Lerner encerra apresentação sob vaias

“O grito é a arma do covarde!”, reagiu Jaime Lerner ante os gritos de um rapaz que interrompia sua fala.
Arquiteto reconhecido, ex-prefeito de Curitiba e ex-governador do Paraná, Lerner falava para um plenário lotado, na audiência pública que a Câmara de Vereadores de Porto Alegre promoveu na noite desta segunda-feira, 14, para apresentação do “projeto de revitalização da Orla do Guaiba”, feito por sua equipe.
Cerca de 200 pessoas lotavam as galerias e ocupavam o espaço dos vereadores, a maioria ausente.
A audiência durou mais de três horas e teve vários momentos de tensão, com vaias e gritos. Num deles, Lerner ameaçou deixar o plenário.
No final, visivelmente cansado, o famoso arquiteto agradeceu “o respeito que me dedicaram” e encerrou dizendo que “ a vaia é o aplauso dos que discordam”. Deixou a tribuna sob vaias.
Do projeto mesmo, muito pouco se ficou sabendo.
A apresentação, foi feita pelo arquiteto Fernando Canali, da equipe de Lerner, mostrou uma sucessão de lâminas com desenhos em perspectiva, sem detalhes da proposta, e interrompida várias vezes pelas vaias do público, em sua grande maioria ambientalistas e líderes comunitários, que representam a comunidade nos conselhos do poder público municipal.
Lerner abriu a audiência falando de suas ligações com Porto Alegre e disse que seu escritório está trabalhando em dois projetos para a cidade: o do Cais Mauá “que está em andamento” e o da Orla do Guaíba, que seria apresentado a seguir por Canali.
Disse que o trabalho referente à Orla se desenvolve há mais de dois anos e que sua primeira parte, que abrange 1,5 km de orla, está “detalhado para o projeto”, o que significa dizer que está pronto.
“Sabemos que é um sonho do portoalegrense recuperar a sua orla. Nossa preocupação foi fazer uma intervenção que integre a Orla à cidade e que também preserve a visão do Guaíba, que a vista fique desimpedida ao longo de todo o trajeto”. Disse que seria apresentada a “etapa prioritária” do projeto. “É um começo importante”, ressaltou.
Canali fez a apresentação com breves complementos feitos por Lerner.
O arquiteto disse que o projeto abrange seis quilômetros de orla, da Usina do Gasômetro ao Arroio Cavalhada, mas que foi concluída até agora a “parte prioritária”, de 1,5 km a partir do Gasômetro. Uma marina pública, decks de madeiras à beira da água, escadarias acompanhando o declive do terreno, passarelas de metal projetadas sobre as águas, bares e instalações de serviços.
Todos os equipamentos ficam “abaixo do nível visual de quem está na altura da rua”, de modo a não atrapalhar a vista do rio.
À medida que se sucediam os desenhos projetados num painel ia crescendo a inquietação do público.
Quando o arquiteto mencionou a “colocação de um estacionamento embaixo da pista do aeromóvel”, a reação explodiu : “Isso, jamais!”, “Não queremos Curitiba”. Vários falavam ao mesmo tempo, gritos (“Vai prestar contas à Justiça”, numa referência a processos em que Lerner foi envolvido). Lerner reagiu: “Vocês não vão me fazer perder a paciência”. Em seguida, quando um manifestante, aos gritos não o deixava prosseguir, ele perdeu a paciência e por pouco não deixou o local.
Há dois anos IAB tentava conhecer o projeto

O primeiro a falar depois da apresentação foi o presidente do Instituto dos Arquitetos do Brasil, Tiago Holzmann. Ele explicou que o ambiente de tensão se justificava, pois pela primeira vez a comunidade estava tendo acesso ao projeto que já se desenvolvia há mais de dois anos. Jaime Lerner foi contratado em 2010, com a justificativa do “notório saber”, para evitar a licitação ou o concurso público, e nada mais se soube do trabalho.
O presidente do IAB disse que em duas vezes anteriores (em maio de 2012 e junho de 2013) a entidade solicitou à Prefeitura uma apresentação pública do projeto, mas sequer obteve resposta. Então ele teve que recorrer à Câmara de Vereadores, que convocou a audiência pública.
Lembrou que desde o início o IAB foi crítico ao critério do “notório saber” para escolher o projetista, e que o atual prefeito, José Fortunati, quando secretário do Planejamento, se comprometeu a fazer um concurso público para escolher um projeto para a orla. “Essa ideia foi abortada”.
Holzmann afirmou também que os projetos mais importantes da cidade estão blindados à publicização. “Temos visto que é uma prática recorrente, fazer obras como duplicação e viadutos sem discussão pública”.
Foi aplaudido quando disse que o projeto da orla era até ali “praticamente secreto”.
“Isso não é um projeto”, diz Udo Mohr
O arquiteto Udo Mohr, professor e ex-funcionário da Secretaria do Planejamento, representando a Agapan, criticou o caráter superficial da apresentação. “O que foi apresentado aqui não é um projeto. São alguns desenhos em perspectiva, algumas ideias, nem de longe um projeto”, disse. Segundo ele, fazer um projeto desse porte sem ouvir os usuários em consultas públicas é como “fazer uma casa sem consultar a família que vai morar nela”.
Eduíno Mattos, líder comunitário, membro do Conselho do Plano Diretor, também reclamou da postura do prefeito José Fortunati de não dar resposta às demandas dos movimentos comunitários. Silvio Nogueira, da Associação dos Moradores do Centro, fez a manifestação mais indignada. Lembrou que a orla está em discussão há décadas e que a Prefeitura inclusive formou um Grupo de Trabalho, coordenado pelo arquiteto Marcelo Allé, que começou a trabalhar num projeto para a orla. “De repente esse projeto foi descartado e aparece um outro assumido por um escritório particular, sem licitação ou concurso, contratado por R$ 2,5 milhões”.
No final da audiência, Lerner voltou a falar, mas não chegou a responder à maioria dos questionamentos feitos pelos oradores. Disse que o trabalho completo envolve mais de 600 pranchas e 24 projetos complementares e que “é claro que é um começo”.
Disse que não podia ser responsabilizado pelos atritos existentes entre a Prefeitura e os movimentos comunitários, “Não sei como se dá essa relação”.
O vice-prefeito Sebastião Mello, presente à mesa, escudou-se no regimento interno da Câmara, para não se manifestar.
A implantação da “etapa priorirária” do projeto vai custar R$ 60 milhões, segundo a Prefeitura, mas ainda não tem data para início.
Notícia da ZH
Orçada em R$ 60 milhões, a primeira fase da proposta de revitalização da orla do Guaíba foi detalhada nesta segunda-feira pelo arquiteto e urbanista Jaime Lerner, em audiência na Câmara de Vereadores de Porto Alegre. A obra de 1,5 mil metros, que pela previsão inicial deveria ter sido inaugurada no final do ano passado, ainda não tem novo prazo para sair do papel, mas segue provocando polêmica.
Responsável pelo projeto, Lerner disse não se sentir desconfortável diante das críticas do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) no Estado, pelo fato de o projeto ter sido escolhido por notório saber, sem passar por concorrência pública.

— Já fui presidente da União Internacional de Arquitetos, que congrega 1,5 milhão de arquitetos e 1,5 milhão de egos. Tenho muito em conta a profissão, mas o que todos precisam entender é que esse é um começo, que vai abrir oportunidade para muita gente— contemporizou.

Ao apresentar o projeto, salientou que tudo foi pensando para valorizar a paisagem do Guaíba.

— Não conheço um pôr do sol mais bonito — elogiou, ressaltando que o objetivo é criar um parque a céu aberto que seja “intensamente frequentado” pela população em qualquer horário.

Um dos diferenciais será um calçadão de 300 metros, a partir do Gasômetro, que terá bolinhas de gude no solo, iluminadas por fibra ótica. Assim, o vidro será refletido pelo sol durante o dia e, à noite, refletido pela luz.

— Quando terminar o pôr do sol começa o chão de estrelas — poetizou.
Secretário de Desenvolvimento de Assuntos Especiais do município, Edemar Tutikian afirma que o atraso da obra ocorreu porque o projeto é “mais profundo do que se podia imaginar inicialmente”, com 4,5 mil itens diferentes de orçamento. Segundo ele, neste momento a proposta encontra-se em fase de ajustes, em uma parceria entre a prefeitura e o Tribunal de Contas do Estado (TCE), para dirimir todas as dúvidas. Só depois de concluída esta etapa é que será aberta a licitação para definir a empresa responsável pela execução.

— O projeto já passou por todas as comissões da prefeitura. Nesta semana vamos entregar respostas a questionamentos feitos pelo Tribunal de Contas, neste trabalho em conjunto. Esperamos em breve podermos lançar a licitação — afirma.

Ao todo, a proposta de Lerner para a revitalização da orla do Guaíba prevê seis quilômetros de extensão. Só que, neste primeiro momento, apenas os arredores do Gasômetro serão contemplados, pelo fato de a área ser considerada prioritária. A previsão é que essa obra possa ser executada em 10 meses. Escaldados com os atrasos, representantes da Prefeitura preferem não projetar prazos desta vez.

Aaudiência no plenário Otávio Rocha, durante a noite desta segunda, foi solicitada pelo IAB-RS e entidades de moradores e de ambientalistas. Representantes desses grupos e vereadores da oposição fizeram críticas a diversos pontos do projeto, questionando aspectos como impacto ambiental e falta de diálogo.

0 comentário em “Lerner encerra apresentação sob vaias”

  1. Coitado do Lerner, não precisava passar por este constrangimento.
    Curitiba, sem dúvida, sem grandes belezas naturais é uma das mais belas capitais.
    Já Porto Alegre….

  2. O projeto não respeita as resoluções do CONAMA relativas a APPs de rios, como a 303, a 369 e a 429. Não deve ser implementado como está. Todo esse dinheirão deve ter o mínimo voltado para a recuperação das áreas degradadas às margens do rio.

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