hora de reunião com oito representantes da Associação dos Funcionários da FZB.
JÁ: Qual foi a sua primeira impressão ao assumir a presidência da FZB?
Luiz Fernando Branco: Quando vim pra cá, em 29 de julho de 2016, não considerei um convite e, sim, uma missão que o governo tinha me delegado. Eu iria pra qualquer trabalho, sou leal ao governo. Mas como sou agrônomo, de família de agricultores, com experiência na Emater e na comissão de agricultura da Assembleia, o governador entendeu de me indicar ao cargo porque sou ambientalista por natureza. Às vezes, o agricultor é mal entendido, quando corta uma árvore, quando faz uma roçada, mas ele é o maior interessado no meio ambiente, precisa da terra, da água para tirar sua subsistência.
Houve exageros no passado. Mas, hoje, tudo o que a ciência trouxe, o plantio direto é uma coisa fantástica. No plantio convencional, segundo a Emater, se perdia até 40 toneladas por hectares ano. Hoje, não se chega a 40 quilos. Pelo advindo do plantio direto, quando se vê rios embarrados, aquilo lá é fruto das águas escorrendo das estradas, e não das lavouras.
Como a extinção da FZB poderia modernizar a gestão ambiental?
Hoje mesmo estava falando com a Associação dos Servidores. Nós precisamos ter um trabalho integrado. Nós somos uma engrenagem no governo do Estado, temos que estar juntos com as outras instituições, universidades, secretarias.
Temos que ter planejamentos por semestre. Chegamos a um denominador comum, aquilo que propus aos servidores. Por exemplo, estamos fazendo um levantamento patrimonial, atualizando o patrimônio. Tem coisas que precisa vender, descartar, repassar serviços, ou atualizar. Comprar alguma coisa. Estamos fazendo isso.
O processo de extinção nada mais é que um arranjo administrativo. É um processo de transformação. Vamos virar um departamento da Secretaria do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (SEMA). O Jardim Botânico vai continuar com suas atividades, todas elas. O museu vai continuar.
E o Zoológico?
Bem, o Governo do Estado fez um edital, contratou uma empresa para fazer uma modelagem das concessões de estradas no RS e se incluiu o Parque Zoológico. Dentro do processo de transparência, informamos tudo a KPMG, o consórcio que está fazendo a modelagem do edital. Quando tiverem uma proposta, vamos ter uma rodada de negociação com a Secretaria-Geral de Governo. Depois tem todo o processo na SEMA, com audiências públicas, todo o trâmite legal. Para daí sair um edital e habilitar uma empresa para futura concessão. A concessão do Zoo do Rio de Janeiro é um exemplo para nós.
A demissão de funcionários não ameaça o patrimônio, como manter as coleções sem os especialistas?
Mediante o parecer da Procuradoria Geral do Estado (PGE), vai haver um enxugamento de pessoal. Porque não vai precisar da mesma estrutura. Alguns servidores tem estabilidade, outros não, mas isso depende de uma decisão judicial.
Agora, como não houve entendimento do Governo com sindicatos, estão discutindo no TRT. Que está sendo o moderador. Não cabe a mim, aqui, decidir quem vai ser demitido. Essa é uma questão do Governo.
Qual o número de servidores com estabilidade na FZB?
Isso é uma decisão da PGE, cabe a eles dizer.
Há intenção de transferir as coleções do Museu de Ciências Naturais e do Jardim Botânico?
Não, muito pelo contrário. Tudo, com exceção do Zoo, será mantido pela SEMA. Temos, por exemplo, um processo de digitalização de tudo aqui, quem quiser saber algo do Museu, da nossa biblioteca, vai conseguir ver em um site.
Já estamos com estagiários da FDRH pra fazer o levantamento inicial. Depois, devemos contratar uma empresa para completar a digitalização das coleções. A intenção é melhorar. Não existe isso de retirar atividades.
Mas há ações na Justiça, movidas pelo Ministério Público, que apontam precarização do trabalho, restrições aos pesquisadores para saídas a campo, cortes de diárias.
Não. Nada. Mantemos tudo. E é bom explicar. Ao virar um departamento da SEMA, devemos acabar com sombreamentos. Hoje, temos um departamento de recursos humanos, aqui, e um na SEMA. Vai passa a ser um único. Tem um jurídico aqui, com um advogado, tem outro advogado na SEMA. Eles passarão a trabalhar juntos, var ser mais eficiente.
O JB está melhor, restauramos o palco multiuso, temos um projeto de ampliação do estacionamento. Já fizemos a revitalização de uma praça infantil. E temos um projeto pra fazer um restaurante panorâmico no antigo orquidário, que hoje está abandonado. Vamos fazer uma concessão pra esse restaurante panorâmico. O orçamento existente é pra manter os serviços.
E qual é o orçamento da FZB?
Importante que se diga que todas as nossas contas estão em dia, não temos dívidas com fornecedores. Nosso orçamento está em dia, dentro de um amparo legal e por determinação do governador, temos total transparência nisso.
A FZB tem uma folha de pagamento de R$ 14,6 milhões. Com os encargos, somam R$ 22 milhões. São 191 funcionários. O custeio, que envolve energia elétrica, água, diárias, etc, gira em torno de R$ 5,5 milhões. O custo total da FZB fica em R$ 28 milhões.
Por que uma das principais atrações do museu, o serpentário, está fechado?
Estava funcionando muito bem, mas houve o caso do arrombamento. Até hoje ocorre o processo de investigação. Aquilo foi uma tentativa de furto, soltura, sei lá.
Mas um segurança não resolveria?
É uma sala vulnerável, não foi construída com essa finalidade, foi adaptada. As serpentes continuam aqui, mas não vou abrir enquanto não tiver segurança total. Um alarme, câmeras de segurança. Fechar uma das duas portas, que é de vidro, vulnerável. Se não fizer isso, não vou reabrir ao público. Decisão minha.
Quanto precisa para instalar um sistema de segurança?
Em torno de R$ 7 mil, com videomonitoramento. Alarme e câmeras. Não tenho recurso hoje pra isso. Há um decreto em vigor que restringe algumas compras de bens duráveis. E o nosso orçamento não comporta esses investimentos.
E aquele convênio da FZB para o envio do veneno das serpentes ao Vital Brazil, no Rio de Janeiro? Não vai ser renovado?
Ele está vencido, e ainda estamos em tratativas. O problema era que não havia nenhuma contrapartida para nós. Mandávamos o veneno e pronto. A FZB tem um custo para manter as serpentes. Repassava a peçonha para o Vital Brazil, que faz o soro e vende para o Ministério da Saúde, mas nós não recebemos nada. E isso eu questiono. Enquanto não houver esse acerto, não vai mais peçonha para o Rio.
Quando a SEMA assumir, podemos rever nossos acordos. Agora, estamos com as mãos amarradas. Eu tenho esforço para manter tudo, mas não posso avançar em algumas coisas. Temos que elaborar novos contratos. Vender a peçonha, acertar um valor justo com o Vital Brazil. Tem o Butantã interessado. Até o comércio exterior tem interesse na peçonha.
Quanto a FZB arrecada como contrapartida aos serviços prestados a outras instituições? O convênio com o DAER (Departamento Autônomo de Estradas de Rodagem), por exemplo, para os pareceres paleontológicos?
Nada. Eu até disse para o diretor geral do DAER, que é meu amigo. O DAER faz estradas com duas vias, uma que vai e outra que vem. Mas aqui fizemos contrato com contrapartida zero. E por que aceito isso? Porque estou assinando com uma entidade do Estado, porque somos uma engrenagem do governo. É a questão de pensar em conjunto. Uma integração. A modernização na gestão e no pensar que eu já falei.
Não querendo criticar a Corag, por exemplo. E isso é uma queixa que eu tenho. Diz que dá lucro. Mas quem paga a Corag somos nós, os outros órgãos. Somente ano passado, as nossas despesas com a Corag foram de R$ 30 mil. Qualquer ato de governo, de qualquer autarquia. Porque são só eles que definem o preço. Tem que dar lucro.
E a FZB não cobra das empresas privadas? Aquele estudo grande que teve para a Braskem, por exemplo.
Para empresas privadas nós cobramos. Em 2016, arrecadamos com consultorias R$ 630 mil. Fizemos os estudos para os novos parques eólicos da Eletrosul em Santa Vitória do Palmar. Mas, de instituições do Estado, Como no caso do DAER, não tem porque cobrar da coirmã.
Quanto deve aumentar no orçamento do próximo ano?
Estamos trabalhando com o mesmo orçamento para o ano que vem. Acho que vamos conseguir manter.
Voltando à questão do Zoológico, quando vai se definir a situação?
A KPMG vai entregar a modelagem do edital em outubro, imagino que o governo vai colocar logo em seguida o edital na rua. Nossa parte agora é apenas fornecer informações a essa empresa, de tudo que arrecadamos e gastamos.
O Zoo presta importantes serviços à sociedade, gratuitos, como o Cetas. Serão mantidos?
Todos os serviços estão mantidos. Estamos fazendo coisas inéditas lá, é bom deixar claro. Estamos fazendo reintegração de posse. Tirando invasores de lá. Já retiramos quatro moradias e já temos autorização para reintegração de outras oito. Vamos fazer mais. Mas não depende de nós derrubarmos as casas. Isso depende da Justiça.
Se refere à Reserva Florestal Padre Balduíno Rambo? Sabem quantas famílias vivem lá?
Só os cadastrados são 510. Mas é mais. Só que a realocação deles não é um problema nosso.
Qual a área total do reserva com o Zoo?
De matrícula são 820 hectares. É uma área só – um aparte do Zoo, que é cercada, e o resto do Horto. Mas é tudo da FZB. O problema é que temos bairros totalmente consolidados, pela própria prefeitura de São Leopoldo. Mas é terreno da FZB.
Discutimos na Justiça com a prefeitura de São Leopoldo – porque a ocupação no local é uma invasão. E eles nos cobram a taxa da coleta de lixo. Mas a prefeitura está ilegal, porque concedeu linha de ônibus, alvará, dentro de uma área que é nossa.
Fala-se no interesse da Unisinos em ocupar a área do Horto, fala-se no interesse do governo do Estado em ceder a área para um polo farmacêutico de empresas alemãs, cuja a instalação seria financiada pelo Badesul. Há alguma tratativa em andamento sobre isso?
Interesse tem, mas não posso falar pelo Governo do Estado. Da nossa parte, de fato, aqui não tem nada. Mas estamos fazendo a regulamentação fundiária da área.
Existem coisas confusas, temos uma matricula em Sapucaia e outra com o registro de São Leopoldo, da mesma área. Duas matriculas. Estamos regularizando, já fizemos o georreferenciamento da área.
Essa área aqui ao lado, no JB, utilizada pela Fepam, é da FZB?
É da FZB, mas tem um termo de cedência em vigência. A Fepam ainda não devolveu. São 2,3 hectares me parece. A área está sendo descontaminada porque era usada por laboratórios da Fepam.
A UERGS (Universidade Estadual) manifestou interesse em ocupar o local?
A reitora da Uergs já nos visitou e demonstrou interesse, mas não há nada oficial. Acho que seria uma boa a doação para Universidade construir ali sua reitoria, mas é uma decisão de governo.
Para finalizar, por que o governador ainda não visitou a Fundação Zoobotânica? Seria uma boa convidá-lo a plantar uma árvore, como fizeram seus antecessores, Ildo Meneghetti, Leonel Brizola, Antônio Britto…
Estamos planejando atividades para comemorar os 59 anos do Jardim Botânico, aberto ao público em 10 de setembro de 1958. Não posso adiantar as atrações que pretendemos trazer, porque também depende de recursos, mas certamente serão convidadas as autoridades do governo do Estado.
Dossiê Cais Mauá será “case” investigativo em congresso internacional de jornalistas
O Dossiê Cais Mauá, do Jornal JÁ, foi um dos nove trabalhos selecionados para um painel especial do 12º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, que acontece entre os dias 29 de junho e 1º de julho, em São Paulo.
A seção Mostre e Conte, agendada para a manhã de sábado, reúne apresentações de reportagens de fôlego abordadas por seus autores, os jornalistas. Naira Hofmeister fará um resumo da investigação financiada diretamente por leitores do JÁ, que revelou informações exclusivas sobre a polêmica concessão da área no Centro Histórico de Porto Alegre à iniciativa privada.
O panorama de reportagens abordadas inclui trabalhos com temáticas e suportes diferentes. Há uma angustiante narrativa de Adriano Wikinson, do portal UOL, sobre a agonia de um lutador de MMA para perder 2,7 quilos em uma noite e garantir vaga na categoria pretendida.
Já os jornalistas goianos Yago Sales dos Santos e Daniel Martins Brito estarão no congresso para apresentar uma matéria na Tribuna do Planalto que lhes rendeu perseguição após denunciarem que um pastor foragido da Justiça explorava violentamente dependentes químicos em tratamento para manter uma vida de mordomias.
Também serão apresentados trabalhos de jornalistas do Globo Esporte (Todo dia é dia: 5 histórias de mulheres que resistem no campo hostil do futebol), Gazeta do Povo, do Paraná (Bolsa Fraude / Operação Research), O Popular, de Goiás (Doadores de campanha recebem verba pública de deputados federais); além de uma investigação internacional sobre como a falta mundial de penicilina está ressuscitando doenças já extintas, outra sobre o sumiço de empregos em de Mariana (MG) depois que uma barragem de rejeitos da mineradora Vale do Rio Doce verteu sobre a cidade e a submergiu, além de um documentário de estudantes da Uninter (Paraná) sobre a imprensa e a Operação Lava Jato.
Segundo a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), promotora do congresso, a seção Mostre e Conte é inspirada em um formato muito popular em conferências nos Estados Unidos e Europa, chamado “lightning talks”, nas quais os participantes apresentam, em um pouco tempo, algo que criaram ou o processo de criação.
Cobertura diária e grande reportagem
No caso do Dossiê Cais Mauá, Naira vai apresentar o método de trabalho – que reuniu pesquisa histórica, em acervos públicos, e também técnicas de investigação como o uso da Lei de Acesso à Informação e de dados obtidos em portais da transparência – e o formato do produto final.
Isso porque o Dossiê Cais Mauá inclui uma série de três reportagens de fôlego – publicadas em março de 2016 – e o acompanhamento diário do assunto com matérias pontuais. Essa mistura de abordagens permitiu a ampliação da circulação de informações ao mesmo tempo aprofundadas e de atualização constante, oferecendo novos argumentos e incentivando o debate público sobre o assunto.
A repercussão do trabalho foi grande, alimentando a realização de uma audiência pública na Assembleia Legislativa. Outros veículos de imprensa do Rio Grande do Sul passaram a cobrir o tema e mencionaram a investigação do JÁ em suas matérias.
Atualmente, o Cais Mauá segue fechado para a circulação de pessoas – a única exceção é o terminal do catamarã. O consórcio detentor da concessão não apresentou garantias financeiras para a obra, que já atinge um valor estimado de quase um milhão de reais, e o contrato está sob investigação do Ministério Público de Contas e do Tribunal de Contas do Estado. As licenças também não foram concluídas pela prefeitura e não há prazo para o início das obras.
Cuthab propõe seminário sobre o impacto ambiental do projeto para o Cais Mauá
O Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e o respectivo Relatório de Impacto Ambiental (RIMA) do projeto de revitalização do Cais Mauá foram a pauta da Comissão de Urbanização, Transportes e Habitação (Cuthab) da Câmara Municipal de Porto Alegre na manhã desta terça-feira (16).
Participaram da reunião, no plenário Ana Terra, técnicos de diversas áreas, ligados à recém-criada Associação dos Amigos do Cais Mauá (Amacais), que apresentaram críticas e questionamentos sobre impactos ambientais e estruturais apresentados na proposta de recuperação do espaço.
Embora tenha sido convidado, o Consórcio Porto Cais Mauá, responsável pela obra, não enviou representantes.
Francisco Marshall, professor de História da Ufrgs, afirmou que o projeto de revitalização “é frágil, pois não possui idoneidade jurídica e não dá atenção às questões de mobilidade e harmonia da cidade”. Vice-presidente da Amacais, Marshall salientou que a entidade “não é contra o empreendedor e o capital privado, mas defende mudanças rigorosas no projeto”.
Também fundador da Amacais, o arquiteto Cristiano Kunze concentrou-se na construção de um shopping center, previsto no projeto, considerando inclusive que o local não é um “terreno pronto” para receber o prédio. Kunze também criticou a comparação da proposta de intervenção no Cais Mauá com concepções desenvolvidas no exterior. “Essas cidades possuem potencialidades que Porto Alegre não tem”, opinou, classificando como “risível” a área projetada para caminhadas rente à orla do Guaíba.
Impactos no Trânsito
“O EIA parte de premissas muito retrógradas e de conceitos que não condizem com cidades humanas e sustentáveis”, avaliou o também professor da Ufrgs Emilio Merino, doutor em Engenharia Urbana, com ênfase na área de transportes. Segundo ele, a empresa construtora admitiu que não há espaço para aumentar a capacidade de tráfego. As compensações sociais, portanto, não resolverão os problemas causados no trânsito pelo empreendimento. “Esse estudo deveria ser completamente revisado, pois é regido por pesquisas muito conservadoras e limitadas”, assegurou.
Na mesma linha, o presidente da seção gaúcha do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB/RS), Rafael Passos, garantiu que o projeto não se sustenta tecnicamente, mas sim por argumentos ideológicos. “É um exemplo do que não se faz mais em termos de planejamento urbanístico e ambiental”, afirmou. Passos também registrou que os trâmites têm corrido de uma forma “obscura e morosa”.
“Está acontecendo a maximização de compensação ao privado, enquanto o interesse público é vilipendiado ”, alegou o arquiteto. Passos defendeu ainda que o projeto retorne à fase do Estudo de Viabilidade Urbanística (EVU), por não cumprir a portaria nº 483/16 do instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), que estabelece restrições para intervenções em sítios históricos.
Primeiro vereador a se manifestar, Valter Nagelstein (PMDB) descreveu os representantes da Amacais como um “grupo ideológico” defensor de uma “minoria”, derrotada em todas as instâncias. “Para o projeto parar em pé, é preciso ter viabilidade técnica, social e econômica”, disse. O vereador defendeu a revitalização do Cais e a recuperação do Centro Histórico, descrito por ele como “feio, velho e degradado”. “A cidade está assim por conta desses setores que não permitem investimentos econômicos”, opinou Nagelstein.
A vereadora Fernanda Melchionna (PSOL), líder da oposição, contou que acompanhou todo o processo de discussão sobre o projeto para a obra do Cais e afirmou: “atende apenas aos interesses privados sem se preocupar com a cidadania”.
“O Tribunal de Contas do Estado já confirmou que não há viabilidade econômica para a obra acontecer”, lembrou Fernanda. A vereadora condenou também o que denominou como “premissas equivocadas adotadas no estudo” e criticou o não comparecimento do Consórcio Porto Cais Mauá.
Representantes da Prefeitura compareceram. O secretário adjunto de Serviços Urbanos (Smsurb), César Hoffmann, afirmou que não se pode retroceder na iniciativa de revitalização, mas concordou que os questionamentos devem ser esclarecidos. “Onde houver dúvidas de caráter ambiental, social e de planejamento, elas devem ser dirimidas”, apontou. Pelo Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae), a engenheira Airana do Canto garantiu que o projeto cumpre os requisitos de abastecimento de água e esgotamento sanitário.
Já o diretor-técnico da Secretaria Municipal de Planejamento e Gestão (SMPG), arquiteto Glênio Bohrer, alegou que todas as discussões sobre o Cais Mauá nos órgãos municipais foram feitas por colegiados, e que, ao ser lançado o edital de concessão, o consórcio vencedor apresentou um projeto adaptado ao regimento urbanístico. “O processo correu nos marcos que a lei exige e, inclusive, o empreendedor já foi obrigado a fazer mudanças no projeto original”, salientou
.No final do evento, o presidente da Cuthab, Dr. Goulart, encaminhou a proposta de Fernanda Melchionna, que sugere a realização de um seminário específico sobre o projeto de revitalização do Cais Mauá e seu impacto ambiental.
Também estiveram presentes no encontro o ex-vereador e ex-secretário do Meio Ambiente Beto Moesch; o professor de sociologia da Ufrgs Milton Cruz; a presidente da Amacais, Katia Suman; e o vereador Paulinho Motorista (PSB).
(Com Assessoria de Imprensa da Câmara de Vereadores)
"Extinção da Zoobotânica é vingança de Ana Pellini", diz professor Buckup
Cleber Dioni Tentardini e Geraldo Hasse
Aos 85 anos, o professor Ludwig Buckup nunca imaginou que depois de mais de meio século trabalhando pela sustentabilidade dos recursos naturais do Rio Grande do Sul veria o governo estadual extinguir a Fundação Zoobotânica (FZB), a mais importante instituição de estudos e pesquisas ambientais do território gaúcho.
Por isso, pensa em mover uma ação pública contra o governador José Ivo Sartori. Só não o fez ainda por não dispor de recursos para contratar advogado e sustentar o processo.
Além disso, há um precedente desanimador: dez anos atrás, Buckup viu ser arquivada por “falta de provas” uma ação judicial movida por ele e outros ambientalistas contra Ana Pellini, presidente da Fepam no governo Yeda Crusius, acusada de improbidade administrativa por descartar o Zoneamento Ambiental da Silvicultura (ZAS), documento preparado por técnicos da FZB para normatizar a implantação de projetos de silvicultura no Estado.
Na visão de Buckup, o fechamento da FZB configura a vingança final de Ana Pellini, atual secretária do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (nome da SEMA), contra a autonomia técnica da fundação responsável pelo Jardim Botânico, o Zoológico e o Museu de Ciências Naturais, com 60 anos de existência. Com 193 funcionários (43 pesquisadores), alguns já lotados na SEMA – entre eles se destaca a bióloga Luiza Chomenko, considerada uma das herdeiras ideológicas de José Lutzenberger -, a Zoobotânica pesa apenas 0,046% nas despesas estaduais de 2017.
É certo que seu fechamento obrigará o governo a contratar na iniciativa privada os serviços normalmente prestados pela FZB a baixo custo. Por exemplo, em 2015 a fundação cobrou R$ 176 mil pelo plano de manejo dos 14 mil hectares da Área de Preservação Ambiental do Delta do Jacuí; por um plano para 8 mil hectares da mesma área, uma empresa privada apresentou um orçamento de R$ 948 mil. Há inúmeras pendências na agenda ambiental dos próximos anos: em 2019, é preciso cumprir a obrigação legal de atualizar a lista da flora e fauna ameaçadas de extinção no Estado, tarefa tradicional da FZB.
Nesta entrevista ao JÁ, o professor Buckup expõe sua preocupação com o futuro da preservação dos recursos naturais do Estado. Nascido em São Paulo, ele vive em Porto Alegre desde 1951, quando chegou para cursar História Natural na UFRGS. Em 1958, concluiu o doutorado em Zoologia pela Universidade de Tubingen, na Alemanha. Foi docente e pesquisador na UFRGS de 1959 a 1990. Exerceu o cargo de pró-reitor de extensão nos primeiros anos da década de 1990. Como especialista em crustáceos, orientou alunos de pós-graduação no RS e no PR. Foi consultor de fundações e conselhos de pesquisa nacionais, como o CNPq e Capes.
JÁ – É possível reverter esse processo de extinção da Fundação Zoobotânica?
Prof. Buckup – Com essas bancadas que votam a cabresto, não tem volta. Essa turma leva uma gigantesca incompetência, não é capaz de entender as questões ambientais, a importância da diversidade biológica.
É verdade que o governador José Ivo Sartori foi seu aluno?
Quando me encontra, ele me chama de professor, mas eu não lembro porque havia mais de mil alunos por ano no Curso Mauá, que ajudei a fundar e do qual fui professor por muitos anos, inclusive na nossa filial em Caxias. Então deve ter sido lá que dei aula para o atual governador. Acontece que Sartori nem sabe o que acontece na Fundação. Ele é da turma dos comedores de passarinho de Caxias. Foi a secretária Ana Pellini quem mandou ele fechar a Fundação Zoobotânica. Não tenho dúvidas.
Por quê?
Ela tem um ressentimento profundo em relação à Fundação porque lá sempre foi um lugar de investigação científica, com equipes totalmente isentas de posições ideológicas em seus trabalhos, e de lá surgiram os argumentos que se opõem àquilo que a secretária, desde o governo Yeda, sempre quis: acabar com as restrições à livre exploração dos recursos ambientais, sem qualquer noção de sustentabilidade.
Restrições são as regras de licenciamento ambiental?
Ela começou substituindo técnicos da Fepam, da qual foi e voltou a ser presidente. O ressentimento da secretária teve início na época da expansão da silvicultura no Estado. Há uns doze anos atrás, os técnicos da Fepam se socorreram dos servidores da Fundação Zoobotânica para elaborar o Zoneamento Ambiental da Silvicultura, o ZAS. Era um vasto relatório com normas para que se regulasse o uso do espaço riograndense para a silvicultura com a preocupação de não afetar ambientes ecologicamente sensíveis, como restos de matas, campos, banhados e assim por diante. O ZAS fez o mapeamento das áreas que poderiam ser usadas para a silvicultura e as outras que deveriam ser preservadas. Esse relatório foi para as reuniões do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) e lá o governo Yeda retirou esse ZAS e mandou elaborar outro documento, fabricado pelo gabinete da secretária. Bom, praticamente abriu as porteiras do Rio Grande para os empreendimentos da silvicultura. Por conta disso, instituições como Agapan e IGRÉ processaram a secretária por improbidade administrativa. O juiz tomou o depoimento dos técnicos da Fepam e da secretária e decidiu por não acolher a denúncia por falta de provas.
A intenção, então, seria acabar com o conhecimento científico da FZB como oposição às estratégias do governo?
A secretária deve ter dito ao governador que o primeiro passo era fechar a Fundação Zoobotânica. Ela sabe que o trabalho feito lá vai contra a política de licenciamento frágil, solto e livre que ela tentou implementar desde o governo Yeda e hoje o faz com alegria. Então essas são as razões. Até porque o argumento da redução de custos é ridículo. O orçamento da Zoobotânica representa uns 0,04% do total do Estado.
Segundo os servidores, é o terceiro menor orçamento ambiental entre os estados.
Imagina. Tem muitos outros órgãos que gastam bem mais e são inteiramente desnecessários.
Será que se aplica o mesmo raciocínio para a Fepagro, Cientec, FEE…
Não posso afirmar assim sem subsídios. A Fepagro sempre desempenhou um papel importantíssimo para o campo da agropecuária. Agora, nunca se sabe realmente a pressão exercida pelas empresas ligadas aos setores sobre o governo. Mas isso são hipóteses. O que eu posso afirmar mesmo é em relação à Zoobotânica.
Se falar só de pesquisa e conservação, quem vai cuidar do cactário, do serpentário, das coleções do Museu de Ciências Naturais?
A iniciativa privada, as universidades, por exemplo, não têm espaço, dinheiro nem pessoal para absorver todas as atividades da Zoobotânica. E o problema é o seguinte: o governo não discutiu com ninguém a extinção da Fundação, nem com os antigos dirigentes nem com os servidores mais antigos, biólogos consagrados como Benck, Malabarba, Grazia, Miriam Becker, gente que passou por lá. Daí conclui-se que o governo não está nem aí para o que vai acontecer com o gigantesco e valiosíssimo acervo documental da diversidade biológica riograndense. Essa é a grande preocupação. Um acervo biológico, por exemplo, embora esteja morto, tem que ser conservado, examinado e tratado quase que diariamente. A coleção de insetos, por exemplo, cria mofo. O herbário, da mesma forma. O Museu tem tecnologias apropriadas para garantir a sobreexistência. E mais do que isso, são materiais ‘tipo’, que em zoologia significa que serviram de base para identificação de espécies novas. Dá nome, identifica, características biológicas, geográficas, importância econômica, ambiental, para a saúde… Estão lá, conservadas, como testemunho que um dia existiram em determinado lugar, em determinadas circunstâncias. Quem vai cuidar disso.
O senhor foi um dos fundadores do Museu de Ciências Naturais?
É preciso contar uma história. Tudo isso nasceu por iniciativa de um dos mais ilustres políticos do Rio Grande, que se chamava José Mariano de Freitas Beck. Ele foi secretário de Educação e Cultura do governo do general Ernesto Dornelles. Mas de Cultura só havia o Museu Julio de Castilhos. Então ele criou a Divisão de Cultura e três subdiretorias, e nomeou para a diretoria de Ciências o padre jesuíta Balduíno Rambo. A Divisão de Cultura começou num prédio na Praça Dom Feliciano onde funcionava o V Comar (da Aeronáutica). Eu, recém-formado, fui um dos auxiliares do padre Rambo. Então sugeri a ele que criasse um museu para reunirmos acervo biológico a fim de fazer pesquisas. Esboçamos um projeto bem simples, foi aprovado pelo secretario Mariano Beck e mandamos para a Assembleia, que em uma semana aprovou por unanimidade, graças à liderança do deputado Siegfried Heuser, um político excepcional. Criado o Museu Riograndense de Ciências Naturais, saímos a campo para coletar material. Fui falar com o historiador Dante de Laytano para recolher o material zoológico do Museu Julio de Castilhos. Ele nos cedeu uma coleção famosa de borboletas, uma série grande de obras sobre ciências e assim por diante. Fundamos uma revista chamada Iheríngia, em homenagem ao naturalista Hermann von Ihering. Em cinco anos era considerado o terceiro melhor Museu de Ciências Naturais do Brasil. Aí mudamos para a rua Coronel Vicente, voltamos para a Praça Feliciano e depois fomos para um andar no antigo prédio da Mesbla. De lá eu saí para assumir o magistério na universidade.
Especula-se muito sobre os interesses imobiliários em cima da área física do Jardim Botânico…
Décadas atrás já pensaram em transformar em um grande centro de convenções. Outro pensou em instalar lá uma tevê educativa. No final da década de 50, a convite do padre Balduíno Rambo, fui acompanhado do então secretário de Obras, João Caruso, olhar aquela área destinada ao Jardim Botânico. Estendia-se da avenida Ipiranga à atual Salvador França, e no outro lado, a Cristiano Fischer. No período de exceção, o Exército tomou uma parte, a Brigada tomou outra, o Hospital da PUC levou a parte baixa, a mais fértil, úmida. Os técnicos até que conseguiram utilizar parte do solo mais seco. Agora, qualquer vegetação mais parecida com os solos úmidos do Rio Grande do Sul não vinga. A poda de áreas físicas culmina agora com a extinção do Jardim Botânico. Qualquer cidade civilizada do mundo tem um jardim botânico. Um grande atrativo popular e educacional. As plantas estão identificadas. Hoje a juventude não tem outro local, senão a FZB, para saber o que é um pau brasil, a canjerana, o cedro. As peculiaridades das espécies, como e onde crescem melhor, isso tudo vai acabar, inclusive vai desaparecer o produtor de mudas nativas que cede material para reflorestamento. Agora, eucalipto e pinus a secretária poderá oferecer para todo mundo. Os Campos de Cima da Serra vão mudar para Pinus de Cima da Serra. De Ausentes até Canela, está tapado de pinus, árvore que nem húmus forma. É material que não se decompõe. Aquilo é uma lavoura, não floresta. Não existe sub-bosques, nada cresce embaixo. O problema é a mentalidade dos administradores no Rio Grande do Sul e em outros estados que só pensam em gerar receita.
E como ficam as pesquisas em andamento na FZB, algumas com aporte financeiro de instituições internacionais?
Pois é, isso é o mais lamentável, as pesquisas da Fundação Zoobotânica tinham forte apoio das entidades de pesquisa do Brasil e do exterior. O Museu é uma dos mais conceituados junto à Capes, à Finep e outros órgãos de financiamento. São pesquisas que o Estado nunca teve que pagar.
Sem a instituição, as fontes de pesquisas irão acabar.
Claro.
O Ministério Público tem se pronunciado contra o esvaziamento das atividades da Zoobotânica enquanto os funcionários estiverem lá. O que mais poderia ser feito junto ao MP?
Já me passou pela cabeça isso. Acho que é preciso mover uma ação pública contra o governador do Estado. Mas a gente se sente tão impotente frente a essa máquina montada pelo governador, um Legislativo que apoia qualquer coisa que venha do Piratini. Não há adesão ideológica. Como funciona no Congresso Nacional, é praticamente tudo em troca de cargos no governo e de outras benesses. E outro detalhe, para mover uma ação judicial, tem que constituir advogado, que custa caro. Se perder, eu tenho que pagar sozinho.
A municipalização dos licenciamentos ambientais entrou nesse pacote para fragilizar as leis de controle?
Sim. Imagina se o município vai ter condições de executar atividades específicas que os técnicos altamente qualificados da Fundação Zoobotânica realizam. Não sei como vai ser. Os rios, os campos, o uso indiscriminado de agrotóxicos… Sabe que a Fundação Zoobotânica é responsável pela administração e manutenção de todos os parques estaduais, cerca de 20. No Parque Estadual do Turvo, no Alto Uruguai, existem as últimas cinco onças pintadas no Estado, dois machos e três fêmeas. Estão lá porque existem seguranças, senão os fazendeiros já teriam matado. Pra eles, é mais fácil matar uma onça do que recolher as ovelhas de noite para a onça não comer. No planalto virou esporte matar o nosso leão baio, o puma. Porque ele come mesmo as ovelhas, devido à alimentação escassa nas matas.
O senhor acha possível recuperar o terreno perdido na questão ambiental?
Sem dúvida, estamos sendo derrotados pela imaturidade política dessa gente e do povo, que não estão preparados para viver uma democracia plena. A própria pesquisa está contaminada pelo viés econômico dos projetos. O princípio da sustentabilidade ambiental não foi inventado agora. Estamos vivendo uma crise cujo grande remédio seria a reeducação dos futuros eleitores. Mas você desanima se olha a situação da educação: não é priorizada. Por que o eleitor vota em alguém sem saber suas propostas? A imprensa também não informa direito. Não faz muito eu mandei um ofício por e-mail para um apresentador de jornal corrigindo-o. Ele disse que as praias do Rio Grande do Sul estavam infestadas de águas vivas! Mas como se o mar é o ambiente delas? Infelizmente, a ignorância ambiental está no poder.
Sobre (auto)elogios de um brioso magistrado de piso
Eugênio Aragão
Ex-ministro da Justiça da Presidenta Dilma Rousseff, advogado e Professor Adjunto da Universidade de Brasília.
Li hoje que o Sr. Sérgio Moro, juiz federal de piso no Estado do Paraná, fez distribuir nota com um elogio público do sorteio do Ministro Edson Fachin para a relatoria dos feitos relacionados com a chamada “Operação Lava-Jato“.
Eis o teor da nota, chocante pelo estilo burocrático e canhestro, indigno de um magistrado e surpreendente num professor com doutorado:
“Diante do sorteio do eminente Ministro Edson Fachin como Relator dos processos no Supremo Tribunal Federal da assim chamada Operação Lava Jato e diante de solicitações da imprensa para manifestação, tomo a liberdade, diante do contexto e com humildade, de expressar que o Ministro Edson Fachin é um jurista de elevada qualidade e, como magistrado, tem se destacado por sua atuação eficiente e independente. Curitiba, 02 de fevereiro de 2017. Sérgio Fernando Moro, Juiz Federal”.
O juiz de piso escreveu uma carta de recomendação. Como o destinatário declarado, o Ministro Fachin, dela não carece, conclui-se que o verdadeiro destinatário é o próprio Sérgio Moro. Tal impressão não é desfeita pelas referências às “solicitações da imprensa” ou ao autoproclamado caráter “humilde” da iniciativa, desculpas esfarrapadas para seu autor aparecer. Nem é preciso dizer que o juiz desconhece seu lugar. Inebriou-o a celebridade construída às custas da presunção de inocência dos seus arguidos e da demonstração pública de justiceirismo populista.
Com a simplicidade e sabedoria do sertanejo do Pajeú, meu pai, de saudosa memória, ensinou-me que não se elogia um superior na hierarquia funcional. Fazê-lo pode parecer sabujice ou soberba. Elogio se faz a subalterno ou, quando muito, a colega. Um elogio do Sr. Sérgio Moro ao Ministro Fachin nada acrescenta à condição dest’último, que é, ou não, um “jurista de elevada qualidade” independentemente da opinião do juiz singular, pois o Sr. Moro não é igual nem superior ao Ministro por ele elogiado.
Quanto às “solicitações da imprensa”, melhor seria que o juiz singular não as tornasse públicas, pois se já é feio um juiz receber tais solicitações – tecer juízos sobre ministros do STF -, muito mais feia é a sua avidez em atendê-las. Um magistrado de piso não existe para julgar, para a mídia, os magistrados de instância superior. Ainda que lhe perguntem, não convém que responda. Suponhamos, só para argumentar, que o Sr. Moro considere o Ministro Fachin um desqualificado; será que “toma a liberdade” e dirá isso à imprensa? Claro que não, a não ser que seja doido varrido. Logo, dizer que o Ministro Fachin é qualificado sempre levantará a dúvida sobre a sinceridade do juízo, carente de alternativa assertiva. Por isso, dizem os antigos: em boca fechada não entra mosca!
Quanto à humildade, quem deve qualificar nossas atitudes como tais são os outros. Autoqualificá-las é, por excelência, uma autoexaltação e, portanto, a negação da humildade.
Segundo disseminada sabedoria popular, conselho bom é para ser vendido, não dado. Mas este ofereço de graça ao Sr. Moro: fale menos e trabalhe mais discretamente. Fale nos autos. Evite notinhas. Não jogue para a platéia. Não faça má política, mas administre a boa e cabal justiça. Defenda a autonomia do Judiciário e não aceite ser pautado pela imprensa, que não o ama, apenas o usa e o descartará quando não for mais útil. Se não acreditar em mim, pergunte ao colega Luiz Francisco Fernandes de Souza, aquele procurador tão assíduo nas páginas de jornais durante o governo FHC, hoje relegado ao ostracismo de um parecerista em instância de apelação.
Um juiz não deve ser um pop star. Na esteira do velho Foucault, o Judiciário deve cultivar a timidez e o recato atribuídos pela revista VEJA à Sra. Marcela Temer. Isso vale a fortiori para a justiça penal. Seu objetivo pós-iluminista não é a exposição de um bife humano esquartejável em praça pública, mas a suposta “recuperação” do cidadão que cai em sua malha. No Brasil, mui distante da Noruega, isso é uma quimera, mas é também a meta, sem a qual nunca poderemos sonhar com a redução do elevado grau de criminalidade. O imputado exposto é um imputado destruído, sem nada a perder e, portanto, de difícil reacolhimento social, com ou sem culpa. Conduzido “de baraço e pregão pelas ruas da vila”, exposto à execração pública no pelourinho, é mais provável que se considere injustiçado e não consiga ver legitimidade na atuação do seu juiz. Dê-se o respeito, Sr. Moro, para que todos possam respeitá-lo (e não apenas os membros do seu fã-clube, com a cachola detonada pelo ódio persecutório). Juízos ostensivos sobre magistrados de instâncias superiores não contribuem para tanto.
É bom lembrar, por último, ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que sobra tempo ao juiz Moro. Dedica-se o magistrado de piso a tertúlias com a imprensa, redação de notinhas, palestras no Brasil e no exterior, verdadeiras tournées de um artista buscando aplauso. Para tudo isso, recebeu, afora passagens e, quiçá, cachês ou diárias, o direito reconhecido pela corte regional, de funcionar, com exclusividade, nos processos da “Lava-Jato”, sem qualquer outra distribuição. Em outras palavras, nós contribuintes estamos pagando por esse exibicionismo, sem que sejamos compensados com serviço em monta equivalente. No mais, fere-se, com essa prática de privilégio, o princípio do juízo natural, ao dispensar-se, esse juiz, da distribuição geral da matéria de competência de seu ofício. O excesso de trabalho, com certeza, não é motivo crível para tratamento tão excepcional. Antes pelo contrário: como, a todo tempo, parece se confirmar, no seu caso, o aforismo “cabeça vazia é oficina do Diabo”, melhor seria devolver-lhe urgentemente a jurisdição plena por distribuição aleatória, para que se abstenha de notinhas tão degradantes para a magistratura.
Qual a razão da grande imprensa não apoiar claramente o Governo Temer se apoiou claramente o Golpe?
Daniel V. Sebastiani – Professor Fundação Liberato/NH
Em primeiro lugar é preciso destacar que os valores da grande imprensa são capitalistas/burgueses pelas razões a seguir:
- O proprietário de uma grande empresa é um capitalista, portanto a maior probabilidade é que pense como um capitalista, ou seja, ache que chegou a ficar rico pelos seus méritos ou da sua família, ache que é justo que a família passe esse patrimônio para ele, ache que as diferenças sociais e a miséria são tão naturais como a lei da gravidade e é ilusão tentar mudá-las, tenha medo de qualquer alteração social que ameace o seu patrimônio e a sua segurança, etc.;
- Além do mais, uma família como os Marinhos nunca teria tido todo o apoio do Governo, essencial para se tornarem um monopólio da comunicação, durante a Ditadura, se fosse uma família com ideias socialistas ou comunistas (!), isso vale para qualquer grande empresa do mundo capitalista, com ditadura ou não.
No entanto, ter e imprimir na sua empresa/imprensa, os valores burgueses, não implica, necessariamente, na mediocridade e no isolamento social. Pelo contrário, uma empresa de comunicação precisa ganhar espaço junto aos leitores “clientes”.
Isso não significa que a imprensa/empresa vá adotar uma linha de contradição com os interesses do proprietário, (nunca veremos a Globo atacar o monopólio da comunicação ou a excessiva riqueza da família Marinho, e, por analogia, qualquer princípio que atinja os interesses mais gerais da elite brasileira, à qual essa família pertence); mas significa que ela vai mediar seu interesse com a sua receptividade junto ao seu público de clientes essenciais.
O que é um cliente essencial? Ora, é aquele que é essencial a permanente capitalização da empresa.
E no Brasil quem é este cliente essencial da grande imprensa? A pergunta certa é: quem permite a capitalização permanente da imprensa/empresa?
Aquele que garante os anunciantes, que são os que, por sua vez, garantem o capital da grande imprensa/empresa: as camadas médias!
Os ricos são poucos, o mercado brasileiro não poderia sobreviver somente com eles: perceba que os anúncios na imprensa, raramente são de artigos de alto luxo. Não vai se gastar milhões para fazer propaganda, no meio da novela da Globo, por exemplo, de Ferraris ou Yates, mas sim de carros que a camada média pode comprar.
Os trabalhadores compram pouco de maior valor e, quando o fazem, seguem os padrões, (não do rico cujo mundo nem enxergam), mas das camadas médias.
Conclusão: há uma aliança intrínseca e profunda de interesses entre a grande imprensa/empresa, (propriedade dos ricos), e as camadas médias brasileiras.
Primeiro isso implica num profundo compromisso ideológico com o sudeste e sul do Brasil, onde se concentra o essencial da burguesia e das camadas médias.
Segundo, para proteger os interesses da burguesia, sobretudo rentista, ameaçados pelos governos populares em tempos de crise, a elite abriu mão de um dos meios tradicionais no Brasil, (desde o Getúlio de 1951-54), de atrair as camadas médias para o seu lado: a caça à corrupção endêmica e histórica do estado brasileiro que, desde as capitanias hereditárias, confunde o público e o privado, e que subsiste em um regime que prioriza a riqueza, como o capitalismo, gerador de corrupção dos EUA ao Japão, mas que se torna particularmente forte no Brasil, por várias razões históricas, como a citada.
O problema é que a grande corrupção beneficia essencialmente os ricos, que a usam para garantir seus interesses junto ao estado brasileiro e, subsidiariamente, aos integrantes das camadas médias que gerem o estado/carreiras de estado e se deixam corromper: políticos, militares (sobretudo na ditadura) e integrantes do judiciário.
Mas, a maioria das camadas médias nada ganha com a grande corrupção, (embora, de forma hipócrita, muitas vezes se beneficie da pequena, como evadir impostos, colar em provas, estacionar onde não pode, etc.).
Por isso, a camada média compra o discurso e a cruzada santa contra a corrupção com muita facilidade, o mesmo espírito que lhe faz desprezar o igualitarismo e o povo: uma profunda e calvinista ideia da realização pessoal pelo trabalho que, cientificamente, se mostra ridícula, falsa e base da mais abjeta hipocrisia. Mas isso eles não sabem ou reconhecem.
A grande imprensa/empresa usou e abusou deste fenômeno para atrair as camadas médias contra o Governo Dilma e da esquerda, em particular do PT.
O problema é que, ao contrário da Ditadura, que cerceava toda e qualquer informação, o que restou da democracia brasileira demonstra o óbvio: o Governo Temer e seus asseclas foram, são e serão filhos do tipo de política feito pela elite brasileira desde as capitanias hereditárias, ou seja, vinculadores do interesse particular com o do estado, ou seja, mais uma vez, corruptos.
Para a grande empresa/imprensa não é tão fácil simplesmente mudar o discurso, ainda mais em relação a uma camada social com elevado grau de escolarização e algum conhecimento e um mínimo de cultura, como são as camadas médias brasileiras, seus clientes essenciais.
Essa imprensa/empresa é obrigada a se distanciar do Temer, mais do que gostaria, e flertar com o Judiciário, mais do que gostaria. Quem acompanha a mídia e seus principais colunistas percebe o esforço em salvar o Projeto do Temer, não deixando desmerecer um com o outro, o que é difícil, e para reduzir o ímpeto fanático da “República do Paraná”, MP e judiciário, sem parecer conivente com aquilo que seus clientes cultuam, incentivados pela sua própria propaganda anterior.
Evidente, analisamos aqui um dos aspectos que compõe a complexa realidade. Há outros:
- A deriva autoritária, que certos setores das classes dominantes gostariam de ampliar, e que se fortalece com a ação do Judiciário, do MP e da “República do Paraná”, que desmerecem a “política” e, por óbvia extensão, a democracia e, tão grave quanto, os interesses da soberania nacional;
- Os particularismos de alguns políticos da direita de garantir mais espaços, talvez derrubando o PMDB;
- A compreensão de setores da elite política e das classes dominantes de que é preciso ter um Governo Federal mais forte e ilibado politicamente para aprofundar as reformas contra os trabalhadores e a massa salarial;
- A tentativa de deixar fragilizado o atual Governo para evitar que veleidades políticas ou eleitoralistas dos políticos não comprometam a força das reformas, etc.
O problema é que o Governo está fazendo o que as classes dominantes querem, mas está desgastado, e sendo desgastado pelos fanáticos do Paraná.
Eleger alguém, (menos queimado pela corrupção ou medidas impopulares), mas eleito pelo Congresso (!), daria mais legitimidade e/ou estabilidade para continuar as reformas anti-povo? Quais contradições gerará uma mudança de governo na elite política e na união direita-centro no Congresso?
Essas dúvidas devem ser as deles nesse momento. Veremos o que nos aguarda em 17.
A sombra da desonra cobre a casa do povo
Jorge Barcellos – Doutor em Educação
O desencontro entre a ética e a política pode ser observado na facilidade em com que a mentira impera na vida pública. Para o cidadão que busca o decoro e a compostura dos comportamentos dos seus representantes, dizer-a-verdade é um imperativo e a presença de práticas e comportamentos transgressoras desses valores e normas colabora para o desaparecimento do respeito à lei e às regras da sociedade.
A conclusão advém da análise de um fato que aconteceu no terceiro dia consecutivo de votação das medidas previstas no pacote do governo de José Ivo Sartori (PMDB) na Assembleia legislativa e que é um exemplo de que a mentira ainda existe na vida política. A história foi narrada pela jornalista Fernanda Canofre, do Jornal SUL21, que mostra que a mentira foi ingrediente estratégico para calar a oposição ao pacote que terminou com a extinção da Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde (FEPPS), extinta por 28 votos a favor e 25 contra. Ciro Simoni (PDT) viu ruir um acordo do PDT com o PTB pela manutenção da Fundação. Diz Canofre: ”. Pelas contas da oposição, o governo precisaria de um voto para aprovar o PL de extinção da FEPPS. Tinha 27, até então. Ciro acordou com o deputado Aloísio Classmann que a oposição abriria mão do tempo de falas na tribuna, apenas ele se manifestaria em defesa da Fundação, em troca de o PTB tirar o voto que o governo precisava para ganhar. O acordo foi fechado e nenhum deputado de oposição, fora Ciro, ocupou o espaço da tribuna”. Não foi o que aconteceu. O PTB mentiu para Ciro Simoni.
Por que os políticos mentem? A questão remete a um problema epistemológico e a um contexto no qual os políticos se debatem e se prolonga desde quando víamos na televisão ao final da CPI da Assembleia Legislativa a discussão sobre a legitimidade do Governo Yeda. Lá, depoimentos entrelaçarem-se em uma série de questões mal respondidas – se a casa de Yeda foi reformada com dinheiro do Caixa 2 da campanha, se sua equipe de governo tinha ou não conhecimento dos fatos envolvendo a governadora, etc., etc. Ao final fica para o observador, ao menos uma certeza: alguém está mentido. A história se repete: feito um acordo com base na palavra, dá-se a fé na honra política, isto é, na capacidade de cada político de honrar o acordado.
Acordos verbais são necessários a ordem política. Eles permitem que os indivíduos num curto espaço de tempo façam os acertos necessários para dar rumo a matéria legislativa. Combinações, acertos, negociações, troca, é disto que se fala na política. E para isso, é preciso ter fé na palavra do político, do colega, um artigo aparentemente em falta no PTB da Assembleia Legislativa. Se os políticos não puderem confiar no que combinam, como poderão fazer uma política com seriedade?
O argumento de que o governante teria o direito de mentir em benefício da comunidade se contrapõe ao direito a informação verdadeira por parte dos governados. Os trabalhadores da FEPPS que acompanharam a sessão foram enganados, acreditavam que seriam salvos, e silenciaram, mas terminaram extintos. Em qualquer situação, precisamos urgentemente proteger a verdade política. Não é evidente que a ilusão e a mentira dominem totalmente o espaço do poder. Ao contrário. Quando vemos que um acordo entre deputados de partidos diferentes que era decisivo para o futuro de um projeto ser quebrado, estamos diante de um dilema da legitimidade política que precisa ser debatido. Eu deposito meu voto num político honesto: como ele pode faltar com sua palavra em um momento de perigo (Benjamin)?
A verdade é que o acordo foi quebrado porque o placar combinado teve outro resultado. Alguém mentiu. Dos 5 parlamentares do PTB, 2 votaram contra extinção – Classmann e Ronaldo Santini – e 3 a favor – Luís Augusto Lara, Mauricio Dziedricki e Marcelo Moraes. O acordo do PDT com o PTB era de que apenas um voto sim seria não, o que derrotava a pretensão de Sartori de extinguir a fundação. Porque era importante manter a FEPPS? Para Maria do Rosário “A Fundação Estadual de Produção e Pesquisa em Saúde (FEPPS) desenvolve funções exclusivas para a saúde pública do Estado como o controle epidemiológico, o gerenciamento das doações de sangue e realização de exames de DNA, dentre outros serviços. Os prejuízos também serão enormes e lembremos que a Fepps é referência no atendimento a pacientes com hemofilia, através do Hemocentro do Estado (Hemorgs) e da Hemorrede Pública (rede de hemocentros). Além disso, a Fundação realiza exames de paternidade para crianças de famílias de baixa renda. Segundo a Defensoria Pública do Estado, cada exame de DNA realizado pela FEPPS representa menos cinco ações que ingressariam no Poder Judiciário. Sobretudo, é o Estado garantindo um serviço como direito dos que precisam. A extinção da FEPPS também coloca em risco o trabalho realizado pelo Laboratório Central do RS que realiza análises de resíduos de agrotóxicos em alimentos, hepatites virais, HIV, tuberculose, cólera, dengue, febre amarela, leptospirose, H1N1, infecções hospitalares, análise de águas, medicamentos, leite, entre outros. ” Se eu elejo um vereador do PTB, defensor do trabalhismo, do trabalhador, é por que acredito que ele seja capaz de defender instituições que protejam o trabalhador: extinguir a FEPPS só fará bem para o Capital, até Alberto Pasqualini, onde quer que esteja, sabe disso.
Nenhum argumento foi capaz de fazer o PTB manter sua palavra. Havia no PTB aqueles que sinalizavam ter aceito os argumentos em defesa da fundação e, para evitar discursar até as 5 horas da manhã, acordaram, deram sua palavra, que não dariam a maioria que o governador queria. Essa foi a posição do partido. Se erraram, porque o PTB não pediu renovação de votação? Em entrevista ao SUL21, Ciro Simoni reconheceu que fez um acordo com o PTB: ” O deputado [Aloísio] Classmann é um homem em quem eu confio, foi com quem eu fiz o acordo e esse acordo não foi cumprido com alguém da bancada. Não acredito que tenha sido o deputado Classmann. Quero dizer que, certamente, não foi o deputado Lara. Porque é outra pessoa que eu conheço, participei da conversa dos dois quando conversaram. A verdade é que tínhamos um acordo, tanto é visto que ninguém se manifestou. Estava dentro do acordo só a minha manifestação, nem da bancada do PT, nem do PC do B. Vocês viram que durante todos os projetos polêmicos aqui, todo mundo se manifestou. É para mostrar que havia um acordo. Infelizmente, ele não foi cumprido “
A mídia hegemônica da capital pouca atenção deu ao detalhe, prestando um desserviço à sociedade, pois assim enfraquece a ideia de que a verdade é a base da confiança, e a confiança, alicerce para a vida em comum e, portanto, essencial a vida política. Quando assistimos as lideranças fazerem um acordo político, esta é a verdade da política, é sua natureza, baseada na honra da palavra, essência da vida do plenário. Quando ela não se cumpre, estamos dizendo que há mentira entre os políticos. É preciso inverter os termos da relação verdade/mentira na política, abandonar a concepção de que a mentira é um mal menor. Não é: Ciro Simoni reitera “Imaginar que isso tenha acontecido, é coisa quase impossível nesta Casa, porque esta Casa, por mais difícil que seja a conjuntura, sempre cumpriu seus acordos. ”
O retorno da mentira à política é porque ela torna-se o ingrediente essencial no fomento do autoritarismo. Se desde o início dos anos 90 a política inseriu-se no espaço da mídia e a mídia transformou-se num campo de batalha pelo poder, o que fazem e dizem nossos políticos ficou mais próximo dos cidadãos. Na época em que inexistia a TV Assembleia era possível que situações como essa, votações na calada da noite, acordos duvidosos e políticos que não cumprem acordos poderiam passar batido. Agora não, os políticos precisam ter cautela com o que dizem, ter cuidado com suas promessas. Elas são televisionadas, acompanhadas no detalhe pela imprensa. Para se atingir os políticos, eles sabem que é preciso agir pela mídia. A palavra dada é sua única proteção. Por isso em todo o mundo líderes políticos tiveram sua imagem destruída por uma série de escândalos que normalmente dizem respeito a ordem moral (comportamento sexual inadequado, problemas de alcoolismo) mas que também dizem respeito a corrupção política e ao que dizem, ao modo como conduzem a política. Agir indevidamente, trocar de favores, desde o escândalo do governo Fernando Collor de Mello tem sido o combustível da mídia mais fornecido pela vida pública: mentir parece ser o primeiro passo capaz de destruir um político ou um partido. Que o PTB tome cuidado, tudo o que faz está sob as vistas das câmeras.
No caso do escândalo envolvendo Yeda Crusius, sua especularização teve um significado. Viu-se que era um erro pensar que aquele governo fosse mais ou menos honesto ou corrupto que seus antecessores. Como lá e hoje, o olhar deve ser direcionado: as denúncias e notícias que vem a público revelam o nível de nossa sociedade democrática, o nível da liberdade de imprensa e o nível moral de nossos políticos. Se a imprensa burguesa não enfatizou, o eleitor deve ser atento: o PTB foi pego na mentira e isto é um escândalo político. Ocorreu porquê este silencio? Porque a mídia burguesa apoia o projeto neoliberal de José Ivo Sartori. Quem saiu perdendo: os bons políticos que buscam a verdade e não enganar seus colegas de plenário.
Ao tornarmos conscientes destes processos de manipulação, de ocultação de gesto, de ausência de discursos sobre o que é importante, nos tornamos crítico a política que nos cerca. O que é positivo na política do espetáculo é que retira o poder dos políticos para trazê-lo para o campo da sociedade. Agora, tudo é visível, mesmo na calada da noite. A mentira é negativa, ruim para a política, ela retira a legitimidade dos partidos identificados mais uma vez a corrupção. A conclusão que fica é que, se no plano da res pública, a mentira leva a corrupção, e a imprensa é havida em transformar corrupção em espetáculo, por isso é preciso defender os mecanismos de defesa da sociedade, o valor das instituições democráticas e a verdade na política.
Tanto o governo Yeda teve muito a explicar como o PTB tem agora. Não cabe a nós pré-julgar sem provas mas apontar as consequências do fato. Se a imprensa tem o mérito de nos levar a tomar conhecimento da corrupção, dos acordos rompidos e das mentiras trocadas entre partidos, cabe ao cidadão exigir suas explicações e a sociedade usar de mecanismos para fazer valer o seu controle, além de ser audiência ela detém o poder do voto. E pode tirar da política aqueles que mentem. Se o sistema da mídia, em suas relações de simbiose com as instituições políticas, transforma escândalos em artigo de venda, os políticos têm mais uma razão para estarem atentos. Continuamos precisando dos bons políticos, aqueles que vão a fundo na defesa de sua palavra e usam seu tempo de tribuna não para iludir, mas para buscar acordos que representam o desejo da sociedade.
É preciso utilizar de outros recursos para julgar o comportamento de um político e que eles sejam em si mesmos remédios contra a mentira, que inibam a corrupção na busca da verdade. Disse o Deputado Pedro Ruas ao site Globo.com: “Nós temos levado adiante a estratégia de debater insistentemente cada projeto na medida em que é importante, já que eles não foram debatidos com a sociedade. Agora havia um pedido do PTB, de que nós não discutíssemos esse projeto da Fepps, porque o PTB nos daria os votos necessários para reprová-lo. E não aconteceu isso, lamentavelmente. Isso nos deixou muito triste, particularmente porque nós sempre debatemos e, dessa vez, deixamos de debater para respeitar o acordo, que não foi respeitado pela outra parte(…)foi tão forte, tão intenso, que os deputados não puderam ficar no plenário. Não tinha mais clima”, completou.
Essa ausência de clima, este mal-estar apontado por Pedro Ruas é o testemunho da desintegração parcial de uma instituição. A política se funda na palavra, na oratória, na gestão dos bons argumentos. Se a palavra é falseada, o debate não tem valor, e a instituição entra em processo de corrosão e agora, a vista de todos graças a mídia que faz ver a mentira que supera a verdade e as consequências do que foi capaz de fazer. O que é positivo nesta política do espetáculo é que retira o poder dos políticos para trazê-lo para o campo da sociedade, tudo é visto, inclusive, os bastidores da política. O que é negativo na mentira na política é que se retira a legitimidade dos partidos, identificados mais uma vez a corrupção.
O PTB caiu na armadilha do sistema que ele mesmo ajudou a construir. O PTB abandonou sua ideologia por interesses de ocasião, que usou da mídia para fazer-se apresentar a sociedade seus candidatos como sinônimo de novidade na política, viu-se denunciado pela oposição como incapaz de cumprir acordos. Isso é um escândalo. A conclusão que fica é que, se no plano da res pública, a mentira leva a corrupção, é preciso defender os mecanismos de defesa da sociedade e o valor das instituições democráticas.
O PTB ainda tem muito a explicar. Surgido em 1945 e fundado por Getúlio Vargas, como é possível que um partido que tem o Trabalhismo no nome e figuras como Alberto Pasqualini, um notável defensor do trabalho e dos trabalhadores, possa ter traído um acordo para preservar uma instituição e seus funcionários? Se a atitude do PTB tem um significado, é de nos provar a sua própria corrosão, e cabe ao cidadão exigir suas explicações e a sociedade deve usar de outros partidos para efetuar sua representação nas próximas eleições.
Se o sistema de acordos políticos já não é eficaz é porque as relações de simbiose dos partidos, como o PTB com a mentira é necessária para aprovar projetos que destoam do ideal histórico do partido, de agora em diante, a defesa do ideal trabalhista já não é suficiente para garantir a crença da sociedade no partido. Por isso continuamos precisando de bons políticos, inclusive no PTB, para que vão fundo na recuperação da ideologia do partido e não se tornem aliados de ocasião a projetos que vão na contramão de suas origens, contra sua ideologia. Nas próximas eleições, os cidadãos terão uma evidencia nova para julgar o comportamento dos político que se apresentam como novidade do partido, é necessário votar naqueles candidatos que inibam a corrupção na busca da verdade. A ação do PTB desonrou a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul: o partido precisa fazer seu mea culpa, pedir desculpas, assumir que errou como todos os demais.
TCE julga nesta quinta pedido de suspensão de obras no Cais Mauá
Naira Hofmeister
O Tribunal de Contas do Estado (TCE) julga nesta quinta-feira (24) o recurso do procurador de Contas do Estado, Geraldo da Camino, que pede a suspensão de qualquer intervenção na área do Cais Mauá antes que sejam elucidadas dúvidas dos órgãos de controle quanto à legalidade do contrato de concessão para a iniciativa privada.
“Decorridos mais de cinco anos da assinatura do contrato, permanecem sem resolução questões com significativo potencial para comprometer a viabilidade do empreendimento”, aponta o procurador.
A análise do pedido de Da Camino está na pauta da sessão da 2ª Câmara do TCE, que estará composta pelos conselheiros Pedro Figueiredo e Renato Bordin (substituto), além do conselheiro Alexandre Postal, relator do texto. A sessão inicia às 14 horas e é aberta ao público.
O Ministério Público de Contas (MPC) questiona a “ausência de definição quanto à disponibilidade de recursos financeiros, a necessidade de esclarecer o regime urbanístico aplicável à área, bem como o noticiado tombamento de armazéns que seriam demolidos, constituem aspectos que podem inviabilizar a continuidade do empreendimento, trazendo elevados riscos ao erário”.
A argumentação é a mesma utilizada por movimentos que se opõem à revitalização do Cais Mauá nos moldes como está proposta: com a construção de torres de 100 metros de altura (equivalentes a 30 andares) em área tombada pelo Patrimônio Histórico e Artístico nacional e municipal, a implantação de um shopping center ao lado da Usina do Gasômetro e a construção de estacionamento para milhares de automóveis na orla pública.
Equívoco levou pedido ao pleno na semana passada
O pedido de suspensão das obras já havia sido analisado por Postal em setembro, quando o conselheiro achou desnecessária a adoção de medida cautelar. Apesar disso, Postal solicitou respostas aos questionamentos ressaltados por Da Camino – que já haviam sido, em parte, verificados por auditores do TCE em uma inspeção especial que está em andamento desde 2013.
Entre outras providências, Postal emitiu intimações a gestores da Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH) para que esclareçam alguns dos pontos em aberto.
O MPC recorreu da decisão e ingressou com o agravo regimental ora em pauta. Na semana passada, o recurso de Da Camino chegou a ser levado ao pleno do TCE, mas foi retirado porque a tramitação deve se dar no âmbito da 2ª Câmara, segundo a assessoria de imprensa do órgão de controle.
Se o agravo for improvido, segue valendo a decisão anterior do processo, ou seja, não serão interrompidas as obras na área do Cais Mauá. Porém, se o recurso for aceito pelos conselheiros, a SPH deverá garantir a manutenção da área tal como está até que se esclareçam os pontos em debate.