Naira Hofmeister
Depois que integrantes do coletivo A Cidade que Queremos provocaram, a Assembleia Legislativa parece ter assumido a pauta da revitalização do Cais Mauá como sua incumbência.
Ao ao menos a Comissão de Saúde e Meio Ambiente, onde os movimentos questionaram o modelo de revitalização proposto pela prefeitura e pelo consórcio vencedor da licitação, há um interesse de esclarecer pontos do projeto.
A pauta da reunião da quarta-feira (16) do colegiado traz como único item do dia – além da apresentação do relatório anual das atividades – a presença do secretário municipal do Gabinete de Desenvolvimento e Assuntos Especiais de Porto Alegre (Gades), Edemar Tutikian, para apresentar seu ponto de vista sobre a revitalização.
A assessoria de Tutikian, entretanto, informa que ele não comparecerá porque tem outro compromisso. “O convite foi feito de última hora”, justifica a secretaria, acrescentando que será enviado um ofício à comissão com alguns argumentos.
Visita reforça simpatia ao projeto
Na segunda-feira (14), o deputado estadual João Reinelli (PV) foi pessoalmente até o Cais Mauá para saber detalhes do projeto. “Já que a discussão chegou à Assembleia, achei importante conhecer melhor o que está previsto”, justificou.
Ele foi recebido pelo diretor de operações do consórcio Cais Mauá do Brasil, Sérgio Lima, que o guiou por uma breve visita em alguns armazéns e mostrou a ele a maquete do projeto.
Reinelli já tinha uma opinião positiva sobre a proposta. O encontro serviu para reforçar sua opinião. “Eu fiquei muito impressionado. Não tive acesso a plantas e detalhamentos técnicos, mas me convenci de que vai ficar super bacana. Será uma valorização para Porto Alegre”, acredita.
E deputado não chegou a comentar com o representante das empresas sobre as irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) que, segundo o órgão, seriam motivo para a rescisão do contrato de concessão.
Explicou que já havia conversado “com fontes na prefeitura” que o esclareceram sobre alguns aspectos: a não apresentação do projeto executivo dentro do prazo acertado, por exemplo. “Os prazos não foram cumpridos por deficiências do município e do Estado e não pelo empreendedor”, assegura.
A experiência foi tão proveitosa que ele irá propor, na reunião de quarta, que seus colegas de comissão façam uma visita conjunta ao local. “Acho importante porque não há outra forma de conhecer o projeto sem visitar a área”, argumenta.
movimento fez intensivo na casa
A reunião desta semana será a quarta consecutiva na qual o Cais Mauá é pautado.
O ponto de partida foi uma audiência pública sobre a Corsan em novembro, onde dois integrantes do coletivo – o ex-secretário de Meio Ambiente de Porto Alegre Caio Lustosa e o sociólogo e organizador do Cais Mauá de Todos João Volino Corrêa – se manifestaram pedindo que o Legislativo interferisse para ampliar o debate.
Na ocasião, eles lembraram que cabe à Casa fiscalizar o poder Executivo, que coordenou a licitação e arrendou a área para o consórcio vencedor. E mencionaram a inspeção do TCE-RS que apontou irregularidades no cumprimento do contrato.
A intervenção deu frutos e o grupo foi convidado para apresentar o conjunto de questionamentos em uma reunião da comissão – o que foi feito na semana seguinte.
Sete dias semana depois, os deputados aprovavam por unanimidade a realização de uma audiência pública sobre o tema, que já agendada para o dia 16 de março de 2016.
Categoria: Matéria Cais pequena
Deputados aprovam audiência pública sobre Cais Mauá
Naira Hofmeister
Os sete deputados presentes na reunião da Comissão de Saúde e Meio Ambiente da Assembleia Legislativa, nesta quarta-feira (09), aprovaram por unanimidade a realização de uma audiência pública na casa para tratar sobre o projeto de revitalização do Cais Mauá em Porto Alegre.
“É uma conquista do movimento”, saudou o servidor público Silvio Jardim, que integra o coletivo A Cidade Que Queremos.
“Será fundamental, porque as audiências públicas que tivemos até agora foram pró-forma e não trouxeram respostas aos questionamentos do movimento“, completou o ambientalista e membro do Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente (Mogdema), José Fonseca.
A audiência pública já está marcada para o dia 16 de março, uma quarta-feira, às 10 horas da manhã. Serão convidados para debater o prefeito de Porto Alegre, José Fortunati, o chefe da Casa Civil do Governo do Estado, Márcio Biolchi, representantes do consórcio Cais Mauá do Brasil S.A e dos movimentos que questionam o modelo previsto para a revitalização, que além do restauro dos armazéns tombados, prevê a construção de shopping center, espigões e estacionamento para 4 mil automóveis.
Também, serão convocados a prestarem esclarecimentos o Ministério Público e o Tribunal de Contas do Estado, que apontou irregularidades nos contratos de concessão da área ao empreendedor privado.
“Estamos atendendo a uma conclamação do movimento para que a Assembleia legislativa se aproprie do tema e possa tomar uma posição no debate, que ainda está muito restrito”, avalia o proponente da audiência pública, o deputado Tarcísio Zimmermann (PT).
legislação e meio ambiente em pauta
A ementa do pedido de audiência pública sobre o Cais Mauá aponta que serão debatidos os “impactos ambientais e a conformidade com a legislação ambiental e urbanística da cidade de Porto Alegre”.
O movimento de cidadãos que questiona o projeto atual de revitalização, entretanto, espera mais do debate. “Há uma inspeção do Tribunal de Contas do Estado apontando ilegalidades nos contratos. E o TCE é um órgão auxiliar da Assembleia, portanto, é imperativo que haja manifestação da casa a respeito”, alega Silvio Jardim.
Entre os problemas encontrados pelo TCE-RS estão a falta de comprovação de um patrimônio de R$ 400 milhões como garantia para as obras e o detalhamento técnico do projeto em até 120 dias após a divulgação do resultado da licitação.
Nenhuma das duas cláusulas foram cumpridas pelo empreendedor, segundo o relatório do TCE, o que poderia ser justificativa para o rompimento do contrato.
Foram essas exigências, não cumpridas pelo consórcio vencedor, que afastaram um grupo internacional de arquitetos que planejavam participar da licitação, segundo a engenheira civil e hoje professora de arquitetura na Miami Dade College, Adriana Schönhofen Garcia.
“Estávamos muito empolgados e chegamos a avançar em pactos e parcerias, porém, eram apenas três meses entre o lançamento do edital e a apresentação das propostas e não houve tempo hábil para formalizar os contratos e detalhar os projetos”, lamentou Adriana em entrevista exclusiva para o Jornal JÁ.
O deputado do PTB, Luis Augusto Lara menciona como mais uma razão para o debate ser realizado as cheias do Guaíba. “Recentemente tivemos uma enchente que deixou debaixo d’água toda a Orla entre o Gasômetro e a Ipiranga, onde a prefeitura está aplicando recursos públicos para a revitalização. Precisamos urgentemente debater essas intervenções em áreas inundáveis para saber com clareza quais os riscos”, aponta.
Leitores financiam grande reportagem do Jornal JÁ sobre o Cais Mauá
A participação dos leitores foi decisiva para tirar do papel o projeto de uma longa investigação jornalística sobre a polêmica revitalização do Cais Mauá em Porto Alegre. Em um mês, o Jornal JÁ arrecadou mais de R$ 9 mil em sua primeira campanha de financiamento coletivo em 30 anos de história.
“É um marco importante para um projeto como o do JÁ, de jornalismo independente e comprometido com o cidadão”, agradece o diretor da editora, Elmar Bones.
Os valores ainda estão sendo contabilizados pelo site Catarse, porém, a equipe já se prepara para iniciar a apuração. Leitores que contribuíram com valores acima de R$ 100 participarão das reuniões de pauta para definir os temas das reportagens, que irão ao ar no site do Jornal JÁ em uma série ao longo de janeiro de 2016.
Além de Bones, participam da empreitada os jornalistas Naira Hofmeister (reportagem), Tânia Meinerz (fotografia) e Andres Vince (editor de arte).
As recompensas para quem contribuiu – livros e revistas – serão entregues ainda em dezembro.
Além das reportagens especiais, o JÁ seguirá acompanhando o noticiário diário a respeito do tema.
Bones: “É desses estímulos que o jornalismo anda necessitado”
“Enfrentamos o desafio de buscar financiamento coletivo para produzir uma série de reportagens sobre o Cais Mauá: o projeto empresarial de revitalização, a polêmica que gerou na cidade, as alternativas em discussão.
Fomos motivados pelas lideranças do movimento comunitário ‘A Cidade Que Queremos’ e dividimos o desafio com eles.
Vencemos a primeira etapa. A poucos minutos do término do prazo para as contribuições, a meta foi alcançada.
Vamos partir agora para o desafio principal: produzir um conteúdo jornalístico que corresponda à demanda que a comunidade manifesta, por informações confiáveis sobre esse tema tão essencial para a nossa cidade.
Muito obrigado a todos os que contribuíram e aos que pensaram em contribuir, mas não conseguiram.
É desses estímulos que o jornalismo anda necessitado, para que deixe de ser um jornalismo dos anunciantes e, finalmente, volte a ser um jornalismo do leitor“.
Elmar Bones
Diretor do Jornal JÁ
Deputados encaminham pedido de audiência pública sobre o Cais Mauá
Naira Hofmeister
Dois deputados estaduais subscrevem uma solicitação formal para que seja realizada uma audiência pública na Assembleia Legislativa sobre a revitalização do Cais Mauá, seus impactos ambientais e conformidade com a legislação municipal.
QUASE LÁ! Contribua agora com o financiamento do Dossiê Cais Mauá, do Jornal JÁ
A iniciativa foi do petista Tarcisio Zimmermann, durante reunião da Comissão de Saúde e Meio Ambiente da casa, na manhã desta quarta-feira (2) e atendeu a um apelo de representantes do coletivo A Cidade Que Queremos.
Na semana passada o grupo havia se manifestado durante realização de um debate sobre água e foram convidados a ampliar as informações em uma reunião formal.
O advogado Caio Lustosa, a radialista Katia Suman, o engenheiro Henrique Wittler e o servidor do Estado Silvio Jardim apresentaram justificativas para o debate – entre elas, a insuficiência do Estudo de Impacto Ambiental, o descumprimento de diversas leis municipais e estaduais e o não cumprimento de cláusulas contratuais por parte do consórcio vencedor.
“Este tema é muito complexo, e uma audiência pública não vai esgotá-lo. Mas servirá para ampliar um debate muito importante que os militantes pela natureza e pelos direitos da cidadania trazem até nós”, observa o parlamentar.
A proposição original de Zimmermann era que os quatro deputados presentes na sessão subscrevessem um pedido conjuntamente para a realização da audiência. Entretanto, apenas a deputada Liziane Bayer (PSB) atendeu ao apelo do colega e assinou o documento.
“Queremos ouvir as partes e esclarecer os fatos”, justificou a socialista.
O tucano Jorge Pozzobom reconheceu a importância da realização do debate e segundo sua assessoria não assinou o pedido por alguma falha na comunicação entre os deputados. “Não tenho nada contra o projeto de revitalização do Cais Mauá, pelo contrário, sou favorável a ele, mas antes de tudo, é preciso respeitar a lei e as acusações que foram trazidas aqui são graves”, apontou.
Deputado “verde” declina: “Traria insegurança jurídica para investidores”
Único representante do Partido Verde (PV) no parlamento gaúcho, o deputado João Reinelli, não se convenceu da necessidade de realização da audiência pública solicitada por ambientalistas e movimentos sociais.
“Esse debate já foi feito e seria inoportuno recomeçá-lo agora, sob o risco de trazer insegurança jurídica aos empreendedores”, defende.
Nem mesmo o corte de 330 árvores, previsto para permitir a construção do shopping center ao lado da Usina do Gasômetro, foi suficiente para sensibilizar o deputado. “Árvores nascem e morrem e não podem ser uma justificativa para barrar um projeto como esse e desfazer tudo o que foi feito até agora”, observa.
Como alternativa ao debate, Reinelli vai convidar o secretário municipal do Gabinete de Desenvolvimento e Assuntos Especiais, Edemar Tutikian, para participar da reunião da Comissão de Saúde e Meio Ambiente no dia 16 de dezembro.
A intenção é que Tutikian possa responder os questionamentos feitos pelos movimentos nesta manhã. “A Prefeitura e o Governo do Estado são responsáveis. Não posso acreditar que essas denúncias sejam verdadeiras”, assinala.
debate só no ano que vem
O pedido de audiência pública já foi protocolado na Comissão de Saúde e Meio Ambiente, mas a sua realização depende de aprovação dos demais integrantes do colegiado da casa.
O presidente da comissão, deputado Valdeci Oliveira (PT), não pode acompanhar a reunião desta manhã, mas fez questão de cumprimentar os ativistas de assinalar seu apoio quando a sala já esvaziava.
“Vamos fazer um esforço para aprovar o requerimento na próxima semana, mas mesmo assim a audiência só seria realizada no ano que vem”, explica, aludindo ao recesso parlamentar, que inicia ainda em dezembro.
O coletivo A Cidade Que Queremos também entregou formalmente à comissão um dossiê contendo irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) na licitação e contratos com o vencedor e reportagens que ilustram os problemas por eles verificados.
Por sugestão do deputado Pozzobom, a Comissão de Saúde e Meio Ambiente pedirá formalmente esclarecimentos para o Ministério Público, TCE-RS e Prefeitura de Porto Alegre.
Cais Mauá, um emblema da história do Rio Grande
Geraldo Hasse
Em 2008, ao realizar a velha ideia de escrever um livrinho sobre a história da navegação no Rio Grande do Sul, me dei conta da centralidade do Cais Mauá na história de Porto Alegre. Nunca é tarde para ver caírem as fichas.
Desde criança em vinha margeando a história do transporte hidroviário no território gaúcho.
ÚLTIMO DIA: Contribua com o financiamento coletivo do Dossiê Cais Mauá
Me criei em Cachoeira, na beira do rio Jacuí (onde havia um porto fluvial que agonizava enquanto eu crescia e estudava nos anos 50), depois morei em Pelotas (onde o movimento do porto local estava diariamente na minha pauta como repórter de rádio dos anos 60) e, após muitas andanças pelo Brasil (nos anos 90 morei em Vitória, que tem um grande movimento portuário), acabei entrando no século XXI em Osório, cidade cercada por lagoas que serviram como vias de navegação antes da construção das rodovias que aí estão.
Era inevitável que ao retornar à querência eu tivesse o impulso de, como deve ter feito o escrivão da frota vascaína ao voltar da Índia, vasculhar a memória regional em busca de uma síntese útil sobre algo fundamental no cotidiano riograndense.
Assim nasceu o livro Navegando pelo Rio Grande (JÁ Editores, 2008). É um barquinho de papel (102 páginas) que dá uma viajada legal pela história dos ancoradouros, rios e lagoas do Rio Grande do Sul.
Na introdução, o editor Elmar Bones botou o dedo na ferida ao lembrar a contradição histórica em que estão mergulhados os gaúchos: embora vivam num ambiente rico em estradas líquidas formadas por lagoas e rios, passam a maior parte do tempo falando de gado, campo e lavoura.
Ora, direis, o que tudo isso tem a ver com o Cais Mauá?
Aí é que está: o Cais Mauá é um dos maiores emblemas da história de Porto Alegre e do Rio Grande do Sul. Um pedaço da alma da cidade, como o Gasômetro, a Rua da Praia, o Theatro São Pedro, o viaduto Otávio Rocha, os estádios Olímpico e Beira Rio, a Ilha da Pintada.
Esse nome, Cais Mauá, tem apenas um século e homenageia o pioneiro João Evangelista de Souza, o Barão de Mauá, mas foi na beira do Guaíba que a capital começou no século XVIII (a maioria das cidades começou assim, na beira de um corpo d’água).
Na fundação desse belo patrimônio histórico, os armazéns, a via férrea, o acostamento e tudo mais acompanhavam a linha d’água. A cidade era dominada pela horizontalidade. A única coisa vertical por ali eram os guindastes, que se tornariam obsoletos em face da evolução dos sistemas de carga e descarga de navios.
Ao longo do século XX, a zona portuária da capital foi enriquecida com a construção de prédios verticais que abrigaram residências, escritórios e repartições públicas. Por que tanta construção? Claro, havia a atração das águas, mas a razão mais poderosa para tanta edificação é que o porto era o lugar mais rico da cidade. Por ali passavam os melhores produtos, as grandes cargas.
Observem a Avenida Sepúlveda, que nasce diante do portão do porto na Avenida Mauá e não tem nem 100 metros de extensão.
Dois prédios históricos estão frente a frente. De um lado, a Alfândega Federal. De outro, a Secretaria da Fazenda do Estado. São duas fortalezas fiscais à espreita da riqueza que circulava entre o porto e a cidade.
A riqueza que circulava ali e, a partir dos anos 1950, passou a circular, principalmente, pelas rodovias, hoje responsáveis por 80% do transporte de cargas do RS, o estado mais bem provido de vias navegáveis, depois do Amazonas.
O símbolo do progresso, o novo emblema rodoviário chamado Ponte do Guaíba (inaugurada em 1958) virou um problema porque, além de atrapalhar a navegação, não dá conta do tráfego de caminhões, tanto que o governo federal está construindo uma nova ponte.
O Cais Mauá foi abandonado pela maioria dos navios que se foram para o Cais Navegantes, para a foz do rio Gravataí, para o terminal Santa Clara no Jacuí em Triunfo e, mais ainda, para Rio Grande. O Mauá foi esvaziado pela migração das cargas para outros locais com maior calado, entre outros itens considerados importantes pelos operadores portuários, os armadores e os donos das cargas.
Em consequência, a cidade de Porto Alegre viu a zona portuária perder o antigo movimento. Hoje, temos mais de um quilômetro de cais para os catamarãs e o barcão Cisne Branco. E para as embarcações de fiscalização da inglória Superintendência de Portos e Hidrovias (SPH), herdeira do poderoso Departamento de Portos, Rios e Canais (Deprec).
O centro de Porto Alegre permanece vivo em torno do Mercado Público, das repartições públicas, dos escritórios e das lojas.
Quem chega de avião ou se aproxima pela BR-290 ou pela BR-116 identifica no aglomerado de prédios do centro uma semelhança com Manhattan, mas ao cair dentro do labirinto central a maioria das pessoas não compreende como o miolo da capital gaúcha se tornou essa mescla de antiguidade, modernidade e decadência.
Com um pé em cada canoa, o Cais Mauá é um reduto histórico que corre o risco de deteriorar-se como outras taperas da nossa história.
À luz da lógica da economia de mercado, erguer duas ou três torres de vidro pode dar uma sobrevida à avenida. Ela precisa mesmo de uma revitalização. Como o poder público não tem recursos para tanto, a responsabilidade foi transferida há cinco anos para a iniciativa privada, que só investe se houver um horizonte de remuneração.
No Mauá parece haver perspectiva de lucro. Não fosse assim, os empresários não estariam revoando. Mas o projeto não anda. Ou faltam condições legais, ou escasseiam os parceiros ou entra areia graças a novas demandas judiciais.
O debate em torno do cais Mauá tem sido distorcido por divergências de interesses. A palavra revitalização assusta porque sugere o desmanche do velho para que nasça o novo. Naturalmente, nessa mudança, tendem a ser privilegiados aqueles que já desfrutam de vantagens na sociedade. Então como é que ficam os pobres, a classe média baixa – a maioria da população?
Não tenho dúvida de que o urbanista Jaime Lerner é bem intencionado, mas atrás de seus projetos e consultorias costumam atuar alguns tubarões do mercado imobiliário que, se não forem contidos, entupirão a orla de torres e shoppings centers.
Uma torre de aço e vidro a cada 500 ou 1000 metros da orla seria um novo marco da urbanização no estilo do século XXI. Torres (em fortalezas) fazem parte da história da humanidade. A torre do Gasômetro tem 90 anos e ninguém pensa em derrubá-la para restabelecer a horizontalidade da orla.
Mas quem sabe o que vai acontecer com as orlas do mundo?
No Guaíba existe até um muro para segurar enchentes, mas os empreendedores da revitalização do Cais Mauá (e do Pontal do Estaleiro) pensaram no risco representado pelas mudanças climáticas? Se os oceanos subirem o tanto que se fala, a Lagoa dos Patos vai subir também e, com ela, o Lago Guaíba.
Se o Cais Mauá for tomado pelos tubarões, corremos o risco de perder a memória da cidade. Não apenas a memória predial, arquitetônica, mas até os arquivos que dormem nos prédios ligados à navegação.
Minha maior surpresa na pesquisa para o livro da navegação foi descobrir que, dentro do edifício (quatro andares) da administração do porto da capital, existia uma senhora biblioteca com farta documentação sobre a história dos portos, rios e canais do Estado.
Nunca é demais lembrar que, embora mudem os locais de atracagem dos navios e deposição das cargas, la nave va — a navegação continua.
Mas não olhemos apenas para o cais Mauá. É preciso encarar toda a orla.
À margem da Av. da Legalidade e da rua Voluntários da Pátria há uma porção de prédios apodrecendo e de terrenos baldios. No miolo central há dezenas de prédios vazios, sendo que um ou outro começam a ser alvo de ocupações com fins residenciais.
Enquanto isso, restam duas perguntas:
1 – Por que o poder público não toma nenhuma iniciativa para revitalizar os arredores do Cais Mauá e do Cais Navegantes?
2 – Por que a inteligência da cidade tem de ficar atrelada às iniciativas do capital?
Cais Mauá: nossa posição
ELMAR BONES
Estamos dando a mais ampla cobertura aos eventos relativos à revitalização do Cais Mauá, o berço da cidade de Porto Alegre.
Há um projeto empresarial, grandioso, mas pouco conhecido ainda.
E há um movimento comunitário denominado “Cais Mauá de Todos”, que questiona esse projeto.
Não somos contra o projeto – até porque não o conhecemos inteiramente, certas informações essenciais não estão disponíveis. Há muitas perguntas sem resposta. Estamos de pleno acordo com o movimento.
Todo o cidadão tem o direito de questionar um projeto que envolve interesse público. É um direito líquido da cidadania participar da construção dos espaços públicos.
Nós, como jornalistas, temos o dever de tornar públicas as informações que o cidadão precisa para se esclarecer e participar.
Não é compreensível que uma intervenção deste porte, num espaço histórico, onde nasceu a cidade, seja feita sem amplo debate com a comunidade.
Alegar que uma discussão prolongaria uma situação de abandono que já perdura 30 anos é falacioso. Pode-se alegar o inverso: se já se esperou 30 anos, porque a pressa agora?
Decisão judicial sobre o Cais Estelita anima ativistas de Porto Alegre
Naira Hofmeister
A noite de sábado (28) foi de celebração diante do pórtico central do Cais Mauá. A vitória dos ativistas de Recife, que conseguiram reverter, em primeira instância, o leilão de venda do Cais Estelita a um empreendedor privado, elevou o ânimo dos militantes que defendem uma alternativa ao modelo de revitalização do Cais Mauá baseado no tripé espigões-shopping-estacionamento.
“Lá eles anularam um leilão, reverteram uma compra. Aqui é mais simples, basta rescindir o contrato“, pontuou a advogada Jaqueline Custódio, do coletivo Cais Mauá de Todos, recordando que a concessão da área à iniciativa privada, na Capital, teria tempo determinado (25 anos prorrogáveis por mais 25).
Últimos dias: ajude a financiar o Dossiê Cais Mauá do Jornal JÁ
Não faltaram brados de vitória a partir das 19h quando, ainda com o céu claro, chegaram os primeiros militantes. Um abraço fraterno entre conhecidos, a pergunta inevitável – “viste o que aconteceu no Recife”? – e, ato contíguo, punhos cerrados e vibrantes, expressão de contentamento… “vai dar”.
Mas, ao microfone, o discurso oficial do movimento era de cautela. Coube ao presidente da seção gaúcha do Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB-RS), Tiago Holzmann da Silva, o papel de advogado do diabo. “Não podemos baixar a guarda. Se acharmos que vamos repetir o que ocorreu no Recife, vamos perder a briga”, alertou.
Holzmann foi mais longe e lembrou que ainda que conseguissem corrigir o caminho que segue o projeto do Cais Mauá, há inúmeros outros casos em Porto Alegre que denunciam “a lógica da privatização e da apropriação da cidade por grupos empresariais” em detrimento do debate público sobre o planejamento urbano.
“O cercamento da Redenção tem tudo a ver com o Cais Mauá. A tentativa de vender o Morro Santa Teresa, também”, exemplificou.
Na mesma linha, o ambientalista José Fonseca recordou o caso da Fazenda do Arado, no bairro Belém Novo – cujo regime urbanístico foi alterado para permitir a construção de um condomínio com mais de 2 mil casas em área às margens do Guaíba atualmente preservadas -, e a verticalização do Quarto Distrito, na zona Norte da Capital.
Ele lembrou ainda do projeto Parque do Pontal – outrora chamado Pontal do Estaleiro – onde se pretende erguer torres de escritórios e shopping center. “Sabemos que os escritórios dos espigões do Barra Shopping, a poucos metros do terreno, estão vazios, porque servem à especulação imobiliária que pode esperar um momento econômico mais promissor para vendê-los ou alugá-los”, denunciou.
Já a radialista Katia Suman reforçou a necessidade de unidade do movimento neste fim de ano, ironizando o apelido que seus integrantes ganharam da parcela da população que apoia a revitalização do Cais Mauá dentro dos moldes propostos pelo consórcio.
“Senhoras e senhores caranguejos, essa terra é nossa, temos que ocupá-la! Por isso precisamos muito de vocês”, clamou.
Artistas foram o combustível da noite
As apresentações artísticas serviram como combustível para renovar o ânimo dos presentes.
Na música, se revezaram aos microfones a voz suave de Carina Levitan e a intensidade debochada de Carlinhos Carneiro e seu Império da Lã. O ponto alto foi a apresentação de um fragmento do espetáculo de dança “Cidade Proibida“, da Cia Rústica, que aborda com poesia a relação entre habitantes e território – ninguém ficou indiferente.
“A cidade sou eu e os outros”, diziam os dançarinos no asfalto da Sepúlveda. Eles voltam a se apresentar nestas segunda e terça-feira (30 e 1º), na praça Julio Mesquita, em frente ao Gasômetro.
Já passava das 23h e o público ainda chegava. A noite continuou com mais música e dança, cervejas e cachaças artesanais, pasteis e bugueres vegetarianos a preços convidativos.
Teve também quem preferiu trazer tudo de casa para consumir no local, como o trio de amigos Lucas Campos, Luis Fernando Palm e Débora Santos. Sentados no meio fio, sobre uma manta que isolava o gelado do chão, eles tinham à mão espumante e belisquetes em um isopor e sacolas.
“Vamos ficar até não aguentarmos mais”, admitiram eles, que vêm sempre aos eventos para curtir e também se informar sobre o andamento do debate.
“Esse evento é a cara do que queremos para o Cais: economia criativa, venda de produtos caseiros, artistas, pessoas ocupando o espaço livremente. É como se fosse uma mini-maquete”, ilustrou um dos organizadores, o produtor cultural Rafael Ferretti.
abaixo-assinados e agenda ganham adesões
Um abaixo-assinado recolhia apoiadores debaixo do “gazebo”, tenda portátil armada no canteiro central da Sepúlveda. Pede o tombamento da paisagem do Cais Mauá e será levado para o Ministério da Cultura, em Brasília.
“O cais nunca mais abriu, precisa ser revitalizado e entregue à cidade, mas mantendo o visual e preservando o meio ambiente”, justificou sua assinatura ao documento Kian Santos.
Já a fisioterapeuta Laura Berni Wagner apoiava o ato para que seu filho, Carlos, “possa usufruir do espaço”, que ela defende que seja utilizado para programas culturais e para apreciar a vista do Guaíba.
“Sem edifícios que vão cercear a liberdade de ir e vir”, completou.
Havia ainda um grupo recolhendo assinaturas para pressionar a Prefeitura a parar com as obras na área entre a Usina do Gasômetro e a rótula das Cuias, “enquanto não se discute com a população” a intervenção planejada para o local, segundo seu organizador, o músico Jefferson Prola.
Também a agenda intensa de mobilização para essa primeira quinzena de dezembro mereceu destaque. O presidente do IAB-RS, Tiago Holzmann convocou todos à Assembleia Legislativa na próxima quarta-feira (2).
Na ocasião, o coletivo A Cidade Que Queremos se reúne com deputados da Comissão de Saúde e Meio Ambiente para avaliar a possibilidade de realização de uma audiência pública sobre as irregularidades constatadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS) nos contratos entre o poder público e o consórcio.
“A Assembleia está entrando em campo, finalmente, para fazer o papel que sempre lhe coube: o de fiscalizador do Governo do Estado, que foi quem promoveu a licitação”, observou.
Já o sociólogo João Volino lembrou do “escracho” que será feito em um “desabraço à Prefeitura’, no dia 18 de dezembro, diante do Paço Municipal. Ele revelou que serão impressas notas falsas de dinheiro para simular a compra do Cais Mauá pela população.
Justiça Federal anula compra do Cais Estelita no Recife
A Justiça Federal de Pernambuco anulou a transferência do Cais Estelita de Recife a um consórcio privado que pretende erguer espigões na área originalmente pública.
A decisão do juiz federal Roberto Wanderley Nogueira foi tomada na sexta-feira (27).
Últimos dias: contribua com a construção do Dossiê Cais Mauá do Jornal JÁ
Segundo o magistrado, o consórcio Novo Recife Empreendimentos Ltda tem 30 dias para devolver a área ao poder público.
Prefeitura e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) estão proibidos de autorizar obras no local que “controvertam o ambiente histórico, paisagístico, arquitetônico e cultural das áreas do entorno do Forte das Cinco Pontas, incluindo o Cais José Estelita, sob as penas da lei”.
A íntegra da decisão pode ser consultada no blog da Noelia Brito.
Agenda intensa para debater a revitalização do Cais Mauá
Naira Hofmeister
Contrariando a regra de que a aproximação de Natal, Ano Novo e das férias escolares desmobilizam grupos de ativistas, o coletivo A Cidade Que Queremos intensifica sua agenda neste final de ano.
O objetivo principal é questionar os termos do contrato de arrendamento do Cais Mauá a um consórcio e o próprio projeto de revitalização, que embora preveja o restauro dos armazéns tombados pelo patrimônio histórico, propõe a construção de três torres – a mais alta com 100 metros – e um shopping center.
“Mais do que o final do ano, queremos marcar o início das atividades de 2016, porque precisamos entrar em janeiro com uma mobilização a mil (por hora)”, ilustra o funcionário público Silvio Jardim, que integra o grupo.
Últimos dias: contribua com a construção do Dossiê Cais Mauá do Jornal JÁ
As atividades começam neste sábado (28), com a ManiFESTA Cais Mauá, que acontece na avenida Sepúlveda, diante do pórtico central do antigo porto da Capital. O ato inicia às 19h e, além de discursos, inclui apresentações musicais, teatro e dança.
O grupo organiza um abaixo-assinado para pedir o tombamento da paisagem do Cais Mauá. O documento será entregue ao Ministério da Cultura.
Na próxima semana, a agenda do movimento A Cidade Que Queremos incluiu compromissos na Assembleia Legislativa, na quarta-feira (02) e na Procuradoria Geral do Estado (PGE) – em ambos os casos, o objetivo é denunciar as irregularidades apontadas pelo Tribunal de Contas do Estado na concessão da área à iniciativa privada e pedir a rescisão imediata do contrato.
Estão previstos ainda um debate com alunos e estudantes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e uma coletiva de imprensa. As datas ainda estão sendo definidas, mas tudo deverá ocorrer na primeira quinzena de dezembro.
O grupo se reúne todas as sextas-feiras pela manhã para organizar novas ações e preparar materiais. A agenda foi exposta no último encontro, que ocorreu no Sindicato dos Municipários de Porto Alegre (Simpa).
Militantes promovem “desabraço” à prefeitura
Para encerrar a intensa agenda, no dia 18 de dezembro, uma sexta-feira, o grupo promove um “desabraço” à Prefeitura, dando os braços de costas para o edifício do Paço Municipal e de frente para a antiga área portuária.
A intenção é criticar a descaracterização do patrimônio histórico-cultural de Porto Alegre e a “entrega do Cais Mauá para a especulação imobiliária” sem o devido debate público.
O ato também contará com batucada e apresentações teatrais.
Coletivo ganha novas adesões
Lançado no dia 6 de novembro, o coletivo A Cidade Que Queremos recebeu na última sexta-feira (27) duas novas adesões – a do Centro Comunitário de Desenvolvimento da Tristeza, Pedra Redonda, Vila Conceição e Vila Assunção e do movimento Viva Guaíba.
“Nossa luta é pela proteção das águas do Guaíba, e para isso é preciso preservar a orla, que está sendo loteada”, condena a jornalista Luciene Schuch, fundadora do movimento.
O grupo pretende fazer o lançamento oficial no final da primeira quinzena de dezembro, com uma coletiva de imprensa com participarão também da Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (Agapan) e A Cidade Que Queremos.
Com os novos integrantes, o coletivo conta agora com 13 organizações em sua composição.
Deputado propõe audiência pública sobre privatização da Orla
Naira Hofmeister
A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul pode convocar uma audiência pública para debater a privatização da Orla do Guaíba, em Porto Alegre.
A proposta foi lançada pelo deputado Tarcísio Zimmermann (PT), durante outra audiência pública na manhã desta quarta-feira (25), que discutia a prestação de serviços da Corsan aos municípios.
“É um assunto que muito nos interessa”, assegurou o parlamentar, após ouvir a manifestação do advogado e conselheiro da Agapan Caio Lustosa, que denunciou a “tentativa de grupos empresariais de se apossarem de toda a área entre o Cais Mauá e a Ponta do Melo” e sugeriu a realização do encontro.
“Certamente vamos atender a sua sugestão”, complementou Zimmermann.
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Segundo Lustosa – que é também integrante do coletivo A Cidade Que Queremos, que reivindica o direito à cidade -, a ocupação das margens do Guaíba é ilegal, porque, entre outras coisas, fere a Constituição Estadual, que classifica essas áreas como “bens de domínio público” e que, portanto, não podem ser destinados a empreendimentos.
Apenas no trecho mencionado por Caio Lustosa, na região central da capital, estão previstas a construção de três torres e um shopping center no Cais Mauá, dois espigões ao lado do estádio Beira-Rio, além do projeto Parque do Pontal (antigo Pontal do Estaleiro), que incluirá outro centro comercial e edifício de escritórios.
Mas há outros projetos pensados para as margens do Guaíba, como é o caso da Fazenda do Arado, em Belém Novo, que teve seu regime urbanístico alterado para receber um condomínio horizontal com 2,3 mil casas, no extremo sul de Porto Alegre.
Coletivo entrega carta a parlamentares
Aproveitando a deixa aberta por Caio Lustosa, o sociólogo e líder comunitário no bairro Auxiliadora João Volino Corrêa entregou a Tarcísio Zimmermmann a “Carta aberta a Porto Alegre”, redigida pelo coletivo Cais Mauá de Todos e que reivindica a rescisão imediata do contrato de revitalização da área em razão das ilegalidades investigadas pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS).
“Infelizmente a prefeitura fez um pacto de mediocridade com o setor privado, transferindo um bem de grande importância cultural da cidade por um projeto que vai comprometer a saúde e o meio ambiente de Porto Alegre ao colocar mais 25 mil carros por dia na avenida Mauá”, condenou, referindo-se ao tema da comissão parlamentar que abrigava a audiência pública sobre a Corsan, de Saúde e Meio Ambiente.
Apresentação detalhará denúncias
Tarcísio Zimmermann e seu colega de bancada, o presidente da Comissão de Saúde e Meio Ambiente, Valdeci Oliveira, convidaram os representantes do coletivo A Cidade Que Queremos para comparecerem à próxima reunião do colegiado, na manhã da quarta-feira, na semana que vem.
Eles querem conhecer em detalhes as denúncias sobre a privatização da Orla e sobre as irregularidades nos contratos do Cais Mauá. O encontro ocorrerá no Plenarinho da Casa, a partir das 9 horas.