Meteorologia prevê “terceira onda de calor” no Rio Grande do Sul nos próximos dias

O Rio Grande do Sul deve enfrentar uma nova onda de calor neste final de semana.

O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) aponta que o centro-oeste gaúcho pode atingir os 40º C.

Para o Inmet, a nova onda de calor seria a terceira no país neste ano.

A primeira foi entre os dias 17 e 23 de janeiro e a segunda ocorreu entre os dias 2 e 12 de fevereiro, ambas localizadas também no Rio Grande do Sul.

O Inmet explica que, conforme a Organização Meteorológica Mundial (OMM), “uma onda de calor é caracterizada quando as temperaturas máximas diárias ultrapassam em 5º C ou mais a média mensal durante, no mínimo, cinco dias consecutivos”. E acrescenta que “essa condição deve abranger uma área extensa”.

Para as demais regiões, as instabilidades na Região Norte continuam, principalmente nas áreas que vão do Amapá até o Maranhão.

Os volumes de chuva podem atingir 100 mm em 24 horas, e os ventos, até 100 km/h. Situação resultante da presença nestes locais da zona de convergência intertropical (ZCIT).

De norte a sul, o país está sujeito a fortes chuvas no final de semana, com aviso amarelo de perigo potencial. O volume médio previsto é de até 50 mm, e ventos de até 60 km/h.

São Paulo
A Defesa Civil de São Paulo alerta para a ocorrência de fortes temporais nesta sexta-feira (21)  no estado. Conforme o órgão, “a combinação dos elevados índices de temperatura e umidade provocará chuvas em São Paulo, que pontualmente podem ser bem fortes”.

Os principais pontos sujeitos às precipitações são a região metropolitana da capital e o Vale do Paraíba. “Os moradores dessas localidades devem ficar atentos aos possíveis transtornos, pois a previsão aponta chuvas com volumes que podem chegar a 100 mm e ventos de até 100 km/h, de acordo com aviso laranja emitido pelo Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet)”, divulgou a Defesa Civil.

O tempo instável em São Paulo deve-se a um sistema meteorológico estacionado próximo à costa do Sudeste. Diante desse cenário, a Defesa Civil do Estado reforça a importância de redobrar os cuidados, especialmente em áreas vulneráveis a alagamentos e deslizamentos de terra.

Rio de Janeiro
No Rio de Janeiro, a previsão do Inmet para amanhã também é de um sábado com bastante calor, com a temperatura chegando aos 36º C, mas com pouca nebulosidade.

Já no domingo (23) o calor deve chegar aos 35º C e formação de muitas nuvens, embora sem previsão de chuvas. Na segunda-feira (24) devem acontecer pancadas de chuva isoladas.

O calor no Rio de Janeiro fez com que mais de 5 mil pessoas buscassem atendimento em unidades do Sistema Único de Saúde (SUS) desde o início do ano.

Apenas em fevereiro, cerca de 2,4 mil pessoas recorrem a unidades de emergência do SUS por complicações causados pela onda de calor.

A capital fluminense atingiu na última segunda-feira (17) o nível 4 de calor, o segundo mais alto em uma escala que vai até 5.

Esta foi a primeira vez que o Rio atingiu o patamar, desde a criação dos níveis pela prefeitura, em junho de 2024. Na segunda-feira, os termômetros chegaram a marcar 44ºC, a temperatura mais alta registrada pelo Sistema Alerta Rio desde 2014.

(Com informações da Agência Brasil)

Degelo nos pólos: mudanças no clima e na geopolítica global 

É a 29º viagem do glaciólogo gaúcho Jefferson Cardia Simões aos pólos. Ele sempre veraneia no gelo:  foi duas vezes ao Ártico e 27 à Antártica.

Aos 66 anos de idade, professor e pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, esse cientista estóico, como ele mesmo se considera, vai e volta do gelo com a maior naturalidade.

Concedeu esta entrevista exclusiva apenas três dias após seu retorno a Porto Alegre (RS) em sua sala na Faculdade de Geografia da UFRGS em meio a um alerta da Defesa Civil gaúcha de alerta extremo de calor.

“Sou uma pessoa estóica, posso ficar dois meses fora de casa, mas quando volto assumo minha rotina e minha função de marido, pai e avó”. Simões é casado há mais de 40 anos, tem dois filhos e dois netos.

Nesta última missão, a Internacional Circum-Navegação Costeira Antártica (ICCE), que regressou ao Brasil no dia 31 de janeiro, Simões foi o chefe da expedição e coordenou 57 cientistas de sete países (Argentina, Chile, China, Índia, Peru, Rússia e Brasil).

O trabalho foi a bordo do navio quebra-gelo  Akademik Tryoshnikov, que navegou 27,1 mil km nos 69 dias da expedição. O navio pertence ao Instituto de Pesquisa Ártica e Antártica de São Petersburgo, na Rússia.

Os dois meses de navegação em mares da Antártica, confirmaram para o pesquisador tudo aquilo que as evidências científicas já haviam indicado: as geleiras estão derretendo, a água do mar está ficando cada vez mais ácida, a fauna e a flora estão sofrendo alterações, assim como as correntes marítimas e as comunidades costeiras, que serão fortemente afetadas.

As regiões polares são mais sensíveis às mudanças climáticas e elas dão sinais claros do que está acontecendo. O derretimento das geleiras expõe as rochas e elas aquecem  a região porque propagam calor.

Quais foram os objetivos da missão?

O objetivo número um foi obter informações sobre a movimentação do gelo nas bordas do continente antártico, porque este gelo pode estar dinamicamente instável. São milhares de toneladas que podem ter um deslocamento abrupto e provocar uma turbulência sem precedentes no mar, algo como um tsunami. O segundo objetivo foi averiguar o nível de salinidade do mar, porque ele está mais ácido.

A pesquisa já identificou que a água do oceano austral está mais ácida devido a concentração de CO2. Isto porque o gelo que cobria a água do mar derreteu. Esse gelo funcionava como um isolante térmico. Sem essa proteção, a água do mar absorveu o CO2 que existe na atmosfera, a maior parte dele produto da interferência humana. As regiões polares são mais sensíveis às mudanças climáticas e elas dão sinais claros do que está acontecendo. O derretimento das geleiras expõe as rochas e elas aquecem  a região porque propagam calor.

As geleiras polares perderam 30% de sua área e as geleiras não polares, como as da Cordilheira dos Andes, por exemplo, perderam 40% de sua área, expondo pedras, gerando calor, provocando inundações no início do fenômeno, e agora escassez hídrica para as comunidades que vivem na base da montanha.

Como foi o trabalho em equipe com tantas nacionalidades envolvidas?

Essa foi a primeira vez que cientistas brasileiros atuaram na Antártica Oriental. O envolvimento de tantos países com o mesmo objetivo é, para mim, um exemplo de “diplomacia da ciência”, houve muita cooperação e entrosamento. Interessante notar que os sete países a bordo do navio eram aqueles que deram início ao BRICS, que é um esforço de cooperação econômica entre nações. O trabalho de pesquisa se valeu de balões atmosféricos para realizar a coleta de dados que permitirão entender melhor a formação das frentes frias e dos ciclones extratropicais, além da coleta de materiais, que são os testemunhos de gelo, e de amostras de água do mar, de neve e do solo.

A Antártica tem 90% do gelo do mundo. 1% de derretimento representa um aumento de 60 cm no nível do mar. Imagine isto em algumas décadas, comunidades costeiras irão desaparecer, assim como várias ilhas. Cenários mostram que o  nível do mar poderá subir 7m até o ano de 2100. O gelo antártico tem até 2 km de espessura, são cerca de 27 milhões de km cúbicos de gelo na Antártica, o suficiente para cobrir o Brasil com um manto de gelo de 3 km de espessura em toda a sua extensão. O território brasileiro tem 8,5 milhões de km quadrados.

Atualmente existe mais consciência sobre as mudanças climáticas em curso?

A questão do meio ambiente é global e os pólos estão inseridos na nossa vida, assim como a Amazônia e o Pantanal, por exemplo, há uma interdependência. Mudanças climáticas sempre existirão, mas é necessário reduzir o impacto sobre o clima imediatamente. Mesmo diminuindo o impacto que já provocamos, o nível do mar subirá 30 cm até o ano 2100.

No Brasil, de um modo geral, as pessoas pensam que a mudança climática está relacionada aos biomas verdes, como a floresta da Amazônia ou a flora do Cerrado. Mas tudo está relacionado, os fatores do meio ambiente são globais. Não há uma discussão relevante sobre mudança climática nas COPs (Conferências do Clima) eu nunca fui convidado para uma Conferência Internacional do Clima e nem devo ir na COP 30 (de 10 a 21 de novembro, em Belém, no Brasil). As COPs são eventos políticos, não são de ciência.

Há um visível derretimento do gelo no Ártico e uma disputa envolvendo várias nações. O que isso significa?

A navegação marítima é afetada com o degelo do mar no Ártico, surgem novos portos, novas rotas comerciais, nova geopolítica e até a militarização em novas fronteiras. O Ártico aqueceu cerca de 4 graus e abriu uma nova passagem marítima. Em breve, o mar congelado deixará de existir nos meses do Verão no hemisfério norte . E assim não haverá mais o albedo, que é o reflexo do Sol na neve, então o Sol vai aquecer diretamente a água do mar, modificando correntes marítimas, fauna e flora.

Na nova geopolítica, com a passagem marítima Nordeste, acima da Sibéria, o tempo das viagens comerciais de navio será reduzido em 10 dias, resultando em uma economia de 100 mil dólares, por embarcação, a cada viagem. Os navios não precisarão mais passar pelo Canal de Suez, no Oriente, ou pelo Cabo da Boa Esperança, na África, para dar a volta ao globo.

Mais ou menos 70% do Ártico é da Rússia, que vai estender sua plataforma continental em mais 350 milhas. O Ártico tem 6 países com costa territorial: Rússia, Estados Unidos (via Alaska), Canadá, Dinamarca (via Groenlândia, território autônomo), Islândia e Noruega. O Ártico também inclui os territórios de Svalbard, uma ilha administrada pela Noruega, e Nunavut, um território autônomo do Canadá. E vem daí toda a recente discussão do atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que quer anexar territórios para expandir sua geopolítica. É a nova colonização. Para quem especula como ganhar mais dinheiro, a mudança climática não importa, é encarada como uma consequência para as futuras gerações, não agora. Uma visão simplista.

Qual o custo para realizar uma missão de tamanha importância e envolvendo tantos países?

Conseguimos um financiamento de 98% do projeto, cerca de 6 milhões de euros, da fundação franco-suíça Albédo Pour da Cryosphére e contamos com o apoio do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico-  CNPq, e da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul- Fapergs.

O degelo fortalece negócios

A Rússia detém a maior extensão litorânea no Ártico, ao longo da qual se estende a Rota Nordeste do Mar, a principal passagem da região. Em seguida, o Canadá possui a segunda maior costa, onde está a chamada Passagem Noroeste. Vivem diversas comunidades tradicionais na região. O Ártico é uma região rica em minerais, com destaque para a abundância de petróleo e gás. O Ártico também se destaca por ser uma área militarmente estratégica.

A região teve papel fundamental durante a chamada Guerra Fria, por conta da proximidade geográfica dos Estados Unidos com a Rússia, via Alaska, e bases militares foram construídas na região.  Com parte do derretimento do Ártico, o mundo do capital vê uma oportunidade de negócios. Não existe um acordo de proteção do Ártico, só existe para a Antártica, que está protegida até 2048. E depois, o que acontecerá?

* Jefferson Cardia Simões Faz parte de diversas entidades internacionais de ciências, como o Commttee on Antartic Research (SCAR/ISC). Obteve o PhD pelo Scott Polar Reserch Institute, University of Cambridge, Inglaterra, em 1990. 

 

 

Quilombo da Anastácia, em Viamão, ganha reconhecimento após 15 anos de luta pela terra

Cleber Dioni Tentardini

A Fundação Cultural Palmares, do governo federal, reconheceu, em 2007, o direito às terras do Quilombo da Anastácia, um dos três existentes no município de Viamão.

A sede regional do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) realizou estudos de identificação e delimitação e avalizou a comunidade quilombola, mas faltava a decisão final do Incra em Brasília para que os moradores ganhassem o direito a receber os títulos de propriedade.

A decisão veio no dia 20 de novembro de 2023. Nesse Dia Nacional da Consciência Negra, o Incra reconheceu 29 comunidades quilombolas, incluindo as 16 famílias da Anastácia, que ganharam o direito à propriedade de pouco mais de 64 hectares.

Uma empresa catarinense produtora de arroz no local, no entanto, contestou o laudo, reivindicando a propriedade de parte das terras onde está o quilombo, mas o Conselho Diretor do Incra confirmou o direito da comunidade.

O sociólogo Sebastião Henrique Lima, responsável pelo setor de regularização de territórios quilombolas no Incra/RS, explica que a publicação da Portaria encerrou o processo administrativo.

– A sede regional do Instituto está providenciando um histórico de todo o processo para enviar à Superintendência do Incra, onde será revisado e, se tudo estiver certo, encaminhado à Casa Civil para que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assine o decreto, detalha Lima.

A partir da desapropriação de parte da área pertencente à empresa agrícola, o Incra registra em cartório o imóvel em seu nome e deposita em uma conta judicial o valor a que tem direito a antiga proprietária.

Quilombo da Anastácia, em Viamão., Foto: Cleber Dioni

MP concluiu inquérito sobre conflitos no uso da água

No decorrer do processo, as famílias da Anastácia sofreram assédios da produtora de arroz Fazenda Embireira Agroflorestal, que descumpriu acordo feito com os moradores para poder captar água na parte da lagoa que está dentro dos limites do Quilombo. A lagoa é uma planície de inundação do rio Gravataí.

“Não pagavam pelo uso da água e ainda fecharam um canal na lagoa, que dá acesso ao Quilombo. Antes recebíamos turistas, vendíamos lanches, inclusive hospedávamos alguns casais, que ficavam encantados com nosso quilombo, queixou-se Berenice Gomes de Deus, uma das lideranças da comunidade.

Berenice é neta de Anastácia de Oliveira Reis, que dá nome ao quilombo, e bisneta de Hortência Marques de Oliveira, que viveu como escrava naquela região da Estância Grande.

Lagoa no Quilombo da Anastácia, em Viamão. Foto: Cleber Dioni
Barragem de plantadores de arroz na lagoa do, Quilombo. Foto: Cleber Dioni

O Ministério Público do Estado, através da Promotoria Regional da Bacia do Gravataí, instaurou inquérito civil para acompanhar os conflitos em uso de área de sobreposição entre o quilombo e a produtora de arroz.

A promotora de Justiça Roberta Morillos Teixeira diz que, à princípio, os moradores negaram interesse em novo acordo porque a empresa não cumpriu com as contrapartidas, mas depois de algumas reuniões, chegaram a um denominador comum.

Promotora Roberta Teixeira. Foto: MPRS

– Paralelo a isso, a Promotoria conduziu investigações por descumprimento das condicionantes do licenciamento pela Fazenda Embireiria e pelas outorgas de uso da água. E acompanhamos também as medidas administrativas da Fepam e da SEMA.

A empresa Fazenda Embireira Agroflorestal foi multada pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler (Fepam) por construção de canais novos sem licença de operação.

A região onde está o quilombo e a produtora de arroz, a Estância Grande, está dentro da Área de Proteção Ambiental do Banhado Grande (APABG).

Um parecer da equipe técnica e gestora da APABG identificou a área como sendo de extrema sensibilidade ambiental e social, uma vez que segundo o Plano de Manejo, tem porção de área dentro da zona de adequação ambiental e zona de uso restrito do Banhado.

Referente às questões sociais, insere-se entre duas comunidades tradicionais, o assentamento Filhos de Sepé e a comunidade Quilombola da Anastácia.

O documento assinado pelas analistas ambientais da SEMA a bióloga Cecília Schuler Nin e engenheira agrônoma Letícia Vianna, gestora da APA, determinou uma série de condicionantes à Fazenda Embireira sob pena de revogar a autorização emitida pela unidade de conservação para continuar suas atividades.

Quilombo Anastácia – Relatório de Fiscalização

– O empreendedor descumpria o licenciamento ambiental e, por consequência, os alvos de conservação da APA do Banhado Grande, e somado a isso, omitia o conflito com a área do quilombo dentro do processo de outorga, bem como desrespeitava a área dessa comunidade, registrou o parecer.

O novo presidente da associação de moradores do quilombo, Willian Santos, diz que representantes da empresa reuniram-se com a comunidade para que a Fazenda pudesse continuar puxando água da Lagoa da Anastácia e que o canal construído sem autorização, causador das desavenças, seria fechado caso prejudicasse o acesso ao quilombo pela lagoa.

– Com as enchentes, o canal ficou submerso. Mas se houver estiagem e o canal aparecer, a empresa terá que fechar. Mas, realmente, acho que ficou mais difícil até para empresa renovar a outorga a fim de continuar usando água da lagoa, adverte.

os representantes da empresa agrícola não foram localizados pela reportagem.

Willian Santos  (à frente) e amigos na Lagoa da Anastácia em direção ao Quilombo.

Willian é filho de Zadir Eloísa dos Santos, uma das netas da Anastácia. Ele mora em Gravataí e trabalha em Porto Alegre como micro empreendedor no ramo de estética automotiva. Visita seus familiares no quilombo nos finais de semana.

– Além da titulação das terras, temos que lutar por melhorias na infraestrutura na região onde está o quilombo, posto de saúde, transporte público acessível, escola, e promover o turismo, com o retorno, por exemplo do Barco-Escola Rio Limpo que visitava o quilombo, e outras iniciativas, afirma Santos.

Dona Berenice diz das mais de cem pessoas que moravam, permanecem trinta.

– É tudo muito difícil, por isso ficaram os velhos, que não precisam mais trabalhar, diz a líder quilombola.

Quilombo sofre com falta de infraestrutura. Foto: Cleber Dioni

Anastácia era baixinha braba

Dona Berenice é neta da Anastácia de Oliveira Reis, que dá nome ao quilombo, e bisneta da Hortência Marques de Oliveira, que viveu como escrava nessa região da Estância Grande.

– Convivi com a vó até os 25 anos. Era bem baixinha e braba, principalmente com quem judiava dos netos, mas cuidava de todos, conhecia os chás, as simpatias, ninguém precisava ir no médico”, recorda.

Vò Anastácia com os netos nos idos de 1950/Fotos: álbum de família

A artesã lembra das histórias que sua vó contava sobre a Hortência ajudar na fuga de escravos pelo rio Gravataí, principalmente os homens, que eram surrados e assassinados com frequência.

– Ela ajudava a atravessar para o quilombo Manuel Barbosa, em Gravataí, conta a bisneta da Hortência.

Antigos moradores

Tia Chica, filha de Anastácia. Fotos : AMQA
Tia Cida e o neto Jhonatan. Foto: Associação dos moradores
Marcíri, marido da tia Chica, uma das filhas da Anastácia. Foto Associação dos moradores

Os primeiros europeus chegados nos Campos de Viamão no início do século 18 trouxeram negros escravizados.

Alguns registros apontam que o estancieiro viamonense Serapião José Goulart, um dos maiores proprietários de terras do município, dono da fazenda Boa Vista – em cuja sede, no início do século 19, pernoitou o viajante August Saint-Hilaire -, tinha entre seus escravos a Hortência, mãe da Anastácia.

Faltam políticas públicas para os quilombolas

Uma das moradias. Foto Associação dos moradores

Dos 134 quilombos em 69 municípios gaúchos, os quilombos em Viamão estão entre os mais atrasados devido à falta de políticas públicas.

Além do Anastácia, há o Cantão das Lombas, na divisa com Santo Antônio da Patrulha, com 28 famílias em 154,75 ha, cujo processo de regularização está tramitando desde 8 de dezembro de 2021, e do Capão da Porteira, na divisa com o município de Capivari.

O biólogo Jorge Amaro, primeiro vereador quilombola, eleito pelo PP no município de Mostardas, morou mais de vinte anos em Viamão e conhece bem a realidade das comunidades.

Embora os quilombolas de Mostardas tenham sido reconhecidos há muito mais tempo e estão organizados em associações e dispõem de muita infraestrutura, os de Viamão não estão inseridos sequer nas políticas públicas de auxílio aos moradores.

– A Prefeitura e outras entidades têm que ajudar. A UFPEL e a FURG, por exemplo, oferecem cotas universitárias para quilombolas, e auxiliam na moradia, alimentação, transporte, então porque outras instituições de ensino em Viamão, Porto Alegre, não podem contribuir também, questiona o vereador.

Ausência de trajetórias

A antropóloga Vera Rodrigues da Silva abordou o Quilombo da Anastácia na sua dissertação de mestrado, apresentada em 2006, no Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, da UFRGS. O título: “De gente da Barragem” a “Quilombo da Anastácia”: Um Estudo Antropológico sobre o Processo de Etnogênese em uma Comunidade Quilombola no Município de Viamão/RS.

Suas pesquisas sustentaram a titulação das terras para os descendentes de negros escravizados daquela localidade.

Antropóloga Vera Rodrigues da Silva

– Comecei a pesquisar no final dos anos 1990, e estavam em discussão duas ações afirmativas nas universidades públicas brasileiras: as cotas raciais e os direitos territoriais das comunidades quilombolas.

– Isso sempre me incomodou nas trajetórias negras, que é justamente a ausência de trajetórias. Na mídia, na ciência, de um modo geral, parecem que as pessoas negras brotam do chão, não tem ancestralidade, raiz, história. Então, esse foi meu tema na monografia de graduação. E no mestrado, em 2006, já havia a expectativa de titulação das terras, e isso levaria segurança jurídica aos quilombolas, porque havia espoliação, apropriação ilegal de terras, como eu ouvi dizer: “as cercas andam na madrugada”. Mas como estávamos numa época em que a política pública se desenvolvia no país, a pergunta era: como uma política pública de direitos quilombolas se desenvolve no “estado mais branco do Brasil”?

Anastácia nasceu em 1896, portanto era livre (Lei do Ventre Livre é de 1871 e determinava que os filhos de escravas nascidos posterior àquela data eram livres). Já, a abolição da escravidão em Viamão ocorreu em 1884, anterior à Lei Áurea, de 1888.

Nos idos de 1870, dentre os 1.028 habitantes de Viamão, 749 eram negros, cerca de 70% do contingente populacional. (Fonte: MONTI, Verônica. “O Abolicionismo: 1884 sua hora decisiva no RS”, 1985). Hoje, 44% de 250 mil habitantes são considerados negros.

Dos 106 processos no Estado, apenas um tem a titulação integral do território

Quilombo Cantão das Lombas, na divisa de Viamão com Santo Antônio da Patrulha, tem 28 famílias em 154,75ha, cujo processo de regularização está tramitando desde 2021. Foto: Cleber Dioni

“Há 106 processos abertos para regularização de quilombos na superintendência do Incra no Rio Grande do Sul. Apenas quatro comunidades foram tituladas, mas mesmo assim, destas, em três a titulação do território é parcial, pois aguardam a conclusão das ações desapropriatórias. O Título de Domínio emitido pelo Incra é coletivo, em nome da associação de moradores.

O Quilombo Casca, em Mostardas, por exemplo, com 85 famílias, tem pouco mais da metade (51%) da área de 2.300 hectares concluída.

Os demais são Família Silva, em Porto Alegre (12 famílias, em 0,65 ha – 35%), o Rincão dos Martinianos, em Restinga Seca (55 famílias, em 98,5 há – 27%), a Chácara das Rosas, em Canoas (20 famílias em 0,36 há – 100%).

O Rincão dos Caixões, em Jacuizinho (22 famílias em 226,16 ha). ainda está em fase de desapropriação. O Incra está na posse do território e a comunidade está usufruindo integralmente a área, mas ainda não foi titulada.

O maior quilombo com processo em andamento no Estado é o Morro Alto. Desde 2011, 456 famílias reivindicam 4.564,4 hectares nos municípios de Maquiné e Osório.

Em Viamão, duas das três comunidades quilombolas estão com processo em curso, o da Anastácia e o Cantão das Lombas, 28 famílias em 154,75 ha, com processo em tramitação desde 8 de dezembro de 2021.

Nove quilombos gaúchos foram incluídos em uma Portaria no Diário Oficial do governo federal, mas as comunidades ainda não receberam os títulos das terras. São eles: São Miguel (Restinga Seca), Manoel Barbosa (Gravataí), Arvinha (Coxilha e Sertão), Cambará (Cachoeira do Sul), Mormaça (Sertão), Palmas (Bagé), Limoeiro (Palmares do Sul), Areal Luis Guaranha (Porto Alegre), e dos Alpes (Porto Alegre).

Censo 2022: Brasil tem 1,3 milhão de quilombolas

Dados inéditos sobre população quilombola no país foram divulgados em julho deste ano de 2023 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), resultado do Censo 2022.

Segundo matéria da Agência Brasil, o país tem 1,32 milhão de quilombolas, residentes em 1.696 municípios.

Os quilombos Kalunga, em Goiás, e Erepecuru, no Pará, são os maiores do Brasil. O primeiro envolve 54 comunidades, com 888 famílias, em uma área de 261,99 mil hectares, e o segundo, vivem sete comunidades, com 154 famílias, em uma área de 231,6 mil ha.

O total de títulos concedidos é de 322, em 206 territórios, envolvendo 356 comunidades, 21.093 famílias e 1,090 milhão de hectares de área titulada, dos 1,513 milhão de ha reconhecidos. Significa que 72% da área reconhecida foi titulada.

Na divulgação da publicação Brasil Quilombola: Quantos Somos, Onde Estamos?’, em Brasília, o presidente em exercício do IBGE, Cimar Azeredo, considera que os números inéditos sobre esse grupo populacional são uma verdadeira reparação histórica de injustiças cometidas no passado.

“São essas populações que mais precisam das estatísticas, desses números. A gente precisa saber quantas escolas, quantos postos de saúde, coisas relacionadas à educação e tudo o que essa população quilombola precisa, como a titulação [de terras]. Os dados que estão sendo apresentados hoje, pelo IBGE, se tornam, praticamente, uma reparação histórica”. Cimar Azeredo adiantou que, brevemente, o IBGE vai apresentar informações básicas sobre pessoas indígenas e moradores de comunidades e favelas.

A representante da Organização das Nações Unidas no Brasil, Florbela Fernandes, destacou que o levantamento e a divulgação de dados sobre a população quilombola no Brasil tem um simbolismo enorme a todo o país. “A inclusão de um quesito específico para a população quilombola [no censo] representa um marco de reparação histórica importante e que serve de investigação de referência para outros países da diáspora africana”.  “Essa é a primeira pesquisa oficial para coletar dados específicos sobre a população quilombola. Após 135 anos da abolição da escravidão no Brasil, finalmente, saberemos quantos quilombolas são exatamente, onde estão, e como vivem”, comemorou Florbela Fernandes.

História e inovação se fundem na paisagem do Cerro dos Porongos

Na fazenda Lanceiros Negros, no município de Candiota, no Rio Grande do Sul, uma pungente simbiose do agronegócio e do passado histórico se apresenta aos olhos do visitante.

Ali,  24 mil e 500 pés de oliveiras compõem a paisagem do cultivo da azeitona, em franca expansão no Estado,
emoldurados ao fundo pelo histórico Cerro dos Porongos, onde se deu o massacre do regimento de Lanceiros Negros, no final da Revolução Farroupilha.
Em versão, ainda controversa, conta-se que o regimento foi traído pelo comandante David Canabarro que os desarmou às vésperas de serem cercados e atacados pelas forças imperiais do comandante Moringue,
pondo fim ao sonho de liberdade de centenas de guerreiros negros que se uniram à luta dos farroupilhas em troca da alforria no final da revolução.

O passado de guerras une-se, silenciosamente, à crescente força da agroindústria na região da campanha gaúcha, que vem passando por gradual transformação da tradicional atividade pastoril para a agricultura e suas indústrias de beneficiamento de grãos.

A fazenda Lanceiros Negros, de propriedade do advogado e produtor rural, Jorge Santos Buchabqui, é um exemplo desta transformação na economia do Rio Grande do Sul.

Os 175 hectares de terra da fazenda, em outros tempos,
teriam sua cotação no mercado bastante desvalorizada, por ser uma terra íngreme e encascalhada, no entanto, encontrou no cultivo da azeitona a cultura ideal para o tipo de solo que oferece, pois, a oliveira gosta de terrenos
drenados e clima frio.

Da extensão total da propriedade, 90 hectares são explorados com olivais consorciados com a criação de ovinos, num manejo integrado que auxilia na limpeza do pasto.

A produção de azeitonas começou em abril de 2017 com a plantação de seis tipos de mudas; a Arbequina, a Arbosana, a Picoal, a Coroneike, a Coratina e a Frantoio. Segundo Buchabqui, “trabalhar com variedade é muito bom para a qualidade final do azeite, pois favorece a polinização das árvores e a produção do blend (mistura), na hora da industrialização do produto”.

Salienta o produtor que as espécies Picoal e Koroneiki , produzidas na fazenda, são destinadas à produção de azeite puro, sem blend. “A Picoal tem muito prestígio no mercado europeu”, comentou.
Nos primeiros anos de colheita, juntamente com o amigo, também olivicultor na região, deputado Luiz Fernando Mainardi (PT/RS), processaram a safra na indústria do empresário Luíz Eduardo Batalha, que lhes deu todo o suporte técnico para que se consolidassem no mercado.

Na busca de maior valor agregado para a produção de azeitona, a partir de 2023, montaram uma indústria própria, Olivas do Brasil, uma sociedade entre nove  empreendedores, que passou a produzir a marca do Azeite Torrinhas, nome dado em referência à localidade onde a indústria foi instalada, as margens da BR 293, entre os municípios de Candiota e Bagé, nas proximidades das
fazendas dos sócios.

Segundo Buchabqui, a localização da indústria de refino perto dos olivais é fundamental para a boa qualidade do azeite, pois quanto mais rápido o processamento menor é a chance de oxidar.

Ele disse que o azeite que vem sendo produzido no Brasil tem uma qualidade Prêmium, superior ao produto importado que chega no país. “O azeite europeu de primeira qualidade é consumido lá mesmo, o que eles vendem para nós é de segunda mão, feito de azeitonas maduras e muitas vezes um produto velho”, comenta.

Buchabqui acredita que um rigoroso controle na qualidade do azeite de oliva importado ajudaria muito no fortalecimento da indústria nacional, pois o azeite europeu entra no Brasil como sendo Prêmium e não é.
Os principais clientes do Azeite Torrinhas são os empórios, supermercados e restaurantes no RS, SC, PR e em Brasília (DF), mas a meta do grupo é tornar os preços mais competitivos dentro do país, capazes de competir com o
produto importado.

Para tanto estão montando um galpão industrial com
tecnologia da indústria FAST, de Capinzal (SC), e aumentando a capacidade instalada da fábrica para dar escala à produção.

Maior proporção de municípios com perdas de vegetação nativa é do bioma Pampa: 35%

Novos dados do MapBiomas mostram que a perda histórica de áreas naturais no Brasil até 1985 totalizava 20% do território. Nos 39 anos seguintes (1985-2023), essa perda avançou para outros 13% do território (110 milhões de hectares), totalizando em 2023 a marca de 33%.  As perdas neste período mais recente impressionam, pois representam 33% de tudo que foi antropizado desde a chegada da colonização europeia até 2023.

Áreas naturais incluem vegetação nativa, superfície de água e áreas naturais não vegetadas, como praias e dunas. Metade desse total (55 milhões de hectares) ocorreu na Amazônia.

O bioma com a maior proporção de municípios com perdas acentuadas de vegetação nativa (15%) é o Pampa: 35%. Quando são consideradas todas as perdas nesse período (a partir de 2%), o bioma com mais municípios com perdas de áreas naturais é o Pantanal, com 82%.  Em nível nacional, 18% dos municípios tiveram estabilidade entre 2008 e 2023: são locais onde o ganho e perda da vegetação foram menores que 2%, com relativa estabilidade. Em outros 37%, houve ganho de vegetação nativa. O bioma com maior percentual de municípios onde a área de vegetação nativa cresceu nesses 16 anos foi a Mata Atlântica: 56%. Porém quase metade dos municípios brasileiros (45%) perderam vegetação nativa no período.

No caso do Matopiba, no Cerrado (região que reúne os estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), todos os estados têm pelo menos um município com mais de 30% de perda de vegetação nativa entre 2008 e 2023. Os estados com maior proporção de municípios com ganho de vegetação nativa são o Paraná (76%), Rio de Janeiro (76%) e São Paulo (72%). Já os estados com maior proporção de municípios com perda de vegetação são Rondônia (96%), Tocantins (96%) e Maranhão (93%).

“A perda da vegetação nativa nos biomas brasileiros tende a impactar negativamente a dinâmica do clima regional e diminui o efeito protetor durante eventos climáticos extremos. Em síntese, representa aumento dos riscos climáticos. Uma parte significativa dos municípios brasileiros ainda perde vegetação nativa; mas, por outro lado, os últimos quase ⅓ dos municípios brasileiros estão recuperando áreas de vegetação nativa”, comenta o coordenador geral do MapBiomas, Tasso Azevedo.

A extensão e rapidez da mudança da cobertura e uso da terra são alguns dos fatores que elevam o risco climático do Brasil – tema do Seminário Anual de lançamento da Coleção 9 de mapas anuais de cobertura e uso da terra do MapBiomas nesta quarta-feira, 21/8, em Brasília, com a presença da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Além de atualizar as informações até 2023 para as 29 classes mapeadas, a Coleção 9 inclui um mapeamento inédito, em versão beta, de recifes de coral que ficam em águas rasas ao longo da costa marítima brasileira. Outra novidade é o balanço de ganho e perda de vegetação nativa nos municípios a partir de 2008, ano em que foi instituído o Fundo Amazônia e também quando foi editado o Decreto nº 6.514, que conferiu efetividade ao Código Florestal então vigente ao estabelecer multas para os casos de descumprimento de suas regras.

A Formação Florestal cobre atualmente 41% do país, mas foi o tipo de cobertura nativa que mais perdeu área de 1985 até o ano passado: menos 61 milhões de hectares, uma queda de 15% no período. Proporcionalmente, a Formação Savânica teve a maior perda, com redução de 26% e cerca de 38 milhões de hectares convertidos.

Mais do que carvão: por um jornalismo que acredite noutras potencialidades da economia candiotense

Jornalismo e Meio Ambiente
Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental

Texto: Eliege Fante* e Eutalita Bezerra**

Imagens: Reprodução do documentário Candiota Natural – Sociedade, Cultura e Ambiente. Rastro – Ecologia Criativa 

Residem no Rio Grande do Sul as duas usinas que mais emitiram gases do efeito estufa no país, segundo os dados mais recentes do Instituto de Energia e Meio Ambiente.

A despeito desses números, abordados anteriormente neste Observatório, a defesa da exploração carvoeira em Candiota (10.710 pessoas, IBGE, 2022), na Campanha Gaúcha, onde localizam-se as referidas termelétricas, predomina nas notícias da imprensa gaúcha. Entre 2021 e 2024 somente Zero Hora publicou 27 notícias abordando aspectos relacionados ao polo carboquímico.

Já Correio do Povo, Sul21 e Brasil de Fato (RS) publicaram um menor número sobre esse tema, variando entre cinco e oito notícias cada um deles. Em comum, as fontes políticas locais e empresariais vinculadas à cadeia produtiva do carvão mineral. Há menos de um mês, a BBC Brasil publicou – e tantos outros meios republicaram – uma abordagem destacando os habitantes que não são “contra o planeta” por defenderem essa mineração.

A notícia O futuro incerto da cidade gaúcha movida ao combustível mais poluente do mundo: ‘Não somos contra o planeta’ é sensível ao modo de viver de uma parcela importante do município de Candiota (RS). Ao mesmo tempo, faz parecer que essa é a única forma de sobrevivência daquela população, obliterando outras cadeias produtivas presentes no município: 11 tipos de pecuária, incluindo gado de corte e de leite e a ovinocultura com produção de lã (IBGE, 2022); 561 estabelecimentos agropecuários sendo 22 tipos de lavoura permanente, como de frutas, e 18 tipos de lavoura temporária incluindo soja, outros grãos e outras culturas (IBGE, 2017).

Sem esquecer da presença das comunidades indígenas e quilombolas, entre os oito povos e comunidades tradicionais do Pampa, que têm direitos reconhecidos através da Convenção 169 (ratificada em 2002).

Candiota não é somente a sede da maior poluente do Brasil. É berço de lugares que merecem destaque na imprensa, como a Rede de Sementes Bionatur, que completa 27 anos no município. O presidente Alcemar Inhaia conta que, desde uma ação judicial vitoriosa para evitar a construção de uma barragem da mineração próxima aos empreendimentos da cooperativa, estão sendo um pouco mais ouvidos. Essa notícia de 2022 destaca a necessária “proteção de centenas de famílias assentadas na região de Candiota/Hulha Negra”. Em entrevista, disse: “Recentemente realizamos um seminário conjunto com outras entidades para construir uma proposta para o município, dialogando o que é a transição energética e o que é Candiota sem carvão. Candiota não é só carvão. Há quase 30 anos vimos a expansão da soja pelo bioma Pampa e resistimos com a nossa rede de produção de sementes orgânicas certificadas, que envolve cinco estados mais municípios da nossa região. Candiota é agrícola, a maior parte da população está na zona rural”. Destaque-se que o referido seminário não foi vislumbrado como notícia em nenhum dos veículos analisados, tomando como palavras-chave “carvão + candiota”.

Também em comum nas notícias, identificou-se as preocupações dos setores de que as decisões (pela continuidade ou não da exploração do carvão) fossem tomadas “de fora”. Porém, considerando-se as fontes ouvidas nas notícias, os setores distintos da mineração muito pouco participam. Em algumas reportagens, acadêmicos pontuam sobre suas pesquisas relacionadas ao tema ou organizações não-governamentais. Aqui destaca-se a fala do biólogo Francisco Milanez (Agapan) em 2023 neste sentido: “É importantíssimo que se fale de transição, mas é preciso que se fale com toda a população, nós queremos também ser ouvidos”. Não obstante o ambientalista não seja um morador de Candiota, alerta “que as melhores alternativas para que a transição seja efetiva ainda não foram colocadas à mesa, seja por demandarem custos mais altos em sua implementação ou por representarem perspectivas de lucros menores para as empresas envolvidas no processo”.

No que tange aos “de dentro”, para manter a analogia, o Movimento pela soberania popular na mineração (MAM) tem trabalhado em Candiota visando a um novo modelo de mineração. De acordo com Iara Reis, dirigente nacional do MAM, em entrevista, o ponto fulcral em Candiota é que o grande capital desconsidera toda a cultura econômica daquele território. “Precisamos pensar que aquele território sempre teve uma economia. Há várias cadeias produtivas para serem pensadas naquela região […] A mineração traz desenvolvimento e lucro apenas para uma parcela da população.”

Para comprovar, basta que se considere o Índice de Desenvolvimento Socioeconômico (Idese) do Rio Grande do Sul de 2013 a 2020: somente em 2020 Candiota ultrapassou a média estadual em desenvolvimento. Chama atenção que, mesmo figurando na primeira metade do ranking dos municípios (174 de 497) neste Índice, o maior valor foi atribuído ao bloco renda (posição 47), já que no bloco educação a posição é 249 e no bloco saúde é 459, dados não tão positivos e que jogam Candiota da metade para o final do ranking. Além disso, embora o percentual de 94% do esgoto tenha sido tratado em 2022, apenas 37,9% da população residente com abastecimento de água é atendida com esgotamento sanitário e 47,2% é atendida por serviço de abastecimento de água (consulta em agosto de 2024). Portanto, qual a real condição de vida dos habitantes de Candiota se a riqueza material gerada não reflete bem-estar ou um bem viver para toda a população? O primeiro passo para promover essa distribuição equilibrada pode ser horizontalizar a escuta e mobilizar a participação dos distintos grupos candiotenses. Aqui entra o jornalismo!

*Jornalista, doutora em Comunicação e Informação pela UFRGS, integra o Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental UFRGS/CNPq. gippcom@gmail.com

**Jornalista, doutora em Comunicação e Informação pela UFRGS e membro do Grupo de Pesquisa em Jornalismo Ambiental UFRGS/CNPq. eutalita@gmail.com

Relatório ganhou manchete: China dispara em energia solar e eólica

O Guardian destaca, nesta quinta-feira, um relatório da Global Energy Monitor (GEM) sobre a expansão das energias eólica e solar ao redor do mundo.

Chama atenção a posição da China que tem, segundo a pesquisa, 180 gigawatts (GW) de energia solar em construção e 15 GW de energia eólica.

“Isso eleva o total de energia eólica e solar em construção na China para 339 GW, bem à frente dos 40 GW em construção nos EUA”, diz o Guardian.

“Os pesquisadores só analisaram fazendas solares com capacidade de 20MW ou mais, que alimentam diretamente a rede”.

“Isso significa que o volume total de energia solar na China pode ser muito maior, já que fazendas solares de pequena escala respondem por cerca de 40% da capacidade solar da China”.

“A China , diz o Guardian, tem experimentado um boom em renováveis ​​nos últimos anos, encorajada pelo forte apoio do governo. Xi Jinping… Xi disse que “novas forças produtivas de qualidade” incluem o fortalecimento da manufatura verde.

Entre março de 2023 e março de 2024, a China instalou mais energia solar do que nos três anos anteriores combinados, e mais do que o resto do mundo combinado em 2023, descobriram os analistas do GEM.

A China está a caminho de atingir 1.200 GW de capacidade eólica e solar instalada até o final de 2024, seis anos antes da meta do governo.

“Análises anteriores sugerem que a China precisará instalar entre 1.600 GW e 1.800 GW de energia eólica e solar até 2030 para atingir sua meta de produzir 25% de toda a energia de fontes não fósseis”.

Entre 2020 e 2023, apenas 30% do crescimento do consumo de energia foi atendido por fontes renováveis , em comparação com a meta de 50%.  O principal objetivo da China nesse terreno é reduzir a dependência do carvão.

“Análises anteriores do GEM e do Centre for Research on Energy and Clean Air, um thinktank, descobriram que as aprovações de novas usinas de energia a carvão aumentaram quatro vezes em 2022-2023, em comparação com o período quinquenal anterior de 2016-2020, apesar de uma promessa em 2021 de “controlar rigorosamente” a nova energia a carvão. O crescimento no consumo total de carvão aumentou de uma média de 0,5% ao ano para 3,8% ao ano entre os dois períodos de tempo”.

Tensões geopolíticas, como a guerra na Ucrânia, que concentrou a atenção de muitos países no fornecimento de energia, e grandes cortes de energia em partes da China nos últimos anos, aumentaram as preocupações das autoridades chinesas sobre a segurança energética.

 

Prefeitura quer debater com moradores do Petrópolis adoção compartilhada de praça

Um dia depois de entregar à Prefeitura um manifesto contra à adoção da praça Mafalda Veríssimo por parte da Empresa Plaenge, na terça-feira, dia 2, o movimento comunitário Petrópolis Vive foi convidado pela Secretaria Municipal de Parcerias a discutir a possibilidade de uma adoção compartilhada do espaço de lazer com a construtora e o Centro Infantil Ser Criança.

A empresa paranaense Plaenge é alvo de protesto dos moradores e ongs ambientais há dez dias, após derrubar um guapuruvu de pelos menos sessenta anos e outras árvores no seu canteiro de obras da rua Felipe de Oliveira, onde vai construir um prédio de alto padrão.

A repercussão negativa culminou num evento cultural realizado no último domingo de junho na praça Mafalda, famosa por sua caixa d´água, e um abaixo-assinado que recolheu mais de 300 assinaturas.

Um dos integrantes do movimento comunitário Petrópolis Vive, Marcelo Roncato,  considerou uma vitória parcial dos moradores.

– Esse convite deveria ter sido feito bem antes, para os  moradores e frequentadores opinarem sobre a adoção da praça, até porque existe a lei municipal 12.583 onde consta que as adoções podem ser feitas por pessoas físicas. Portanto, queremos participar, sim.

A adoção inclui serviços de capina, recolha de lixo, paisagismo, manutenção de equipamentos, entre outros.

Movimento comunitário do Petrópolis lança manifesto contra a adoção de praça por construtora

O “Manifesto de Contrariedade à Adoção da Praça Mafalda Veríssimo por parte da Empresa Plaenge” foi enviado na terça-feira, dia 2, à secretária Municipal de Parcerias, Ana Maria Pellini, e à Diretoria de Áreas Verdes, da Secretaria Municipal do Meio Ambiente de Porto Alegre.

O documento é assinado por Marcelo Rates Roncato, morador da rua Souza Doca, cuidador e frequentador da Praça Mafalda Veríssimo, e representa o movimento comunitário Petrópolis Vive que, no último domingo, dia 30 de junho, realizou um evento cultural na praça e recolheu 300 assinaturas contra a iniciativa do Poder Público Municipal.

Eis o manifesto:

Somos favoráveis à adoção da praça Mafalda Veríssimo pelo CENTRO INFANTIL SER CRIANÇA, coordenado pela Professora Suzana Fogliato, que há 32 anos é vizinha da Praça e desenvolve a consciência ambiental de seus alunos, formando melhores cidadãos e vizinhos, por meio de práticas sociais e ecológicas que serão replicadas em nossa sociedade.

Coletivamente, afirmo que somos completamente contrários à adoção da praça pela empresa paranaense PLAENGE, pelos motivos descritos a seguir:

Questionamos a auto declaração da “Prefeita da Praça”, arquiteta Caroline Ávila, que nem mesmo compareceu ao ato de posse como prefeita na Praça Nações Unidas em 01/07/2023, assim como nunca publicou ou divulgou seu nome e contato junto aos frequentadores da praça, neste último ano. Também questionamos como a suposta “Prefeita” estaria prestando serviços à empresa paranaense PLAENGE, configurando um possível “Conflito de interesses” entre seu suposto cargo de “Prefeita” e relações comerciais, conforme imagens anexas a este documento.

A Família Veríssimo, vizinha e frequentadora que empresta o nome da esposa do escritor Érico Verissimo para a Praça também se pronunciou contrária à tentativa de contato da PLAENGE com a Família

Não houve participação de entidades civis ou moradores ligados ao bairro para opinar sobre a referida adoção, tanto que tivemos manifestações populares, estas sim, contrárias a esta ação autocrática, porém após o fato consumado, já que a intenção e ação de adoção não foi divulgada anteriormente.

Entendemos que a lei 12.583, de 9 de agosto de 2019, instrui e permite que a sociedade civil possa tomar conta de equipamentos públicos, sem o aporte e “ajuda” que a PLAENGE oferece como adoção, pois parece, principalmente, querer limpar a sua imagem depois da falta de diálogo com moradores do bairro.

Convictos da arbitrariedade da decisão tomada e objetivando futuras tomadas de decisão mais justas e paritárias, concluímos com a afirmação de que os moradores e frequentadores da Praça Mafalda devam fazer parte de um Conselho junto aos eventuais adotantes e a PMPA, mantendo uma gestão partilhada entre estas organizações da sociedade, pois, por tudo o que foi acima reportado, o histórico envolvimento espontâneo da vizinhança, ao longo de décadas com a Praça Mafalda, não pode ser negado e tem tido papel significativo nos seus rumos e no seu cuidado.

– O movimento de moradores Petrópolis Vive, que há mais de 20 anos se organizou para defender os interesses sociais e culturais deste bairro em várias frentes bem sucedidas, foi surpreendido com a medida unilateral da Prefeitura e ficou perplexo com as ameaças sofridas por funcionários CCs do DMLU que queriam a suspensão do nosso evento no domingo, quando realizados atividades e um abaixo-assinado que recolheu mais de 300 assinaturas, e com a visita de soldados da Brigada Miliar fortemente armados, o que nunca registramos em 15 edições do evento comunitário, afirmou Roncato.

Segundo ele, o movimento comunitário lutou pela manutenção e conservação da histórica Caixa d´água, construída em 1927 pela loteadora para a fixação dos primeiros moradores. A mesma foi inventariada como bem cultural da cidade e através de ação junto ao MP/RS, a promotora Annelisse Steigleder exigiu a conservação da mesma pelo DMAE, responsável até hoje por sua manutenção.

A Caixa d´água histórica, através de autorização do Arquivo Histórico Moisés Velhinho, é de uso compartilhado com os moradores e utilizado como ponto de Cultura do bairro, onde já foram feitas exibições de cinema no seu interior e outras exposições como charges sobre Luís Fernando Verissimo, ilustre vizinho da Praça Mafalda.

Participou da Campanha pela manutenção e aquisição da CASA da ESTRELA pela Prefeitura, na gestão de José Fortunati, que se tornou a sede, por concessão de 30 anos, da Associação de Escultores do RS.

O Movimento de moradores PROTEJA PETRÓPOLIS, por sua vez, participou ativamente na constituição e sucessivas revisões do Inventário dos Imóveis a serem preservados no bairro, levando em conta os conjuntos urbanos em torno de dois núcleos: A Praça Mafalda Veríssimo e a Casa da Estrela (em consonância com as duas Áreas Especiais de Interesse Cultural delimitadas no bairro pelo Plano Diretor).

A partir de 2016, quando do aniversário de 80 anos do escritor Luís Fernando Verissimo LFV, foi iniciado o projeto VIVE PETRÓPOLIS em parceria como o curso de Museologia/UFRGS. Como resultado dessa parceria, já contamos com 15 edições do referido Projeto, promovendo a cultura através de apresentações musicais, circo, artesanato, dança, coral todas registradas e mais a gravação em vídeos de depoimentos de moradores do bairro. Nosso evento também teve participação no filme VERISSIMO, gravado pelo diretor Angelo Defanti que está em cartaz em rede nacional.

Através do projeto acima descrito, foi dada visibilidade à praça e com o apoio da antiga SMAMS foi concretizada a adoção compartilhada em 2018 pelas empresas DE LAZZARI MOBILIÁRIO URBANO e BENDITA PLANTA PAISAGISMO, cujo projeto paisagístico tem se mantido e de fato é o projeto mais duradouro e apreciado pelos usuários, por isso queremos que seja mantido. Naquela ocasião, também foi contratado pelos adotantes o artista premiado Kelvin Koubi que grafitou um mural com figuras de animais e plantas do ecossistema brasileiro, que persiste em excelente estado, em harmonia com o projeto paisagístico.

O protesto na praça Mafalda Veríssimo e a reconstrução dos movimentos comunitários

Mais de cem pessoas compareceram à pequena praça Mafalda Veríssimo, famosa por sua ‘caixa d’água, no encontro das ruas Felipe de Oliveira e Borges do Canto, na manhã gelada do último domingo de junho.

Apenas o atento Matinal reportou o evento, no dia seguinte – um protesto contra a Paenge Empreendimentos Imobiliários, empresa paranaense que começa a construir um prédio de alto padrão no bairro.

Há uma semana, a construtora derrubou várias árvores, incluindo um majestoso guapuruvu, espécie nativa do RS, e a cena filmada ganhou as redes sociais.

Foto: Ramiro Sanchez

Ante a repercussão negativa, a Paenge tenta compensar adotando a pracinha, a poucos metros da casa onde ainda hoje vive a família do escritor Érico Veríssimo.

Um grupo de moradores se mobilizou e chamou o protesto, que teve apresentações musicais, feira de artesanato, exposição de livros e cartazes e uma passeata até a frente da obra, duas quadras abaixo, na mesma Felipe de Oliveira.

Foto: Claudio Fachel

A imprensa convencional ignorou a manifestação, não por desatenção ou por considerá-lo fato menor, mas porque seus interesses não incluem os movimentos comunitários.

Ela sabe o potencial dessas iniciativas se multiplicarem, mesmo partindo de pequenos grupos, quando circulam as informações sobre o que eles estão fazendo.

Ali mesmo, na praça, era visível o embrião de uma consciência que estava adormecida: a reconstrução do movimento comunitário que tem raízes históricas em Porto Alegre.

Elmar Bones