Matheus Chaparini
Uma bola oval cruza o campo de futebol do estádio Ramiro Souto, no parque da Redenção, todas as terças e quintas, sempre a partir das 22h. Jogadores e jogadoras vestem uniforme nas cores vermelho, azul e branco e a torcida alenta com cânticos enaltecedores. “Não tá morto quem peleia” é um deles.
Fundado em junho de 2001, o Charrua é o mais antigo time de rugby do Rio Grande do Sul. Amador, se sustenta com as mensalidades dos 120 associados e com receitas oriundas da venda de produtos licenciados e de eventos. “Somos autossuficientes, 100% da mão de obra é voluntária. Não existe nenhum profissional remunerado no Charrua”, explica o presidente, Rodrigo dos Reis.
Apesar disso, não faz feio em campo: o time feminino adulto, por exemplo, é o atual campeão brasileiro e há três meninas convocadas para a seleção em seus quadros. Entre os homens, o destaque é o atleta Gabriel Bolzan, revelado pela casa e que hoje treina para representar o país nas Olimpíadas 2016, no Rio de Janeiro.
Além das equipes principais para mulheres e para homens, há categorias de base. No feminino, apenas a juvenil, mas entre os homens é possível ingressar como jogador do infantil, juvenil e da categoria formativa, que é para adultos iniciantes.
Todas as equipes possuem treinador, preparador físico e manager, que auxilia o técnico nas viagens e partidas.
Posições para todos os tipos físicos
“O rugby é um esporte de valores morais muito rígidos: hierarquia, espírito de equipe, respeito, integridade, lealdade”, explica o presidente, Rodrigo dos Reis, que foi um dos fundadores do clube.
Se a filosofia é rigorosa, o mesmo princípio não é adotado para selecionar atletas segundo seu corpo. Isso porque um dos princípios do Charrua é que o rugby é para todos e pode se adaptar a cada tipo físico.
Ao contrário do futebol, no rugby quem mais ataca são os de trás – os backs. A linha de frente – forwards – é composta pelos jogadores mais fortes e pesados, que tem a tarefa de impedir o progresso do ataque adversário. Aqueles mais leves e velozes cumprem a tarefa de fazer avanços mais agudos, tentando cruzar a linha de fundo do campo adversário, o objetivo maior da disputa.
A disputa termina no terceiro tempo
“Se o cara não se sente à vontade jogando, talvez ele goste de alguma outra coisa, vai ser manager, vai assar o churrasco do terceiro tempo… Chegaram a te falar o que é o terceiro tempo?”, introduz o presidente.
O terceiro tempo é a confraternização tradicional que ocorre entre as equipes após os dois tempos de batalha. Os atletas interagem, cantam suas músicas e o dono da casa oferece ao visitante comida e bebida. A prática não está no livro de regras do esporte, mas ele faz parte da cultura do rugby no mundo inteiro.
Ismael Arenhart também é dos fundadores, já foi o camisa 2 da equipe e hoje é preparador físico do masculino. Para ele, a função do terceiro tempo tem a ver com o caráter amador do esporte, que só se profissionalizou em 1995.
“É um jogo de contato e as pessoas que estão dispostas a isso, o tornam um estilo de vida. Então é uma atividade tão importante, que o terceiro tempo é um agradecimento por alguém oportunizar o esporte que tu tanto ama. Se inverte a lógica de competição para deixar claro que sem adversário não tem esporte”, justifica.
Gurias são campeãs brasileiras
Quem acha que os esportes de contato físico intenso são coisa pra homem, constata seu grave equívoco assim que bota os pés no Ramirão em noite de treino do Charrua. No mesmo horário de treinamento, dividem o campo a equipe masculina e a equipe feminina. E o jogo das gurias é bem pegado.
Desde 2004 o Charrua conta com um time de mulheres. A procura é menor do que no caso dos homens, e por isso, elas jogam em uma formação de 7 atletas – e não de 15, como os rapazes. É a modalidade chamada “Sevens” no jargão internacional do esporte; a outra é conhecida como Rugby XV.
“No Sevens não temos as segundas e terceiras linhas que há no XV. Todo mundo faz tudo, todo mundo limpa e joga, não temos posições tão definidas e é bem mais correria”, compara Juliana Menezes, que começou a praticar o esporte em 2007 e foi a capitã do time feminino até o ano passado.
Com Juliana no comando da equipe, as gurias do Charrua foram campeãs brasileiras, título que ainda detém porque as competições de rugby sevens se concentram no segundo semestre.
O clube conta com três atletas na seleção brasileira: Juliana, que mora em Porto Alegre e precisa pegar avião para conciliar as atividades, Raquel Kochhann e Luiza Campos, que estão morando em São Paulo. Ao todo são 16 atletas treinando no time feminino.
Esporte retorna às olimpíadas em 2016
Há cinco anos atrás, Gabriel Bolzan havia passado no vestibular, praticava ginástica olímpica e estudava teatro, quando o amigo Gustavo deu a ideia: “tem um time de rugby que treina na Redenção, vamos jogar?”
Hoje Gabriel é atleta da seleção brasileira e treina em São Paulo para representar o país nas Olimpíadas do Rio de Janeiro. A competição, em 2016, marca o retorno do rugby aos jogos.
Desde julho do ano passado, a seleção está treinando em São José dos Campos, através de um projeto da Confederação Brasileira de Rugby, aprovado pelo Ministério dos Esportes. Os atletas recebem uma bolsa de R$ 1.500 ao mês e aqueles que moram fora do estado ocupam uma casa alugada pela organização.
No cenário mundial, o Brasil ainda está longe de disputar títulos importantes. As principais equipes são Fiji, Nova Zelândia, África do Sul e Inglaterra, países onde o esporte é profissional e tem mais popularidade. “Na África do Sul, o rugby é que nem o futebol aqui no Brasil: no aeroporto tem a foto dos caras em alguma propaganda”, observa o atleta, não sem uma pontinha de inveja.
Jogadores usam pés e mãos
O rugby é jogado com os pés e com as mãos, utilizando uma bola oval. O objetivo principal é cruzar a linha de fundo do campo adversário e encostar a bola no chão, fazendo o chamado try, que vale 5 pontos e dá direito a uma conversão, que é um chute de dois pontos.
Os passes só podem ser dados para o lado e para trás.
A outra forma de pontuar é através de um chute de três pontos, que pode ser dado durante o jogo ou na cobrança de um pênalti.
Utilizar as pernas para derrubar o adversário ou fazer o takle (abordagem para derrubar) acima da linha do ombro são exemplos de infrações graves.
São inevitáveis algumas comparações com o futebol, até porque os dois esportes possuem uma origem comum. “O rugby e o futebol sempre foram a mesma coisa. Cada civilização praticava o seu esporte com bola, cujo objetivo era conquistar um território ou acertar algum tipo de caçapa do outro lado. Tem diversos nomes e regras diferentes, da Roma Antiga, da China… Basicamente é um esporte de bola, de avanço territorial e de conquista de polos”, sintetiza o presidente do Charrua, Rodrigo dos Reis.
Essa matéria foi publicada em versão ampliada no jornal JÁ Bom Fim de julho, que circula gratuitamente em estabelecimentos comerciais do bairro.