A Teko’a Anhetenguá (Aldeia da Verdade, Verdadeira), em Porto Alegre (RS), viveu um momento histórico ao realizar seu primeiro Carijo/Karijo (produção artesanal de chimarrão). A iniciativa, que revitaliza saberes e fortalece a identidade cultural da comunidade Mbyá Guarani, integra o Projeto Ar, Água e Terra, realizado pelo Instituto de Estudos Culturais e Ambientais (IECAM), com o patrocínio da Petrobras por meio do Programa Petrobras Socioambiental.
O primeiro Carijo protagonizado pelos moradores da aldeia da Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre, foi um evento de união e aprendizado. Todas as etapas seguiram a forma tradicional indígena.
As fases de colheita e preparação da erva-mate contaram com a participação do cacique Ramon e sua esposa Janaína, da Teko’a Yvyty Porã (Aldeia Serra Bonita), na Barra do Ouro, em Maquiné (RS). O casal desceu a Serra para compartilhar seus saberes tradicionais com a comunidade da Teko’a Anhetenguá.
Técnica de produção da erva-mate que requer tempo e dedicação, o Carijo inclui a coleta e seleção de ramos, passando pela “sapecagem” (ramos chamuscados no fogo um a um, manualmente), secagem sob um braseiro acima do fogo de chão, e a separação das folhas, até a moagem em pilão.
Importante para a autonomia e sustentabilidade dos Mbyá Guarani da Teko’a Anhetenguá, o trabalho se destacou por sua abordagem participativa, contando com a colaboração de indígenas e não indígenas da equipe do projeto, como biólogos e agrônomos.
O evento ocorreu em um dia de sol e céu limpo, o que realçou a simbologia do Carijo, uma vez que, para os Guarani, a ka’a/ ca’a/ caá (erva-mate) é um “presente” de Tupã, simbolizando a conexão com a Mãe Terra, o fortalecimento da energia, do espírito e do corpo.
Embora o chimarrão seja um elemento tradicional da cultura Guarani muito antes da chegada dos europeus à América do Sul, esta é a primeira vez que esta aldeia utiliza sua própria produção.
Para os Guarani, esse ritual é um elo com a Mãe Terra, reforçando a união e a energia vital da comunidade, não somente na roda de conversa, mas também com diversos usos tradicionais medicinais e em cerimônias. O costume, considerado sagrado pelos indígenas, foi observado e difundido pelos espanhóis e portugueses nos séculos XVI e XVII, principalmente pelos missionários jesuítas, no Vice-Reino do Rio da Prata, onde ampliaram o cultivo da erva-mate, tornando-se um dos símbolos do gaúcho e do Rio Grande do Sul.
Nos últimos anos, o IECAM tem intensificado seu trabalho junto a comunidades Guarani do Rio Grande do Sul, desenvolvendo projetos em parceria com instituições de renome como UNESCO, PNUD e IPHAN. O resultado mais recente e abrangente dessa jornada é o Projeto Ar, Água e Terra, que alcança mais de três mil hectares nos biomas Pampa e Mata Atlântica, conectando aldeias indígenas em dez municípios do Estado.
As ações são construídas para atender às necessidades locais e características ambientais de cada aldeia, priorizando a segurança alimentar. Para alcançar esses objetivos, a iniciativa promove atividades práticas como a coleta e o intercâmbio de sementes e mudas, a construção de viveiros e o viveirismo, a educação ambiental, o etnomapeamento e a reconversão produtiva. A finalidade principal é a gestão sustentável dos territórios indígenas.
O Instituto de Estudos Culturais e Ambientais (IECAM) é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos, fundada em 1991, no Rio de Janeiro, por ambientalistas envolvidos na histórica conferência Rio 92 (Eco 92). Desde 2011, o Instituto tem sua sede em Porto Alegre (RS), onde conduz ações voltadas à pesquisa e ao desenvolvimento de iniciativas socioambientais sustentáveis. Seu trabalho tem como base a valorização da biodiversidade e a revitalização dos saberes tradicionais.
No Rio Grande do Sul, o IECAM atua em parceria com as comunidades Guarani desde 1994, promovendo uma aproximação contínua e respeitosa. Ao longo dessas décadas, construiu relações sólidas com diversas aldeias, realizando projetos, pesquisas e ações colaborativas. Sua atuação também inclui a participação ativa em seminários, conselhos e audiências públicas, fortalecendo o diálogo entre os povos indígenas e a sociedade em geral.
Projeto Ar, Água e Terra
O Projeto Ar, Água e Terra nasceu a partir de uma seleção pública do Programa Petrobras Socioambiental em 2010, iniciando suas atividades em 2012. Desde então, tem se consolidado como uma referência em etnodesenvolvimento, recuperação e conservação ambiental no sul do país.
Com foco na abordagem etnoambiental, a iniciativa atende às principais demandas das comunidades Guarani, como a segurança alimentar através das kokué (roças guarani) e agroflorestas com espécies de uso tradicional guarani. Sua metodologia é construída de forma participativa, valorizando a troca de saberes, técnicas e práticas entre indígenas e não indígenas. Os próprios Guarani atuam como protagonistas e coexecutores das ações, apresentando suas necessidades e contribuindo, em cada etapa do processo, com soluções e caminhos alinhados a seus modos de vida e à preservação ambiental.
Unindo tradição, ciência e sustentabilidade, o Projeto Ar, Água e Terra é mais do que um conjunto de ações socioambientais — é um espaço de respeito, aprendizado e construção conjunta. Uma iniciativa que enxerga nos povos indígenas não apenas beneficiários, mas guardiões da floresta, do conhecimento e da vida.
(Com informações da Assessoria de Imprensa)