Itaboraí: o drama de uma cidade dominada pela milícia

Em 2010, o censo do IBGE contou 107.527 habitantes em Itaboraí, ainda uma pacata cidade da região metropolitana do Rio.
Desde então a população itaboraiense mais que dobrou com pessoas atraídas pelo projeto do Comperj, “o maior complexo petroquímico do Brasil”, que começou a ser instalado no município..
Hoje, Itaboraí tem quase 250 mil habitantes e, além dos engarrafamentos no trânsito, falta de postos de saúde, escolas, saneamento básico, enfrenta o poderio de milícias adotam métodos de requintada crueldade para manter o seu poder sobre a população.
Dois dos milicianos presos revelaram uma parceria entre a milícia e policiais militares do batalhão local: os traficantes de drogas, em vez de serem levados para a prisão, são entregues à milícia, para execução sumária.
Esses fatos vieram à tona no início de julho, quando a Polícia Civil  prendeu 42 milicianos de uma lista de 74 procurados pela Justiça. Num cemitério clandestino foram encontrados 14 cadáveres de um total de 50 mortes atribuídas a milicia.
Milicianos presos descreveram em detalhes a prática, batizada pelo bando de “venda de cabeças”. Cada “cabeça” rende uma recompensa. Um PM recebeu um carro BMW pela entrega de um líder do tráfico.
Após capturar suspeitos em operações da PM, os policiais levavam os detidos para os milicianos, que matavam os presos e enterravam em cemitérios clandestinos.
Os milicianos muitas vezes eram chamados por soldado do 35º BPM para operações conjuntas em áreas dominadas pelo tráfico.
Nessas ações — chamadas de “botes” pelo bando — o objetivo era matar traficantes para roubar dinheiro, armas, joias, relógios e o que mais a quadrilha encontrasse.
Desaparecimentos
A investigação da Polícia Civil concluiu que, em 2018, “começaram as ondas de mortes e desaparecimentos de indivíduos rotulados pelos milicianos como marginais, usuários de drogas ou até mesmo meros desocupados, sob o pretexto recorrente de que estariam realizando uma ‘limpeza da escória social’”, conforme eles mesmos chamavam.
Ao longo do último um ano e meio, os milicianos chegaram a matar parentes de traficantes e até pessoas que praticavam pequenos furtos.
Apesar da dita “limpeza” de criminosos e do pagamento das taxas de segurança pelos moradores, Itaboraí não ficou mais segura.
Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), houve um aumento de 113% no número de pessoas desaparecidas de 2017 para 2018, quando a milícia passou a atuar na região.
Já os homicídios cresceram de 95 em 2017 para 131 — um incremento de 37%.
Os roubos de cargas, por exemplo, dispararam: passaram de 126 em 2017 para 296 no ano seguinte, 136% de aumento.
Já os roubos de carros cresceram 9%, de 966 para 1.217.
Na contramão, as prisões pelo crime de tráfico de drogas na área sob influência do grupo minguaram.
Um levantamento feito pela Delegacia de Homicídio mostra que as prisões de traficantes nos sete bairros dominados pela milícia passaram de nove em 2017 para três em 2018.
Um caso com testemunhas
As dez da noite de uma sexta-feira,  Marcos Antônio do Amparo Vieira, de 16 anos, estava sozinho em casa, no bairro Caluge.
Sua mãe havia saído para uma festa. Ele ouviu batidas na porta da frente e foi atender.
Ao abrir a porta, um homem vestido de preto e com o rosto coberto por uma touca deu um tiro com uma pistola em seu braço. Uma poça de sangue se formou na sala. Marcos Antônio foi amarrado e colocado por outros dois homens, também encapuzados, no banco de trás de um carro preto. O veículo partiu em velocidade. O jovem nunca mais foi visto.
A cena foi descrita por vizinhos a parentes do jovem que, nos últimos quatro meses, peregrinaram, sem sucesso, por delegacias e pelo Instituto Médico-Legal (IML) atrás de respostas sobre seu paradeiro.
Num depoimento prestado à Polícia Civil e ao Ministério Público, um miliciano preso, que aceitou colaborar com as investigações, admitiu que o adolescente foi torturado antes de ser morto pelos paramilitares.
Entretanto, até agora nenhum dos corpos encontrados pela Divisão de Homicídios (DH) em cemitérios clandestinos da milícia foi identificado como sendo o de Marcos Antônio.
A Divisão de Homicídios (DH) levantou 24 casos de desaparecimentos de jovens na área dominada pela milícia que ainda não foram desvendados.
No entanto, de acordo com policiais da especializada, o número é maior, já que muitas famílias não procuraram a polícia para registrar o desaparecimento por medo de represálias dos paramilitares.
Milicianos presos afirmaram, em depoimento, que o bando passou a enterrar corpos das vítimas em cemitérios clandestinos nos bairros Itamarati e Visconde para ocultar os crimes.
Dois locais foram apontados, durante os relatos, como pontos de desova. Dos 18 corpos encontrados até agora, só três puderam ser identificados por parentes, por conta da presença de tatuagens. (do jornal Extra)
Executado com um machado
O mototaxista Jonathas Freitas de Mendonça, de 19 anos, desapareceu em 5 de abril depois de ser perseguido no bairro Nova Cidade por homens num carro preto.
Testemunhas contaram a parentes do jovem que, durante a fuga, ele foi baleado e caiu da moto. Ao tentar se esconder numa casa, foi capturado e colocado no porta-malas do veículo.
Semanas antes da perseguição, Jonathas denunciou, à DH, ameaças que mototaxistas de Itaboraí sofriam por não pagar taxas estipuladas pela milícia — o bando cobrava R$ 20 semanais de cada profissional para que pudessem circular pela cidade.
Em 12 de junho, um depoimento de dez páginas prestado por um miliciano preso no Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) do MP detalhou o suplício a que foi submetido o mototaxista: Jonathas foi “picotado, vivo, com um machado” e teve seu coração arrancado.
Com medo, parentes de Jonathas não quiseram falar à imprensa. Seu corpo até hoje não foi encontrado.
Funcionários do IML de São Gonçalo contam que diariamente parentes de mortos pela milícia vão à unidade tentar identificar cadáveres encontrados em Itaboraí. Como a maior parte dos corpos está em decomposição, a identificação só vai ser possível a partir de exames de DNA — cujos resultados não têm prazo para sair.
(Com informações do IBGE, Uol, Extra e G1

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