A Teko’a Anhetenguá (Aldeia da Verdade, Verdadeira), em Porto Alegre (RS), viveu um momento histórico ao realizar seu primeiro Carijo/Karijo (produção artesanal de chimarrão). A iniciativa, que revitaliza saberes e fortalece a identidade cultural da comunidade Mbyá Guarani, integra o Projeto Ar, Água e Terra, realizado pelo Instituto de Estudos Culturais e Ambientais (IECAM), com o patrocínio da Petrobras por meio do Programa Petrobras Socioambiental.
O primeiro Carijo protagonizado pelos moradores da aldeia da Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre, foi um evento de união e aprendizado. Todas as etapas seguiram a forma tradicional indígena.
As fases de colheita e preparação da erva-mate contaram com a participação do cacique Ramon e sua esposa Janaína, da Teko’a Yvyty Porã (Aldeia Serra Bonita), na Barra do Ouro, em Maquiné (RS). O casal desceu a Serra para compartilhar seus saberes tradicionais com a comunidade da Teko’a Anhetenguá.
Técnica de produção da erva-mate que requer tempo e dedicação, o Carijo inclui a coleta e seleção de ramos, passando pela “sapecagem” (ramos chamuscados no fogo um a um, manualmente), secagem sob um braseiro acima do fogo de chão, e a separação das folhas, até a moagem em pilão.
Importante para a autonomia e sustentabilidade dos Mbyá Guarani da Teko’a Anhetenguá, o trabalho se destacou por sua abordagem participativa, contando com a colaboração de indígenas e não indígenas da equipe do projeto, como biólogos e agrônomos.
O evento ocorreu em um dia de sol e céu limpo, o que realçou a simbologia do Carijo, uma vez que, para os Guarani, a ka’a/ ca’a/ caá (erva-mate) é um “presente” de Tupã, simbolizando a conexão com a Mãe Terra, o fortalecimento da energia, do espírito e do corpo.
Embora o chimarrão seja um elemento tradicional da cultura Guarani muito antes da chegada dos europeus à América do Sul, esta é a primeira vez que esta aldeia utiliza sua própria produção.
Para os Guarani, esse ritual é um elo com a Mãe Terra, reforçando a união e a energia vital da comunidade, não somente na roda de conversa, mas também com diversos usos tradicionais medicinais e em cerimônias. O costume, considerado sagrado pelos indígenas, foi observado e difundido pelos espanhóis e portugueses nos séculos XVI e XVII, principalmente pelos missionários jesuítas, no Vice-Reino do Rio da Prata, onde ampliaram o cultivo da erva-mate, tornando-se um dos símbolos do gaúcho e do Rio Grande do Sul.
Nos últimos anos, o IECAM tem intensificado seu trabalho junto a comunidades Guarani do Rio Grande do Sul, desenvolvendo projetos em parceria com instituições de renome como UNESCO, PNUD e IPHAN. O resultado mais recente e abrangente dessa jornada é o Projeto Ar, Água e Terra, que alcança mais de três mil hectares nos biomas Pampa e Mata Atlântica, conectando aldeias indígenas em dez municípios do Estado.
As ações são construídas para atender às necessidades locais e características ambientais de cada aldeia, priorizando a segurança alimentar. Para alcançar esses objetivos, a iniciativa promove atividades práticas como a coleta e o intercâmbio de sementes e mudas, a construção de viveiros e o viveirismo, a educação ambiental, o etnomapeamento e a reconversão produtiva. A finalidade principal é a gestão sustentável dos territórios indígenas.
O Instituto de Estudos Culturais e Ambientais (IECAM) é uma organização da sociedade civil sem fins lucrativos, fundada em 1991, no Rio de Janeiro, por ambientalistas envolvidos na histórica conferência Rio 92 (Eco 92). Desde 2011, o Instituto tem sua sede em Porto Alegre (RS), onde conduz ações voltadas à pesquisa e ao desenvolvimento de iniciativas socioambientais sustentáveis. Seu trabalho tem como base a valorização da biodiversidade e a revitalização dos saberes tradicionais.
No Rio Grande do Sul, o IECAM atua em parceria com as comunidades Guarani desde 1994, promovendo uma aproximação contínua e respeitosa. Ao longo dessas décadas, construiu relações sólidas com diversas aldeias, realizando projetos, pesquisas e ações colaborativas. Sua atuação também inclui a participação ativa em seminários, conselhos e audiências públicas, fortalecendo o diálogo entre os povos indígenas e a sociedade em geral.
Projeto Ar, Água e Terra
O Projeto Ar, Água e Terra nasceu a partir de uma seleção pública do Programa Petrobras Socioambiental em 2010, iniciando suas atividades em 2012. Desde então, tem se consolidado como uma referência em etnodesenvolvimento, recuperação e conservação ambiental no sul do país.
Com foco na abordagem etnoambiental, a iniciativa atende às principais demandas das comunidades Guarani, como a segurança alimentar através das kokué (roças guarani) e agroflorestas com espécies de uso tradicional guarani. Sua metodologia é construída de forma participativa, valorizando a troca de saberes, técnicas e práticas entre indígenas e não indígenas. Os próprios Guarani atuam como protagonistas e coexecutores das ações, apresentando suas necessidades e contribuindo, em cada etapa do processo, com soluções e caminhos alinhados a seus modos de vida e à preservação ambiental.
Unindo tradição, ciência e sustentabilidade, o Projeto Ar, Água e Terra é mais do que um conjunto de ações socioambientais — é um espaço de respeito, aprendizado e construção conjunta. Uma iniciativa que enxerga nos povos indígenas não apenas beneficiários, mas guardiões da floresta, do conhecimento e da vida.
Uma proposta inédita para mapear áreas verdes urbanas no Brasil foi apresentada nesta segunda-feira (8) pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Guarulhos (SP) e Palmas foram escolhidos como áreas-teste por serem regionalmente diferentes, tanto em termos de formação das cidades como de clima e vegetação.
Segundo a responsável técnica da pesquisa, Manuela Mendonça de Alvarenga, a partir deste projeto piloto, a equipe da Diretoria de Geociências do IBGE pretende avaliar proposta metodológica que seja realizada futuramente em todo o território nacional.
“Para nós é importante lançar este estudo em caráter experimental, para que possamos colocar a proposta de metodologia em discussão, testar sua aplicabilidade a diferentes contextos e, a partir de um retorno de outros pesquisadores, de gestores e de demais partes interessadas, propor algo que possa ser aplicável a todo o Brasil”, disse Manuela.
De acordo com o IBGE, a metodologia realizada nesta investigação utilizou a definição de áreas verdes urbanas do Código Florestal Brasileiro, que considera áreas públicas ou privadas de vegetação (natural ou recuperada), que têm uma destinação no planejamento urbano diferente de loteamentos e moradias.
O instituto explica que a classificação de áreas verdes seguiu a proposta do Ministério do Meio Ambiente e de Mudança do Clima, que contempla diferentes tipos, como parques, praças, canteiros.
“Para a área de mapeamento, foi considerada uma delimitação que segue o padrão internacional da ONU-Habitat pautado em densidade demográfica e tamanho da população em áreas contínuas. Além disso, foi proposta a utilização de dados de cartografia colaborativa, que indicam a presença de áreas verdes diversas. Estes foram utilizados como insumos para identificação preliminar, cruzados com outros de imagens de satélite, que indicaram a presença de vegetação”, diz o IBGE.
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Conforme o instituto, em Guarulhos, foram identificados 7.096,37 hectares de áreas verdes urbanas, o que representa 45% das áreas urbanizadas do município, levando em conta a área de 800 metro em torno do centro urbano. Considerando as áreas verdes intraurbanas, o tamanho é reduzido para 6.036,73 hectares, e a proporção passa a ser de 38% das áreas urbanizadas da cidade.
“Com esse resultado, podemos interpretar qual é o grau do impacto que o entorno do centro urbano possui para a composição do mosaico de áreas verdes da cidade e consequentemente os serviços fornecidos à população”, explicou Manuela.
O IBGE informou que, em Palmas, o total de áreas verdes urbanas foi de 5.137 hectares, considerando a área de mapeamento com o entorno de 800 metros do centro urbano, o que representa 49,11% do total de áreas urbanizadas da cidade.
“Considerando apenas a área intraurbana, as Áreas Verdes Urbanas passam a somar 977,99 hectares, representando aproximadamente 10% da mancha urbanizada do município. A diminuição de cerca de 80% de áreas verdes entre os recortes intraurbano e periurbano se deve ao fato de que Palmas possui grandes extensões de matas ciliares de rios tributários ao Rio Tocantins que cruzam a cidade e não são consideradas áreas urbanizadas, devido à sua grande extensão sem moradias ou área construída”, afirma o instituto.
“O mapeamento foi proposto considerando a disponibilidade de insumos e a simplicidade de processamento, e, com isso, podemos chegar a um dado de qualidade para todo Brasil. Assim, a partir de uma primeira versão e de sua validação, o próprio mapeamento pode servir como entrada para treinar algoritmos de inteligência artificial, que poderão permitir uma atualização do mapeamento mais automatizada”, completa Manuela.
São pouco menos de 250 metros quadrados , na extremidade do parque da Redenção na confluência com a avenida José Bonifácio.
Foi cedido a um posto de gasolina num tempo em que não havia preocupações ambientais, embora alguns “malucos” já falassem em mudanças climáticas.
Depois de décadas e de inúmeras tentativas dos movimentos ambientalistas para removar aquele corpo estranho dali, chegou-se a um acordo e a Petrobras, a última concessionária do espaço, devolveu-o à prefeitura.
Em vez de reincorporá-lo ao parque ou utilizá-lo para alguma atividade relacionada ao parque a prefeitura decidiu novamente concedê-lo para uma atividade comercial.
Resultado: está recebendo uma base de lajotas, para a instalação de contêiners de fast food. É um pequeno terreno triangular num extremo da área, mas a impermeabilização de um espaço do parque da Redenção tem uma conotação simbólica, numa cidade como Porto Alegre, onde o que se recomenda é o conceito da cidade-esponja.
Ari Delmo Nilson completou no mês de março cinquenta anos de trabalho como técnico agrícola no Jardim Botânico de Porto Alegre. É um explorador nato. Percorre florestas, campos, banhados, dunas, rios e arroios, sobe em árvores variadas, escala precipícios e encostas atrás de sementes nativas,fundamentais à conservação da biodiversidade rio-grandense.
Por Cleber Dioni Tentardini
Poucos conhecem as matas e os campos no Rio Grande do Sul como o técnico agrícola Ari Delmo Nilson, desde o início deste ano o funcionário mais antigo do Jardim Botânico de Porto Alegre.
Ele ingressou no JBPA em março de 1975 e, desde então, é uma referência na identificação, coleta e germinação de sementes arbóreas nativas, fundamentais à conservação da biodiversidade rio-grandense.
É um explorador nato. Percorre florestas, campos, banhados, dunas, rios e arroios, sobe em árvores variadas, escala precipícios e encostas atrás de plantas, sempre buscando conhecer os ambientes e suas espécies.
Na entrada do JBPA, com as palmeiras no fundo. Foto: Cleber Dioni
Ajudou a plantar uma grande parte da coleção arbórea do JBPA. Está tudo registrado em caderninhos, que ele guarda com orgulho por ter seguido à risca os ensinamentos dos naturalistas com quem conviveu no trabalho desde o início da carreira.
Naquele ano de 1975, os professores naturalistas gaúchos Albano Backes e José Willibaldo Thomé recém tinham assumido diretorias da Fundação Zoobotânica do RS (FZB), criada em 1972 para abrigar o Museu de Ciências Naturais, o Parque Zoológico e o Jardim Botânico.
– Eu tinha 20 anos e, às vezes, realizava alguns serviços nos municípios do oeste catarinense, ali por Chapecó. Minha irmã, casada com o doutor Albano, avisou que ele estava precisando de ajudantes, peguei três ônibus para chegar aqui na Capital, na época essa viagem era uma epopeia, conta.
Morou dois anos com o professor e sua irmã. Nessa época, o Jardim Botânico era uma área de campo com uma parte aberta, e uma portaria. Uma das primeiras tarefas de Ari foi cercar a área. Depois, montou uma base de trabalho junto ao antigo cactário. Começou cuidando dos cactos e, logo, ele e os colegas viram que seria fundamental plantar árvores nativas lá.
Ari com colegas do JBPB na década de 80. É o terceiro (esq. p/ dir.)
Um dos seus colegas por quase 50 anos, Julio Prado recorda que chegaram a produzir 40 mil mudas num ano, entre elas, várias espécies arbóreas ameaçadas de extinção, como o palmito, o pau-ferro e o pau-alazão. Prado, agora aposentado, é filho de seu Julião (falecido), um dos primeiros jardineiros do JBPA e quem organizou os jardins do Palácio Piratini.
Mudas de cactos. Foto: Cleber Dioni
Além do professor Albano Backes, gaúcho de Campina das Missões, e um dos responsáveis pela construção das bases da botânica e da ecologia vegetal do Sul do Brasil, Ari conheceu o primeiro diretor do JBPA da capital gaúcha, o irmão Teodoro Luis (Ramon de Peñafort Malagarriga y Heras), mas logo o naturalista e lassalista espanhol voltou à Europa para continuar os estudos.
– Lembro que, certa vez, ao retornar a Porto Alegre, o irmão Teodoro elogiou o doutor Albano por ter mantido o JBPA como uma unidade de conservação da flora nativa e essa missão eu sempre carreguei comigo, ressalta.
“Conservamos todas espécies de palmeiras ”
Uma hora de caminhada em meio ao verde com Ari é um aprendizado e um exercício de memorização. Exemplares de angico, louro, maria preta, canjerana, guatambú, sassafrás, camboatá, canela, cabreúva, típicos da floresta do Alto Uruguai, todas essas plantas estão disponíveis, identificadas e catalogadas para pesquisadores e a população em geral que quiser conhecer.
– Esse angico vermelho ou curupaí, eu trouxe sementes do Alto Uruguai, fiz a germinação, adaptação e plantio, em 1976. Plantamos palmeiras na entrada principal do Jardim Botânico, algumas sementes eu trouxe da minha terra natal, Marcelino Ramos, afirma.
Todas as espécies de palmeiras nativas constam na área do JBPA, inclusive as que estão ameaçadas de extinção, como coqueiro, jerivá, butiá, buriti e geonoma.
Ari estima que esse butiazeiro no JBPA tenha cerca de 260 anos. Foto: Cleber Dioni
– É difícil precisar a idade de exemplares muito antigos, mas tem um butiazeiro aqui no JBPA com, no mínimo, 260 anos. Eu tive a oportunidade de conhecer os butiazais no Estado, locais com mais de 70 mil butiás, e conversar com as pessoas que mantém as coleções como jardins botânicos particulares. Isso é uma emoção muito grande, admite.
Durante doze anos trabalhou também em uma estação meteorológica no Morro do Coco, em Viamão, de onde pegou muitas sementes. Instalou o viveiro no JBPA ainda na década de 1970 e começou a produzir e comercializar mudas. Mais tarde, foi instalado um Banco de Sementes.
Pesquisadores renomados costumavam visitar o Estado, não sem antes passar no Jardim Botânico para conversar com os pesquisadores. E, frequentemente, Ari era convidado a acompanhá-los. Ele lembra do alemão Martin Grininger, especialista em líquens, cuja vinda se dava em função do Polo Petroquímico, em Triunfo. Cita outros pesquisadores como o botânico e ecólogo Roberto Klein, de Santa Catarina, o geógrafo e ambientalista Aziz Ab’Saber, de São Paulo.
– Vinham em função de projetos de pesquisa. Eu estava na linha de frente, acompanhava como técnico local.
No final dos anos 1980, Ari já era reconhecido como profundo conhecedor das sementes arbóreas nativas e por sua extrema habilidade de escalar árvores, dependurando-se em copas altíssimas com destreza inigualável, causando perplexidade e temor nos seus companheiros (leia depoimentos).
Logo chamou a atenção do repórter Horst Knak, que o batizou como o homem-semente em uma matéria publicada no jornal Zero Hora, em 1986 (26/09): “Além de ser o maior entusiasta da coleta e preparo de sementes de árvores nativas do Rio Grande do Sul em perigo de extinção, Ari também é laçador de jacarés, especialmente do Banhado do Taim, para marcação”, escreveu Knak.
Reprodução de página de ZH 26.09.1986 em matéria assinada pelo jornalista Horst Knac
Ari deu dicas aos leitores daquele diário: “O primeiro passo é a escolha de árvores-matrizes, ou porta-sementes. Qualquer nativa precisa mais de dez anos para dar frutos e a primeira semente usada para multiplicação deve ser sempre do terceiro ano de frutificação. Depois de catado o fruto, ele precisa amadurecer para que a liberação da semente seja mais fácil. Com o Cachimbeiro, a semente se abre naturalmente, a Canafístula vai bem em solo ruim, tem crescimento rápido. A Canjerana possui frutos redondos que se assemelham a bolas de gude. É preciso esperar que murchem após colhidas para abri-las e semear imediatamente. A semente do Guapuruvu possui uma película dura que precisa ser lixada ou até mesmo fervida para apressar a germinação”.
Ele percorreu o Estado acompanhado também do renomado escultor Xico Stockinger, que formou a mais completa coleção de cactáceas do RS.
Recebeu convites para trabalhar em outros estados, mas, como ele diz:
– Não tem jeito, casei com o Jardim Botânico, admite.
Em Cambara do Sul. Foto: Natividad Fagundes
Prestes a completar 70 anos, no final deste mês de julho, o pai do Luis Henrique e da Janaína, e avô da Ana Sofia, de sete anos, mantém uma rotina infalível.
– Acordo às cinco da manhã e às sete horas já estou passando café aqui, o JBPA é um templo pra mim. Tudo o que eu faço é com vontade, emoção, muitas vezes é desgastante, e não tem problema, revela.
Sua mulher, Maria de Fátima Oliveira, gaúcha de Santiago, desconfia que o Jardim Botânico é sua primeira casa.
– Nesses 41 anos de casados, ele sempre foi assim, ligado no 220, está sempre pensando nas tarefas que têm por fazer, claro que sinto orgulho porque ele gosta do que faz e as pessoas reconhecem o seu trabalho, mas quando chega em casa elétrico e continua a mil, tenho que dar um tranco, brinca Fátima.
Colegas destacam perícias do ‘mateiro’
Com um exemplar de pitangão-amargo, em São Francisco de Paula. Foto: Martin Molz
– A experiência que ele conquistou ao longo dos anos é muito singular e valiosa, porque abrange o trabalho com diversos grupos de plantas, a prática das atividades em campo, a habilidade com a germinação, o cultivo, e os manejos das diferentes espécies, a observação do desenvolvimento das plantas em cultivo, além de ter uma compreensão incrível da geografia e da flora do Rio Grande do Sul. Ele participou das coletas e plantios de parte significativa dos exemplares das coleções, presentes em todo o parque e também nas casas de vegetação. Um colega altamente dedicado e entusiasmado, enfim, tenho o privilégio de trabalhar com ele, que é a memória viva do Jardim Botânico de Porto Alegre, destacou a bióloga Natividad Fagundes, botânica no JBPA.
Para o agrônomo Fernando Vargas, especialista em gestão e educação ambiental do JBPA, o conhecimento profundo e amplo torna o colega um técnico de valor inestimável.
– Ari é uma fonte de inspiração pela sua paixão no trabalho. De tanto percorrer os rincões gaúchos em busca de plantas cada vez mais raras, conhece o interior do RS como ninguém. É uma referência para quem deseja encontrar exemplares de plantas em seu habitat original. E foram tantas viagens e coletas que descobriu até uma espécie nova de árvore (Callisthene inundata O.L.Bueno, A.D.Nilson & R.G.Magalh.) que é a consagração de qualquer profissional da Botânica.
Escalando cerro em Caçapava do Sul. Fotos: Natividad FagundesNa APABG, em Viamão, com Martin Molz
Ao lado de um xaxim, em São Francisco de Paula.
Arroio Cristalino, São Francisco de Paula. Fotos: Martin Molz
O biólogo Martin Molz lembra de expedições realizadas com Ari antes mesmo de serem colegas no JBPA.
– A paixão pelas plantas, sobretudo a compartilhada pelas árvores e pelas florestas, sempre nos manteve muito próximos. Ari tem um olho para todos os tipos de plantas, para o diferente, para o raro e o inusitado. Descobriu muitas espécies novas para a ciência. Consegue germinar praticamente todos os tipos de sementes em que coloca as mãos, dedos verdes! Apesar de trabalhar com plantas a vida toda, sabe muito sobre animais nativos e viu espécies que mesmo zoólogos nunca viram na natureza. Toda sua vida profissional foi dedicada em prol do Jardim Botânico, da conservação e da ciência. E segue, destaca o botânico.
O técnico florestal Frederico Schäffer Petry, atualmente fiscal ambiental de Capela de Santana/RS, diz que o ex-colega é uma verdadeira enciclopédia viva da flora gaúcha e nacional.
– Com suas peculiaridades e aquele jeito gaudério inconfundível de lidar com as pessoas, é o melhor colega que alguém pode ter, focado, solidário e orientador. E eu o provocava, chamando de meu estagiário, uma brincadeira, claro, com um mestre.
Com Andréia Carneiro, durante coleta em Caçapava do Sul. Foto: Rosana Singer
Quando chamaram a bióloga Andreia Carneiro para assumir no JBPA, recebeu um incentivo de seu orientador, o professor Bruno Irgang:
– Tu vais gostar, tem o Ari, responsável por muito do que existe lá. Era o homem que andava em cima das árvores com a mesma naturalidade que caminhava, grande conhecedor da nossa flora, dedicado e o melhor companheiro de campo e de churrasco, conta Andreia, diretora do JBPA por quatro anos e meio, hoje licenciada.
Sementes nativas são essenciais à vida
O engenheiro florestal Leandro Dal Ri, analista do Banco de Sementes do Jardim Botânico, lembra que a preservação das sementes nativas, ou quaisquer outras sementes, alimentícias ou não, é importante para salvaguardar a diversidade de espécies e de populações dentro da mesma espécie.
– E os jardins botânicos têm a responsabilidade de conservar em seus bancos de sementes esse capital biológico regional com vistas à biodiversidade e à restauração dos ambientes naturais, porque as sementes nativas são essenciais à vida humana, frisa.
No entanto, Dal Ri adverte que a cadeia produtiva precisa estar operando em condições adequadas, leia-se, as instalações e o quadro de servidores.
– Pessoas experientes como o Ari são fundamentais, mas representam uma parte do processo de conservação de germoplasma, pois não se pode coletar e guardar, tem que ter uma equipe, funcionários e estudantes de graduação e pós-graduação no Banco de Sementes, que além do beneficiamento e registro, fazem a pesagem, avaliação da qualidade fisiológica, teste de germinação, para depois encaminhar parte do lote ao viveiro a fim de produzir mudas e outra parte armazenar em estruturas adequadas.
Sementes de cedrinho conservadas no JBPA.
Germoplasma é o material genético de um organismo, transmitido de uma geração para outra.
O atual modelo do banco de sementes florestais nativas do JBPA foi criado por volta de 1996, mas o armazenamento das sementes começou cerca de dez anos antes, por iniciativa de algumas servidoras.
Mostruário da coleção do Banco de Sementes. Fotos: Cleber Dioni TentardiniDal Ri com material usado em educação ambiental do Banco de sementes
– Apesar de nosso Index Seminum (sementes armazenadas) tímido, temos um grande potencial para voltar a ser referência com a possibilidade de troca e doação aos viveiros de unidades de conservação e viveiros municipais e de Ongs, inclusive de espécies com algum grau de perigo de extinção, garante Dal Ri.
Ele cita algumas espécies incluídas na lista vermelha (vulneráveis) de 2014, que se encontram à venda no Jardim Botânico, como o espinilho (Fabaceae Prosopis affinis Spreng), o pau-andrade (Lauraceae Persea willdenovii Kosterm), o araticum-cagão (Annonaceae Annona cacans Warm), a bicuíba (Myristicaceae Virola bicuhyba (Schott ex Spreng) Warb) e o bico-de-pato (Fabaceae Machaerium nyctitans (Vell.) Benth).
Sementes sendo beneficiadas e catalogadas. Fotos Cleber Dioni
A engenheira florestal Maristela Araújo, professora do Departamento de Ciências Florestais, da Universidade Federal de Santa Maria, reforça a importância da coleta e da conservação de sementes de espécies nativas em locais apropriados.
– Um banco de sementes como o do Jardim Botânico de Porto Alegre contribui com a conservação a longo prazo da variabilidade genética das espécies nativas, dentre as quais, algumas ameaçadas de extinção, além de fomentar as pesquisas científicas e atividades de educação ambiental, enfatiza
Maristela mantém pesquisas com sementes há mais de vinte anos na UFSM através do Projeto “Bolsa de Sementes”, para pesquisa e educação ambiental, em parceria com escolas rurais nos estados do PR, SC e RS, e financiamento da Associação de Fumicultores do Brasil.
– Não se trata de conservar por conservar, mas dar sustentabilidade à produção em propriedades rurais produtivas e segurança à nossa população, afirma.
Seu colega na Universidade, o engenheiro florestal Ezequiel Gasparin, lembra que bancos de sementes são desenvolvidos ao longo de muitas décadas, representando a base para conservação de espécies e mitigação de mudanças climáticas, além da produção de mudas visando a recuperação de áreas degradadas ou para fins comerciais.
Gasparin destaca ainda que as sementes de espécies vegetais nativas servem como abrigo e alimento para fauna adaptada a cada região, incluindo os polinizadores de diversas espécies como as utilizadas na alimentação humana.
– A floração das espécies nativas também se “espalha” ao longo dos meses do ano, permitindo várias ocasiões de “florada” para polinizadores diversos, dentre os quais as abelhas, que além de permitir a frutificação de muitas espécies vegetais comerciais, nos fornecem o mel e conservam suas próprias colmeias, explica.
Um museu vivo com cinco mil plantas nativas
O Jardim Botânico de Porto Alegre é um dos cinco melhores e maiores do Brasil. Modelo em conservação da biodiversidade, mantém a classificação A, com o atendimento de todas as exigências estabelecidas pelo Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) – no art. 6º e respectivos incisos da Resolução 339/2003.
Possui 28 coleções científicas e didáticas, que somam quase cinco mil plantas nativas, incluindo espécies raras, ameaçadas de extinção e endêmicas – estas são encontradas apenas no RS. Há plantas envasadas (plantadas em vasos e abrigadas em casas de vegetação) e do arboreto (plantadas na área do parque). Tem mais de 2.500 exemplares de plantas arbóreas (entre coleções e mudas), cerca de 700 bromélias, 360 cactos e 400 orquídeas. Há plantas vivas com mais de 40 anos. O exemplar 001 de Bromeliaceae está vivo, desde 1982.
Natividad com a coleção de bromélias do JBPA. Fotos: Cleber Dioni Tentardini
Estão preservadas no JBPA aproximadamente 145 espécies ameaçadas de extinção entre bromélias, cactos, orquídeas, palmeiras, diversas famílias de arbóreas e pteridófitas (várias famílias de diversos tipos de samambaias e xaxins). Essas plantas são mantidas em coleções, o que se chama de conservação ex-situ (fora do ambiente original), e são referência para a realização de estudos e também a produção de mudas, sendo base para uma possível reintrodução na natureza.
Quase todas (95%) bromélias ameaçadas de extinção no RS são conservadas no JBPA, além de outras espécies ameaçadas em nível nacional. E, também, as oito espécies de butiá existentes no RS, todas ameaçadas de extinção.
A bióloga Natividad Fagundes, curadora das várias coleções, entre elas as bromélias, explica que o quadro de funcionários reduzido, ainda que seja altamente qualificado, dificulta manter a categoria A, de excelência, do JBPA.
– Se houvesse um corpo técnico-científico maior, isto é, mais compatível com a amplitude das nossas atividades, e também maior investimento e mais divulgação do trabalho e da instituição, o impacto positivo na conservação da biodiversidade e na educação e bem-estar da população seria ainda mais significativo, destaca a bióloga.
Constam nas coleções, por exemplo, entre as espécies ameaçadas de extinção (a popular ‘lista vermelha’), a Dyckia maritima, uma bromélia endêmica do Parque da Guarita em Torres, e a Gomesa venusta (Orchidaceae), orquídea rara no Estado. A Callisthene inundata, descoberta e descrita por pesquisadores do JBPA, uma árvore endêmica da Serra Gaúcha, que ocorre às margens dos rios Taquari e Antas; o Butia exilata, endêmica do RS; a Xylopia brasiliensis, pindaíba, espécie arbórea que só existe no Brasil; e a Muellera torrensis, árvore da família das leguminosas, ocorrente no litoral norte do RS.
Viveiro do JBPA. Cleber Dioni
A bióloga Rosana Singer, curadora das coleções de cactos, orquídeas e de plantas raras e ameaçadas de extinção, dentre outras, diz que há 57 espécies de cactos presentes no JBPA, e destaca algumas espécies com registros na “lista vermelha” da flora riograndense: o cacto Parodia neohorstii, espécie endêmica da Serra do Sudeste, no Estado; o Parodia gaucha, endêmica do Pampa gaúcho; e o Rhipsalis paradoxa, um cacto epífito restrito ao Litoral Norte.
O Brasil possui 85 jardins botânicos, sendo apenas 25 com algum tipo de enquadramento (categoria A, B, C, ou C provisório), e 5 categoria A, conforme a Resolução 339/2003.
No RS, existem dois JBPAs municipais, de Caxias do Sul e Lajeado, um privado, da Unisinos, um ligado à Universidade Federal de Santa Maria, e o de Porto Alegre, o maior.
O JBPA, assim como o Museu de Ciências Naturais, estão sob responsabilidade da Divisão de Pesquisa e Manutenção de Coleções Científicas, da Secretaria Estadual do Meio Ambiente e Infraestrutura. O atual diretor é o biólogo Cesar Rodembusch.
Nos idos de 1950, era um campo de butiás
Criado em 1956, o Jardim Botânico de Porto Alegre só foi aberto ao público em 1958. Era uma chácara de 81 hectares, com um campo de butiás. Hoje não passam de 39 hectares.
Irmão lassalista Teodoro, primeiro diretor do JBPA
O terreno original incluía uma colônia agrícola e a antiga chácara do Visconde de Pelotas, “compreendendo a elevação de um morrinho granítico a 50 metros sobre o nível do mar, vales de alguns arroios à sua periferia, marginados por várzeas de regular extensão”, na descrição do Irmão Teodoro.
“O terreno sobre o qual se assenta, diz Teodoro, é parte do complexo cristalino do Escudo Rio-grandense, uma das mais antigas formações da terra, revestida por um manto vegetativo sui-generis, que contém algumas espécies encontradas unicamente aqui.”
Colocação de mudas nativas. Arquivo JBPA
A implantação de um Jardim Botânico na capital gaúcha foi decidida pelo governador Ildo Meneghetti e efetivada pelo secretário de Obras, Euclides Triches, que depois foi governador do Estado.
Na comissão figuravam cientistas, médicos, engenheiros, arquitetos e urbanistas, como Edvaldo Pereira Paiva, Alarich Schultz, padre Balduino Rambo, Curt Mentz, F. C. Goelzer, Ruy B. Krug, Guido F. Correa, Nelly Peixoto Martins, Paulo Annes Gonçalves, Deoclécio de Andrade Bastos, além do senador Mem de Sá e do jornalista Say Marques, um dos idealizadores da Feira do Livro de Porto Alegre.
Foi no período do governo militar, a partir de 1964, que o Jardim Botânico teve suas maiores perdas. Os governadores nomeados doaram partes do terreno do JBPA a várias instituições: o Clube Farrapos, da Brigada Militar; o Hospital São Lucas, da PUC; o Círculo Militar, do Exército; a vila Juliano Moreira, a Escola de Educação Física da UFRGS; e os laboratórios da Fepam, hoje desocupados.
Em 2003, o JBPA foi declarado Patrimônio Cultural do Estado do Rio Grande do Sul, pela Lei nº 11.917. Em 2004, foi publicado o Plano Diretor. Proposta semelhante foi feita pelo então vereador Marcelo Sgarbossa, na época do PT, para tombar o imóvel sede do JBPA como Patrimônio Cultural e Histórico de Porto Alegre, mas nunca foi à votação.
Veneno de cobra como medicamento para combater o câncer. É exatamente isso que a farmacêutica Elizândra Braganhol está fazendo com a verba de um edital público lançado com o objetivo de desenvolver novas tecnologias no Rio Grande do Sul.
Professora da UFCSPA- Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, junto com sua equipe ela realiza bioprospecção em oncologia e também em gastronomia a partir do estudo do veneno de serpentes peçonhentas e de uma planta muito comum no litoral, a salicórnia, conhecida como sal verde ou aspargo do mar.
“Tanto os peptídeos do veneno das cobras como as moléculas da salicórnia têm propriedades medicinais e podem ser utilizadas como princípios ativos de medicamentos. Acredito que, no máximo em dois anos, a pesquisa esteja concluída”, explica a pesquisadora.
Encerrada essa fase, os medicamentos entram em pesquisa clínica mediante aprovação da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), quando são testados em pessoas para avaliar níveis de segurança e tolerância.
No momento seguinte, é testada a eficácia do produto. E, se tudo der certo, na sequência os medicamentos são novamente apresentados à Anvisa para aprovação e registro.
“Já sabemos que a salicórnia potencializa a regeneração dos tecidos, ela ajuda na cicatrização, então pode ser utilizada em curativos. E o medicamento obtido do veneno de cobra poderá ser administrado de várias formas, uma delas é o spray nasal”, diz a professora Braganhol, entusiasmada com os rumos da pesquisa, realizada em rede colaborativa com as universidades do Pampa (Unipampa), de Rio Grande (FURG), de Pelotas (UFPEL), do Rio Grande do Sul (UFRGS) e de Santa Cruz (Unisc).
A professora da UFCSPA é uma referência em pesquisa oncológica. Ela é sócia e co-fundadora da BNT Medicine, uma startup que tem o propósito de desenvolver soluções avançadas para o tratamento oncológico e com ampla experiência em biologia celular e molecular e desenvolvimento de modelos pré-clínicos de patologias.
As serpentes utilizadas na pesquisa são onze, 10 delas são da Amazônia e uma é do Rio Grande do Sul, uma jararaca. O trabalho de investigação já confirmou que o veneno tem propriedades anti tumoral, ou seja, pode combater o câncer. O foco do estudo é o tumor cerebral. O uso do veneno de cobra como medicamento para o câncer é inédito no mundo. O que já existe no mercado é o uso do veneno para tratamento da hipertensão arterial.
Poucos sabem que foi em um laboratório brasileiro, em pesquisa com veneno da jararaca, que a indústria farmacêutica desenvolveu o captopril, o remédio mais usado para tratar a hipertensão arterial.
Os venenos são também uma fonte de cobiça pelo potencial de gerar riquezas e, por isso, muitas serpentes do Brasil são vítimas de biopirataria.
“Apesar do risco de letalidade do veneno das serpentes, quando ocorre algum acidente, ele também pode agir como uma rica fonte de moléculas e ser amplamente explorado em relação ao seu potencial terapêutico”, afirma a pesquisadora.
Estratégias de inteligência artificial e ferramentas de nanotecnologia serão utilizadas no trabalho para agilizar o processo e aumentar a seletividade da medicação sobre o tumor. Com a nanotecnologia o medicamento pode ser direcionado exatamente para o local do tumor, otimizando o produto e aumentando a segurança.
Aspargo do mar
A salicórnia é uma planta tolerante à água salgada e faz parte da flora costeira de muitas regiões do Brasil e de outros países de clima ameno. Ela também é conhecida pelos nomes de sal verde, porque acumula o sal existente em áreas marinhas, e aspargo do mar. A planta tem propriedades antioxidante, antitumoral e diurética e também pode ser utilizada na alimentação.
Essa plantinha é objeto de estudo na rede coordenada pela UFCSPA. A salicórnia tem um metabolismo que permite que ela sobreviva em ambientes adversos, como a zona costeira, que é um lugar de elevada salinidade. “Essa característica da planta despertou nosso interesse e já sabemos que ela tem propriedades terapêuticas para ser aplicada no tratamento do câncer”, explica a pesquisadora Elizândra Braganhol.
A professora da UFCSPA destaca que a pesquisa com a salicórnia se vale da biodiversidade do Rio Grande do Sul, valorizando o recurso existente no estado, o conhecimento científico local e impulsionando a geração de negócios a partir do desenvolvimento de medicamentos e sua colocação no mercado para beneficiar o público que precisa de um tipo específico de tratamento. O propósito do estudo é desenvolver um medicamento anti tumoral e cicatrizante.
Atualmente, para consumo na gastronomia, o aspargo do mar pode ser encontrado em alguns restaurantes do Rio de Janeiro, como o Oteque, o Grado e o Escama e também pode ser entregue a domicílio pela D’Alga. A salicórnia pode ser consumida desidratada, para salpicar nos pratos, e ao natural, como mini aspargos. Ela tem textura crocante, sabor salino e a presença do iodo, combinando muito bem com peixes e frutos do mar.
O projeto de pesquisa da professora Elizândra Bragonhol recebeu o nome de “Saúde, meio ambiente e comunicação: desenvolvendo um modelo de economia sustentável baseado em biotecnologia para a reconstrução do Rio Grande do Sul”. Ela concorreu ao edital da Fapergs*, no âmbito da recuperação do estado em consequência da enchente de 2024, e recebeu R$ 1,5 milhão, suficientes para o desenvolvimento das duas frentes de pesquisa: medicamentos a partir do veneno de cobra e da salicórnia e também para o uso da planta na gastronomia.
Para o desenvolvimento de outras fases do estudo, como a pesquisa clínica, a identificação do meio para o transporte do medicamento (pílula, injetável e/ou aspiração) a professora da UFCSPA conta com recurso do Finep/MCTI**, que também é suficiente para concluir o trabalho. Uma raridade, porque as universidades federais sofreram contingenciamento e a maioria delas reclama da falta de verba. Felizmente não é o caso da UFCAPA, que tem laboratórios equipados, funcionando perfeitamente, e prontos para entregar resultados para a sociedade.
*Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul
**Financiadora de Estudos e Projetos/Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações
Autolicenciamento para obras de médio porte, fim da responsabilização por impactos ambientais indiretos e redução da participação social nos processos de licenciamento – estes são os principais “retrocessos” apontados pelo secretário excecutivo do Ministério do Meio Ambiente, João Paulo Capobianco. no projeto da nova Lei Geral do Licenciamento Ambiental
O projeto foi aprovado nesta quarta-feira (22) por larga maioria no Senado. O texto terá que voltar à Câmara Federal, porque foi alterado pelos senadores.
“O texto fragiliza os licenciamentos e traz retrocessos ambientais já rejeitados pelo Supremo Tribunal Federal (STF)”, disse o secretário geral do MMA, em Seminário promovido por organizações a sociedade e pesquisadores na Universidade de Brasília (UnB), na semana passada, quando o projeto entrou na pauta de votação do Senado.
O projeto, apontado por seus defensores como “um novo marco para o licenciamento ambiental no Brasil”, é alvo de críticas de ambientalistas, que ainda citam o fim de licenças para atividades agropecuárias como outro retrocesso do texto.
Capobianco destacou que o projeto contraria o que foi consolidado pela Constituição no tema da proteção ambiental e citou a criação, pelo projeto, da Licença por Adesão e Compromisso (LAC) que, para o secretário, permite o autolicenciamento com autorizações automáticas.
Para o secretário do MMA, o projeto de lei trará insegurança jurídica porque os licenciamentos via LAC serão questionados na Justiça..
“Temos vários casos em que o Supremo já derrubou leis estaduais que estabeleceram Licenças por Adesão e Compromisso, declarando essas legislações inconstitucionais”, acrescentou.
Capobianco disse ainda que é “absolutamente incompreensível” que o projeto inclua a possibilidade de licenças via LAC para empreendimentos de médios portes e impactos. Ele criticou ainda a ausência de regulação para o setor da mineração. “Terá que haver uma outra lei para regulamentar a mineração. Enquanto isso, vamos ter um vácuo legal”, disse.
Segundo o secretário, o governo tentou no Senado “minimizar” os efeitos negativos do texto, mas destacou que o tempo é curto, uma vez que o processo foi acelerado. “O tempo para se influenciar é curto”, comentou em sua palestra.
“Esse projeto é o maior retrocesso em 40 anos na legislação ambiental”, segundo Suely Araújo, ex-presidente do Ibama e atual coordenadora de políticas públicas do Observatório do Clima,
Tramitação
O PL tramitou de forma simultânea nas comissões de Meio Ambiente (CMA) e de Agricultura (CAR) sob as relatorias dos senadores Confúcio Moura (MDB) e Tereza Cristina (PP-MS), com apoio do presidente da Casa, senador Davi Alcolumbre (União-AP).
Participação Social
A redução do papel dos conselhos estaduais, municipais e do Conselho Nacional de Meio Ambiente (Conama) nos processos de licenciamento é “muito grave”, segundo João Paulo Capobianco, porque limita a participação social, aumentando o poder do Estado nos processos licitatórios.
Impactos Indiretos
Outro ponto do projeto de lei “absolutamente gravíssimo”, segundo Capobianco, é o que exclui da responsabilidade do empreendimento pelos impactos ambientais indiretos. “O empreendedor não terá nenhuma responsabilidade de adotar medidas para minimizar os impactos indiretos. Nós vamos transferir para o poder público o custo total de se adotar medidas mitigatórias”.
“Vai destravar o Brasil”
Os senadores favoráveis ao projeto de lei que flexibiliza o licenciamento ambiental no Brasil argumentam que, atualmente, existem muitas normais contraditórias que dificultam os empreendimentos, sendo necessária uma legislação nacional para unificar e padronizar o processo de licenciamento no país. “Essa lei vai destravar o Brasil”, disseram senadores que votaram a favor.
Além disso, os parlamentares reclamam que os licenciamentos atuais são burocráticos, demoram anos, e dificultam o desenvolvimento econômico.
O senador Zequinha Marinho (Podemos-PA) disse que o país não pode se desenvolver com a morosidade nos licenciamentos ambientais.
Márcia Turcato
Dois dias de intensos debates sobre mudança climática mobilizaram 1.200 participantes e cerca de 60 palestrantes no Salão Nobre da UFRGS- Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.
O Climate Change Summit foi realizado no mês de
maio e culminou com a divulgação da Carta de Porto Alegre*, que elenca os agravos provocados pelas mudanças climáticas ocorridas no Brasil e, em especial, no Rio Grande do Sul.
O evento foi aberto pela reitora da universidade, Márcia Barbosa, que lembrou que no dia dois de maio de 2024, o aeroporto internacional de Porto Alegre, totalmente alagado e com equipamentos submersos, foi fechado.
Um ano depois, cientistas do Brasil e do mundo se reúnem no Summit para buscar soluções sustentáveis e socialmente comprometidas com a comunidade.
Não foram poucos os especialistas que se revezaram no palco para alertar que até o ano 2100 o nível do mar deve subir 30 centímetros, inundando costas litorâneas,
fazendo desaparecer ilhas, abalando economias e prejudicando ainda mais os já vulneráveis.
E a razão principal para tudo isso é o aumento da temperatura provocada pela ação humana. Outros elementos naturais, como explosões solares e
a ativação de vulcões, por exemplo, também colaboram para esse cenário.
Para se ter uma ideia, o testemunho de gelo mais antigo coletado na Antártica, que é como os cientistas chamam as amostras de gelo que estudam, tem 350 mil anos, e ela já registra a presença de dióxido de carbono. Essa amostra de gelo é comparada com outra, do período industrial, onde a presença de dióxido de carbono é infinitamente maior e onde houve significativo aumento da temperatura global como resultado do impulso fabril sem cuidados com o meio ambiente, além do uso de carvão para aquecimento em toda a Europa e também na América do Norte.
O professor Jefferson Simões, PhD em Glaciologia, que participou de 29 viagens polares, assim como Francisco Eliseu Aquino, geógrafo, mestre em geleiras, e Venisse Schossler, geógrafa, pesquisadora polar, os três da UFRGS, falaram sobre a visível consequência do aquecimento global no mundo.
Eles alertaram sobre o derretimento de glaciares nos Andes, com o fechamento de vários hotéis, estações
de esqui e o fim de comunidades, por falta de neve e de água. “A dinâmica da vida na Terra está mudando”, disse Simões.
O cientista José Marengo, do Cemaden- Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais, observou que o IPH- Instituto de Pesquisas Hidráulicas da
UFRGS tem condições de oferecer todas as respostas necessárias para que Porto Alegre não seja vítima de outra enchente. “Aqui há especialistas capazes de
resolver a questão, mas não foram procurados”, se referindo ao fato do prefeito, Sebastião Melo, ter viajado à Holanda, junto com o governador do estado, Eduardo
Leite, em busca de estratégias para prevenir catástrofes hídricas.
Carlos Nobre: o tempo para reverter a crise climática está se esgotando.
Para o cientista Carlos Nobre pesquisador titular da USP- Universidade de São Paulo, integrante da Academia Brasileira e da Academia Global de Ciência, “não estamos mais falando de mudança climática e sim de emergência climática”.
Nobre alertou que a comunidade científica internacional estima que a temperatura subirá 2,5 graus centígrados até 2050, tornando a vida inviável em várias regiões, podendo
levar a população a um ponto de não retorno. “Se não revertemos nosso modo de produzir e de consumir, na América do Sul a vida só será possível próxima a
cordilheira dos Andes, por conta da umidade, o restante será um grande cerrado ou até mesmo um deserto”. A enchente
A chuva no mês de maio de 2024, em Porto Alegre, foi de 12 bilhões de metros cúbicos, ou 12 trilhões de litros. Essa quantidade de água equivale a quatro milhões de piscinas olímpicas.
Para ajudar a entender esse volume, uma piscina olímpica
tem 50 metros de comprimento, 25 de largura e três metros de profundidade. Os dados são do INPE- Instituto de Pesquisas Espaciais, e o cálculo foi feito a partir de
imagens de satélite.
A enchente aconteceu não só porque choveu muito, mas também porque um sistema de alta pressão fez com que as nuvens permanecem sobre o Rio Grande do Sul, os rios voadores – que são formados pela umidade da amazônia,
encontraram uma confluência que os fez migrar para o Sul, uma instabilidade climática entrou no estado pela Argentina e muitos equipamentos contra enchente
estavam sem manutenção, além de várias edificações serem em áreas de risco ou em locais de aterro.
E o que fazer? Essa pergunta foi de todos. E várias sugestões surgiram, como dar manutenção para equipamentos contra cheias, construir pontes, estradas e prédios resistentes a catástrofes climáticas, não edificar em áreas de risco e em áreas alagadas, ter programas de acolhimento para populações vulneráveis, melhores
práticas de ocupação do solo e de produção agropecuária, combater o negacionismo climático, ter um plano eficiente de rota de fuga e de proteção para a população e uma estratégia de comunicação de risco.
Centro para enfrentar epidemias
Pesquisadora Margareth Dalcomo
A médica Margareth Dalcomo é a mulher que cancelou o Natal no Brasil. No dia 23 de dezembro de 2020, a pesquisadora da Fiocruz foi ao Jornal Nacional para dizer
que não poderia haver confraternização natalina por causa da pandemia de Covid-19, as pessoas deveriam ficar em reclusão.
Agora ela volta ao cenário para contar que faz parte do seleto grupo de especialistas que vai orientar o Ministério da Saúde na construção de uma entidade para o enfrentamento de pandemias.
A iniciativa leva em conta as alterações provocadas no ambiente em consequência das mudanças climáticas, além de fatores sociais e culturais.
O grupo deve apresentar diretrizes para a criação de um organismo federal de controle e prevenção de doenças vinculado ao Ministério da Saúde. Treze instituições ligadas ao setor saúde e 18 especialistas da área, entre eles a pesquisadora da Fiocruz Margareth Dalcomo, fazem parte do grupo, que tem prazo de 60 dias para entregar a proposta.
A portaria do Ministério da Saúde, de 11 de março de 2025, assinada pelo ministro Alexandre Padilha, determinando a criação do organismo, também estabeleceu que o grupo de trabalho deve elaborar propostas que ajudem o país a ampliar sua capacidade de resposta para as emergências em saúde.
Mas a pesquisadora adverte: “o novo organismo não é um CDC, ainda não definimos como será”. O CDC, Centro de Controle e Prevenção de Doenças, em inglês Centers for Disease Control and Prevention, é a agência nacional de saúde pública dos Estados Unidos, com sede em Atlanta, na Geórgia, responsável por prevenir e combater doenças.
O CDC realiza pesquisas, desenvolve políticas e trabalha em conjunto com parceiros globais para responder a crises de saúde pública.
Procurado pela reportagem, outro especialista do grupo, epidemiologista, respondeu de forma semelhante: “ainda não temos o desenho do futuro centro, mas temos evitado comparar com o CDC”. E acrescenta que os participantes foram organizados em três grupos temáticos, portanto, “o perfil da instituição só será vislumbrado quando o produto de trabalho dos três grupos for reunido e analisado”.
Palestrante do Summit em Mudanças Climáticas, organizado pela UFRGS, em Porto Alegre, Dalcomo sugeriu que houvesse uma nova definição para a espécie
humana, que deixaria de ser homo sapiens para se tornar homo cretinus.
Isto, segundo ela, porque todas as alterações sofridas pelo planeta Terra foram resultado de acidentes com meteoros ou do impacto das placas teutônicas, mas, agora, as
alterações são causadas conscientemente pela ação humana.
Ela destaca os riscos de enfermidades já controladas voltarem e de doenças desconhecidas emergirem em função do aumento da temperatura global e suas
consequências sobre todo o planeta.
A pesquisadora da Fiocruz atribui ao negacionismo das autoridades públicas a volta do sarampo, enfermidade que estava controlada no mundo, os milhões de mortes por Covid, em especial os óbitos registrados no Brasil, e a queda nas coberturas vacinais, resultado da falta de
campanhas de sensibilização em vários estados e da falta de compromisso social das prefeituras, que não solicitam imunizantes em quantidade suficiente para atender a população e não informam o local onde o produto está disponível.
*Integra da carta aqui: https://www.change.org/p/carta-de-porto-alegre?recruiter=8724911&recruited_by_id=e8de3ad0-7abb-11e6-bfcb-
8b3c34ff26b2&utm_source=share_petition&utm_campaign=petition_dashboard&utm
_medium=copylink
Um ano se passou da catástrofe climática no Rio Grande do Sul. Mas a emergência climática não foi cancelada. Ao contrário, ela continua deixando suas marcas por onde passa. Dia 12 de maio, no Campo 4 do Monte Everest, a cerca de sete mil metros de altitude, a temperatura alcançou 30 graus centígrados. É o que conta o montanhista Pedro Hauck, guia de montanha, que lidera uma expedição que tenta alcançar o cume do Everest, de 8.848,86 metros de altitude. “Tivemos de tirar nossos casacos de proteção contra frio extremo”, relata Hauck. Eles não alcançaram o cume, precisaram descer, por conta de um vento forte que colocou em risco o grupo. Os montanhistas farão nova tentativa ao longo desta semana.
O professor Jefferson Simões, PhD em Glaciologia, que participou de 29 viagens aos pólos, observa que as geleiras polares perderam 30% de sua área e as geleiras não polares, como as da Cordilheira dos Andes, por exemplo, perderam 40% de sua área, expondo pedras, gerando calor, provocando inundações no início do fenômeno, e agora escassez hídrica para as comunidades que vivem na base da montanha. E este é um fenômeno que também ocorre no Everest, a montanha mais alta do mundo.
O degelo no Monte Everest, resultado do aquecimento global impulsionado pela atividade humana, tem várias consequências significativas, incluindo a exposição de corpos de montanhistas que morreram tentando alcançar o cume, e a desestabilização das geleiras, como a Khumbu. O derretimento também contribui para a formação de lagoas e de fendas, como no glaciar de Khumbu, que os montanhistas precisam atravessar. O aumento da temperatura na região também está expondo o lixo deixado pelas expedições, antes cobertos por espessas camadas de neve e gelo.
Para o cientista Carlos Nobre, pesquisador titular da USP- Universidade de São Paulo, integrante da Academia Brasileira e da Academia Global de Ciência, “não estamos mais falando de mudança climática e sim de emergência climática”. Em recente evento na UFRGS, que discutiu o aquecimento global no âmbito das reflexões sobre a enchente gaúcha, Nobre alertou que a comunidade científica internacional estima que a temperatura subirá 2,5 graus centígrados até 2050, tornando a vida inviável em várias regiões, podendo levar a população a um ponto de não retorno. “Se não revertemos nosso modo de produzir e de consumir, na América do Sul a vida só será possível próxima a cordilheira dos Andes, por conta da umidade, o restante será um grande cerrado ou até mesmo um deserto”.
Derretimento da montanha
Cadê o gelo que estava aqui? Pergunta o montanhista brasileiro Pedro Hauck, 43 anos, a cada vez que lidera uma expedição em alta montanha. Nesta entrevista, feita com o auxílio de um aplicativo de mensagens, Hauck fala sobre sua experiência em alta montanha e as alterações climáticas que tem percebido em mais de duas décadas de escaladas.
Pedro Hauck, paulista de Itatiba, radicado há 18 anos em Curitiba, é geógrafo formado pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), pós graduado na Universidade Federal do Paraná (UFPR) e guia de expedições de montanhismo. Ele já escalou 170 montanhas acima de 5 mil metros de altitude e em 2024 alcançou o cume do Aconcágua, na Cordilheira dos Andes, a maior montanha do ocidente e do hemisfério sul, com 6.961 metros de altitude. Agora ele está no Everest.
Nas fotos que Hauck publica em suas redes sociais é possível perceber o degelo das montanhas, com rochas expostas onde antes havia neve. “Eu sou uma testemunha das mudanças climáticas globais”, afirma o montanhista. Em 2002, na sua primeira experiência no Aconcágua, a montanha era totalmente diferente de hoje.
Ele conta que em fevereiro de 2002, “que é uma época em que o derretimento do gelo está mais avançado, mesmo assim eu escalava em gelo, isso na Plaza de Mulas, que é onde fica o acampamento base, a 4.300 metros de altitude. Atualmente, na Plaza de Mulas, não tem nada de gelo. Zero gelo. Já escalei montanhas nos Andes cuja rota era pelo gelo, o gelo derreteu, como na montanha Rincon, com 5.590 metros de altitude. Era uma rota por uma canaleta de gelo e agora a escalada é em rocha pura. É muito perigoso, porque essas rochas estão soltas, elas estavam estáveis por conta do gelo, que funciona como cimento”.
As mudanças climáticas não são apenas alterações na temperatura. O clima é muito mais do que temperatura, o clima é precipitação, é vento, é irradiação. Todos esses elementos mudaram e nos Andes uma coisa que mudou muito é a precipitação, tem nevado cada vez menos, sem falar na temperatura que subiu muito. A média de temperatura no inverno nos Andes oscilava entre 14 graus centígrados negativos e zero. Mas, em 2023, alcançou 38,9 graus em pleno inverno.
As rotas técnicas, com gelo, estão desaparecendo, assim como todos os glaciares, agora estão surgindo as rochas soltas. As estações de esqui estão fechando porque não há mais gelo. A estação de esqui de Chacaltaya, na Bolívia, perto de La Paz, que era a estação mais alta do mundo, a 5.421 metros de altitude, fechou em 2009.
O montanhista Pedro Hauck conta que ministra um curso de alta montanha na Bolívia há algum tempo. São aulas práticas de técnica de escalada em gelo. “Há três anos eu levava o grupo até 4.900 metros de altitude para praticarmos a escalada em gelo. Não tem mais gelo nessa altitude. Agora nós precisamos subir até 5.300 metros para encontrar gelo e praticar a técnica. Abaixo dessa altitude é tudo rocha exposta ao Sol e às variações climáticas”, afirma.
Recentemente, a estação de esqui Vallecitos, no cerro Cordon del Plata, a cerca de 5 mil metros de altitude, na Argentina, foi totalmente abandonada, não tem mais gelo. A estação de esqui de Penitentes, 4.350 metros de altitude, ao lado da Rota 7, que vai de Mendoza, na Argentina, a Santiago, no Chile, está parcialmente abandonada desde 2016 porque não é em todos os invernos que há neve suficiente para a prática do esporte.
Geleira tropical
O glaciólogo Jefferson Cardia Simões fala sobre as pesquisas realizadas nos Andes para avaliar o degelo nas montanhas. Especialista no tema, ele viaja ao Polo Sul desde os anos 90 e também já esteve no Ártico e em outras regiões geladas do planeta. O trabalho consiste, basicamente, na realização de análises químicas da atmosfera e na coleta de testemunhos de gelo, que é uma espécie de paleontologia glacial, ou técnica palio climática.
O pesquisador coletou amostras na maior calota de gelo da América do Sul, a Quelccaya, no Peru, onde realizou perfurações de 120 metros, a 5.700 metros de altitude, para avaliar como se dá a circulação atmosférica na amazônia e conhecer como era o clima antes dos portugueses e do espanhóis chegarem à América. O Peru concentra 70% do gelo tropical do mundo.
O professor explica que esse trabalho é recente, começou em setembro de 2022 e deve trazer muito conhecimento à tona. Quelccaya é a maior geleira tropical do mundo, tem 17 km de extensão, uma área de 44 km quadrados e está apenas 5,1 km da cidade de Cusco, mas o acesso é muito difícil e exige preparo físico. A temperatura média na região é de zero grau. É um lugar muito procurado por praticantes de montanhismo. Desde 1978, Quelccaya perdeu 20% de seu tamanho, fenômeno que costuma ser citado por pesquisadores como um sinal das mudanças climáticas.
O derretimento do glaciar tanto pode ser consequência do aquecimento global como de alguma outra alteração climática, como a diminuição da precipitação de neve. Glaciólogos de outros países estudam Quelccaya desde 1970 e já perceberam um forte derretimento do glaciar e um consequente aumento do volume de água dos riachos locais, o que pode até provocar inundações no futuro.
Geleira, ou glaciar, é uma grande e espessa massa de gelo formada em camadas sucessivas de neve compactada e recristalizada, de várias épocas, em regiões onde a acumulação de neve é superior ao degelo.
Plantio em alta temperatura
Em 2017 foi realizada uma simulação de cultivo de grãos de milho em temperatura aumentada em 2,6 graus centígrados, em uma área de comunidades tradicionais do Peru. A experiência resultou na perda de toda a lavoura de milho. As plantas morreram queimadas ou atacadas por pragas que não estavam presentes em temperaturas mais amenas.
Na lavoura de batata o resultado foi semelhante. Cultivadas em altitudes mais baixas, com temperatura mais alta, mas ainda em solo tradicional, as batatas não se desenvolveram e a qualidade era tão baixa que não lograram valor de mercado. Essas duas culturas são a base da alimentação das comunidades andinas e o impacto do aumento da temperatura na região coloca em risco o estilo de vida dessa população e de todo o ecossistema.
As simulações foram conduzidas pelo pesquisador Kenneth Feeley, do Departamento de Biologia da Universidade de Miami, EUA, em parceria com o biólogo Richard Tito, indígena da etnia quechua, nativo da região. O resultado do trabalho, “Global Climate Change Increases Risk of Crop Yield Losses and Food Insecurity in the Tropical Andes”, foi publicado na revista Global Change Biology e também pode ser encontrado na plataforma EcoDebate (ecodebate.com.br).
BOX 1
A enchente
Em maio de 2024, o Rio Grande do Sul viveu sua terceira enchente em um ano. Mais de 870 mil pessoas foram impactadas, 420 municípios foram atingidos, do total de 497 existentes. No mês de maio, a média de chuva diária chegou a ser de 400 mm.
A chuva no mês de maio, em Porto Alegre, foi de 12 bilhões de metros cúbicos, ou 12 trilhões de litros. Essa quantidade de água equivale a quatro milhões de piscinas olímpicas. Para ajudar a entender esse volume, uma piscina olímpica tem 50 metros de comprimento, 25 de largura e três metros de profundidade. Os dados são do INPE- Instituto de Pesquisas Espaciais, e o cálculo foi feito a partir de imagens de satélite.
A enchente aconteceu não só porque choveu muito, mas também porque um sistema de alta pressão fez com que as nuvens permanecem sobre o Rio Grande do Sul, os rios voadores – que são formados pela umidade da amazônia, encontraram uma confluência que os fez migrar para o Sul, uma instabilidade climática entrou no estado pela Argentina e muitos equipamentos contra enchente estavam sem manutenção, além de várias edificações serem em áreas de risco ou em locais de aterro.
O Tribunal de Justiça convocou audiência pública “para troca de informações técnicas” no dia 30 de maio, às 14h. O debate “auxiliará na compreensão da natureza do corpo hídrico Guaíba — se é rio, lago, ambos ou ainda outro tipo”
A questão não é a definição em si, mas o impacto direto que essa definição tem para as regras que vão estabelecer o que pode ou não pode ser feito nas terras que margeiam o “corpo hidrico”.
O Tribunal busca subsídios para o julgamento de uma Ação Civil Pública que tramita na Vara Regional do Meio Ambiente da Comarca de Porto Alegre, movida pela Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan), pelo Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (INGÁ) e pelo Movimento de Justiça e Direitos Humanos.
Os réus são o Estado do Rio Grande do Sul, a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e o Município de Porto Alegre.
Os autores defendem que o Guaíba deve ser juridicamente reconhecido como curso d’água natural e perene, com largura superior a 600 metros, o que implicaria a existência de uma margem de 500 metros classificada como Área de Preservação Permanente (APP), conforme o art. 4º, inciso I, alínea “e”, da Lei nº 12.651/2012.
Os movimentos alegam que esse entendimento é respaldado por pareceres técnicos, estudos hidrossedimentológicos e dados científicos desenvolvidos pela UFRGS, que atribuem ao Guaíba características típicas de um curso d’água, e não de um lago.
Os autores acrescentam que a faixa marginal correspondente constitui espaço territorial especialmente protegido e área non aedificandi (onde construções são proibidas ou restritas), cuja integridade vem sendo comprometida por edificações irregulares, autorizadas ou toleradas pelo Poder Público.
Por isso, solicitam a concessão de medida liminar para que os réus se abstenham de licenciar, autorizar ou tolerar qualquer forma de intervenção ou construção nas faixas marginais do Guaíba, até o julgamento do mérito da ação.
Diante da complexidade da causa, a apreciação da liminar foi adiada para momento posterior à apresentação das conclusões técnicas. O processo encontra-se atualmente em fase de instrução probatória.
Inscrições
O evento ocorrerá no Auditório Espaço Multi-Comunicação e Eventos do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), localizado na Av. Borges de Medeiros, 1565, 13º andar, Bairro Praia de Belas, Porto Alegre-RS. Haverá transmissão ao vivo pelo canal oficial do TJRS no YouTube. Para garantir acessibilidade, serão disponibilizados intérprete de Libras e legendagem em tempo real.
Integrantes da comunidade científica e de entidades ambientalistas interessados em realizar manifestações orais podem inscrever-se até o dia 20 deste mês, pelo e-mail frpoacentvrma@tjrs.jus.br.
Não é necessário realizar inscrição para participar como ouvinte — apenas para manifestações orais. Interessados também poderão enviar contribuições por escrito até cinco dias úteis após a audiência pública, pelo mesmo e-mail, limitadas a 10 páginas, em formato PDF, com fonte Arial ou Times New Roman, tamanho 12 e espaçamento 1,5.
Em recurso ao TRF 4, o Ministério Público Federal voltou a pedir a anulação da licença de instalação já concedida ao projeto Fosfato Três Estradas, para mineração em Lavras do Sul.
O projeto, da empresa Águia Fertilizantes, pretende explorar uma jazida de mais de 100 milhões de toneladas de fosfato, matéria-prima essencial para a produção de adubos e correção do solo, que o Brasil importa.
Na divisa entre os municipios de Lavras do Sul e D. Pedrito, a 320 km de Porto Alegre, o projeto Três Estradas abrange uma área de 15 mil hectares
A expectativa é de que sejam produzidas 300 mil toneladas por ano, ou cerca de 15% da demanda do Rio Grande do Sul.
A empresa Águia Fertilizantes anunciou investimentos iniciais de cerca de R$ 35 milhões na Fase 1 do projeto, prevista para 18 anos de duração, com geração de 100 empregos diretos na operação.
O projeto foi iniciado em 2011, teve licença de instalação em 2017, mas ainda enfrenta muita resistência de movimentos sociais e ambientalistas, pelo potencial de danos ao meio ambiente e à saúde das comunidades locais.
Em 2021, o MPF já havia recomendado à Fundação Estadual de Proteção Ambiental a anulação da licença concedida ao projeto, “pelas inconsistências apontadas em laudos produzidos por peritos do MPF”.
A recomendação não foi seguida. O MPF, então, abriu um inquérito civil e, no ano seguinte, entrou na Justiça Federal, incluindo as comunidades de agropecuaristas (pequenos criadores e agricultores familiares) que vivem na região e têm, garantido em lei, o direito de serem ouvidos no processo de licenciamento.
No último dia 22 de outubro, a juíza Aline Cristina Zimmer, da 1ª Vara Federal de Bagé, negou o pedido de nulidade da licença ambiental de instalação, já concedida ao Projeto Fosfato Três Estradas.
A juíza reconheceu a necessidade de estudos complementares sobre pontos técnicos relacionados ao meio ambiente, mas sobre os agropecuaristas considerou que “não era possível concluir que se tratava de uma comunidade tradicional”.
Em seu recurso, o MPF reitera as deficiências apontadas nos estudos de impacto ambiental e destaca o direito dos moradores tradicionais da região de serem ouvidos no processo de licenciamento do projeto. “Os povos indígenas e as comunidades tradicionais têm o direito de ser consultados sempre que medidas legislativas ou administrativas possam afetá-los diretamente”.
Há risco que famílias produtoras de alimentos fiquem sem condições de sobreviver no local e de impacto nos muitos rios da região, área conhecida como “berço das águas”, além da perda de vegetação nativa do bioma Pampa, já bastante atingido pelas monoculturas.
Segundo o MapBiomas, anualmente, o Pampa perde em torno de 150 mil hectares de campos nativos por ano, convertidos em lavouras, prioritariamente de soja, ou transformados em áreas de cultivo de eucalipto.
“A criação da mina invade o espaço dos pecuaristas familiares que produzem alimento saudável, além de interferirem nos rios da região com a construção de grandes barragens’”, afirma Vera Colares, integrante da Associação para Grandeza e União de Palmas (AGrUPa).
Ela ressalta que os vários pedidos de audiências públicas no distrito de Três Estradas, em Lavras do Sul, e em Dom Pedrito, não foram atendidos.
“O governo estadual nunca fala com as comunidades afetadas pelos projetos de mineração. Pedimos audiência com o governador e não fomos atendidos. Os empreendedores fizeram algumas reuniões tentando convencer a comunidade das ‘vantagens’ do empreendimento. A mina também atua nas comunidades através das escolas, financiando eventos e artistas, entre outras ações para angariar simpatias e mascarar os efeitos adversos que a mineração causa. Também faz um trabalho com parlamentares de todas as esferas em nível local, estadual e federal, de modo a aprovar a legislação de seu interesse, bem como utilizar recursos públicos para financiar sua atividade que, isso sim, poderiam ser utilizados em atividades que trouxessem desenvolvimento sustentável”, afirma Vera.
No parecer encaminhado à 3a.Turma do Tribunal Regional Federal, que vai julgar o recurso, o procurador Vitor Hugo Gomes da Cunha afirma que “o comprometimento da vida no território por ameaças externas (como a mineração) leva ao adoecimento destas comunidades e coloca em risco a continuação da reprodução desse modo de saber, fazer e viver, colocando em risco (…) também o patrimônio cultural imaterial da vida campeira”.
O procurador ainda registra que “outras instâncias do governo estadual – como a Secretaria de Meio Ambiente e o Conselho Estadual de Direitos Humanos – “já reconheceram os agropecuaristas familiares de Três Estradas como comunidade tradicional”.
O julgamento do recurso ainda não tem data marcada.