A relação com minha encantadora Porto Alegre tem seu ponto de partida lá no final dos anos 50 quando, com algo em torno de dez anos, vinha com meu irmão mais velho passar as férias de verão na casa da avó paterna.
Eram férias fascinantes, com passeios de bicicleta e nos barquinhos que antecederam os pedalinhos na Redenção, matinês nos cinemas que então povoavam o Centro, e os bondes – de um tempo em que o divertimento da gurizada era sentar na frente do edifício da João Pessoa e ficar admirando aqueles veículos amarelos que soltavam faíscas e roncavam no contato de suas rodas metálicas com os trilhos de ferro.
Não tinha 18 quando me mudei em definitivo para cursar o pré-vestibular e me preparar para a vida. O primeiro ato do zeloso pai, antes de retornar para os deveres em sua Cachoeira do Sul, foi abrir uma caderneta de poupança na agência da Caixa Econômica na Rua da Praia com Dr. Flores.
Aquele tornou-se um endereço mágico que visitei incontáveis vezes, pois a poupança era, na época, uma espécie de conta corrente fácil de administrar – desde que houvesse saldo…
E quanta confiança e amadorismo havia naquele gesto envolvente de estender a caderneta para o funcionário da Caixa, que olhava o valor nela contido, conferia com os arquivos em papel disponíveis por ali, anotava à caneta o saldo restante e entregava a quantia solicitada. Que tempos, que tempos!
Cresci profissionalmente vendo a capital crescer, admirando desde o belvedere da Rua João Manoel os aterros que começaram a ser feitos para que a cidade grande aumentasse ainda mais seus espaços e desse lugar a novos prédios que parecem lá estar desde sempre, mas não: os edifícios da Receita Federal, do Ministério da Agricultura, entre outros.
Minha avó Angelina, vinda ao Brasil ainda criança quando a família fugiu das ameaças de um vulcão, sentia um incontido prazer ao andar pelas ruas do Centro que viam um frenético movimento da construção civil a erguer prédios e mais prédios, quanto mais altos, melhor.
A Praça da Alfândega era um centro nervoso do Centro, e muitas vezes, ali por três da tarde, eu estava entre os que aguardam os vendedores oferecendo a Folha da Tarde. Com um noticiário super atualizado, editado ainda pela manhã, o único vespertino a circular na Capital era vendido literalmente como pão quente.
Muitas vezes, com o saldo na caderneta se aproximando perigosamente do zero, voltava a pé do Julinho para casa, na Fernando Machado.
Às onze da noite, sozinho e sem a menor preocupação com a tal de segurança. Mais adiante, já na redação da Caldas Júnior e com alguma rendinha a acalmar o bolso, era comum aos domingos à noite ir até á Spaghettilândia saborear um filé à parmigiana acompanhado de meia garrafa de um tinto cujo nome, infiel, não recordo. E de lá, dez da noite, seguia pé para a mesma Fernando Machado.
São tantas lembranças incríveis e, melhor, inesquecíveis, que às vezes me levam a sentir uma eterna saudade das ruas desta Porto Alegre amada que acaba de completar 253 anos.
Não estava aí para confraternizar em pelo menos um dos eventos que festejaram a data, mas… é descartável a lembrança que trago da última vez em que caminhei por esses mesmos caminhos, ano passado.
Sobram espaços de lojas fechados, as obras que a Prefeitura toca são intermináveis e, horror dos horrores, substituíram o calçamento da Rua da Praia e suas vizinhas por um concreto medonho, longe, muito longe, dos ladrilhos que chegaram a encantar em outros tempos.
Todo o Centro surge degradado, sem a graça nem os atrativos que fizeram dela um orgulho para os porto-alegrenses ou seus adotados, meu caso.
O quadro é desolador, com tantos espaços para lojas fechados. A completar a paisagem de desencanto, a reforma do piso provoca uma indisposição, um aperto no peito. Uma cidade que exala tanta tradição, tanta cultura – agora mesmo está com portas abertas para mais uma Bienal – não pode se entregar desta maneira.
E aí, prefeito Ayres Cerutti, concordas?
José Antonio Vieira da Cunha, jornalista.