Naira Hofmeister
Não há irregularidade nenhuma no cumprimento de cláusulas do contrato que o Estado do Rio Grande do Sul firmou em 2010 com o consórcio Porto Cais Mauá do Brasil para a revitalização do antigo porto de Porto Alegre.
Esta é a conclusão a que chegou o grupo de trabalho (GT) que o governador José Ivo Sartori nomeou para responder aos apontamentos de uma inspeção especial do Tribunal de Contas do Estado (TCE).
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A equipe do governo trabalhou nove meses e vai entregar seu relatório no fim de fevereiro.
“Encontramos muitas falhas de comunicação e interpretações equivocadas, mas revisando os procedimentos e procurando respostas técnicas, estamos desmistificando várias questões”, revelou ao JÁ o coordenador do grupo e diretor-geral da Secretaria dos Transportes, Vanderlan Frank Carvalho.
As “várias questões” a que ele se refere são as constatações de irregularidades encontradas pelo TCE na concessão, o que justificaria o rompimento do contrato com a iniciativa privada.
“Queremos tranquilizar a população e a opinião pública. O contrato está vigente, juridicamente ele tem validade”, acrescenta.
Segundo o TCE, eram três os principais itens que em outubro de 2013 faziam com que o negócio estivesse sujeito a ser desfeito:
1) a falta de documentos que comprovassem a capacidade de investimento dos R$ 400 milhões previstos pelo consórcio;
2) a inexistência do projeto executivo da obra, com todos os detalhes de arquitetura e engenharia do que seria feito no Cais;
3) a mudança da composição acionária do consórcio.
Todas essas exigências constavam no edital e no contrato assinado entre as partes, com prazos para a apresentação de documentos.
Para todos os pontos, entretanto, o GT elaborou uma resposta, isentando os empreendedores. “O consórcio faz tudo como deveria. Inclusive eles são muito eficientes em tudo o que é solicitado pela administração”, defende Carvalho.
Essas conclusões – resumidas a nos links abaixo – constarão no relatório final do grupo de trabalho que já está sendo elaborado pela Secretaria dos Transportes e que será encaminhado no formato de uma carta-resposta ao TCE com o objetivo de “dar continuidade ao projeto e retirar todos os obstáculos para fazer com que ele aconteça”.
Em dezembro, um grupo de moradores e organizações da sociedade civil contrários ao modelo proposto pelos empreendedores para a revitalização – que inclui a construção de três espigões, um shopping e estacionamentos – pediu uma investigação sobre a eventual conivência de autoridades com as irregularidades apontadas pelo TCE, uma vez que foram emitidos diversos avisos pelos fiscais do contrato de que cláusulas estavam sendo descumpridas.
Clique nos links para ler as conclusões do Governo do Estado sobre os apontamentos do TCE:
Ponto 1: Garantia financeira seria facultativa
Ponto 2: Ingresso de empresas não foi analisado
Ponto 3: Edital foi falho ao exigir projetos em 120 dias
Novo aditivo já está sendo formulado
Como o Estado entendeu que as irregularidades encontradas no cumprimento do contrato pelo Tribunal de Contas do Estado são “alheias à vontade do empreendedor”, um novo aditivo contratual está sendo formulado para regularizar tudo.
Nele, por exemplo, constará que a entrega dos projetos executivos deverá ser feita em até 120 dias contados a partir da obtenção da Licença de Instalação (LI).
“Tem que haver um prazo para o empreendedor não ficar se amarrando. O que estava equivocado era o início da contagem, a partir da assinatura do contrato”, argumenta Carvalho.
O novo aditivo poderá também alterar novamente a data de início da contagem da concessão de 25 anos, prorrogáveis por mais 25. “O edital direcionava o início das obras para o segundo ano. Sobre essa proposta é que foram gerados todos os valores e aí que se deu o equilíbrio do contrato, que em algum momento terá que ser rediscutido porque chegamos ao ano cinco e nada ainda aconteceu”, observa o diretor-geral da secretaria dos Transportes.
Ou seja, como o empreendimento estaria atrasado por razões que extrapolam o controle do consórcio – na opinião do GT – seria importante recalcular o prazo de vigência do contrato.
“De certa forma já há um desequilíbrio que vai ter que ser ajustado de alguma forma”, revela.
O que Carvalho não sabe ainda é a solução exata para o problema. “Como o empreendimento ainda não começou, não tem como mensurar o prejuízo. Entendemos que ainda não é oportuno verificar essa questão, até porque o principal é destravar a obra”, anota.
Atualmente, a data acordada para marcar o início da vigência do contrato não é a mesma do dia da sua assinatura – dezembro de 2010 – mas aquela que pôs fim ao litígio da Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) contra o Estado, que contestava a licitação: setembro de 2011. Ou seja, a concessão já estaria em vigor há quatro anos e meio.
Embora considere a possibilidade de rever o que considera um desequilíbrio do contrato em prejuízo do empreendedor, eventuais prejuízos para o Estado são descartados por Carvalho. “O grande prejuízo do Estado se refere à não entrega dessa área para a população. Não é um prejuízo material, é que a população continua sem poder usufruir de uma área muito importante”, resume.
A suspensão do pagamento da anuidade pelo arrendamento da área não é vista como um problema.
Pelo contrato, o consórcio deveria pagar aos cofres públicos R$ 3 milhões ao ano, sendo que nos primeiros três anos de concessão, esse valor seria reduzido a 10% do total (R$ 300 mil). Contando a partir da data do acordo com a Antaq, a partir de setembro de 2014 o valor cobrado aumentaria.
“Mas havia um dispositivo que, se por situações alheias à vontade da arrendatária não fosse possível iniciar as obras, poderia ser solicitada a suspensão do pagamento até que essa possibilidade fosse alcançada”, explica o coordenador do GT.
É o que foi feito: “Os empreendedores pagaram os 10% até finalizar o terceiro ano. Quando passaria para um valor considerável, eles não tinham conseguido as licenças e fizeram um requerimento baseado no contrato. E foi concedida a suspensão até que saiam as licenças”, explica Carvalho.
“Inclusive a gente interpreta que eles poderiam ter pedido a suspensão muito antes, mas entenderam por bem manter os pagamentos”, conclui.
Grupo de trabalho terá caráter permanente
Nove meses após a primeira reunião – e depois de ter sua duração prorrogada duas vezes – o grupo de trabalho vai ganhar caráter permanente.
“Estimávamos que as análises durariam três meses, mas diante da complexidade foi preciso prorrogar o prazo por mais 180 dias. A conclusão a que chegamos é que o GT precisa se tornar permanente”, avalia o coordenador do grupo e diretor-geral da Secretaria dos Transportes, Vanderlan Frank Carvalho.
Carvalho explica que era possível expandir a duração uma terceira vez, porém os pontos específicos para os quais o GT foi criado, em maio de 2015 – analisar o contrato entre o Estado e o consórcio, que foi considerado irregular pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) por descumprimento de algumas cláusulas – foram superados.
“A ideia não é prorrogar mais. Vamos encerrar e iniciar um permanente”, garante.
A criação de um GT permanente sobre o Cais mira em possíveis futuros problemas, como a sobreposição de contratos e serviços na área. É o caso da operação do catamarã, que foi licitada pelo Estado também em 2010 – mesmo ano do edital da revitalização do Cais, que, porém, não mencionava a operação da CatSul no armazém B3, que integra a área do Cais Mauá.
“Tem uma sobreposição de contratos, é evidente. É um assunto que será tratado mais adiante e teremos que dialogar e discutir com os dois, porque é um serviço público relevante e vamos ter que ter muito cuidado”, projeta o diretor-geral da pasta.