Acampamento do MST resiste à ordem de despejo

As trincheiras do Acampamento Jair Antonio da Costa já estão cavadas; acampados não têm para onde ir

Por Ana Lúcia Behenck Mohr e Paula Bianca Bianchi
Faltam taquaras para a horta comunitária do Acampamento Jair Antonio da Costa, do MST. A maioria delas estão fincadas frente ao portão e ao redor dos 5 hectares do acampamento localizado na pequena Nova Santa Rita, a pouco mais de 20 km de Porto Alegre. Neste momento, as taquaras tem sido usadas para camuflar trincheiras. Placas de madeira com palavras de ordem espalhadas pelo chão fazem as vezes de escudo. Helicópteros da Polícia Federal sobrevoam com freqüência. Quase todos os dias P2 – policiais à paisana – passam pelo local, tiram fotos. Para os cerca de 500 acampados do Jair, a palavra de ordem é resistir.
Ali, do lado do portão, no início da tarde de sábado, sob um sol de rachar, um homem com um facão no coldre espera. Ele é membro do coletivo de segurança do Acampamento. Atrás do portão, outro homem, também da segurança, mantém a vigia. Do lado de fora, a reportagem tenta, sem sucesso, arrancar alguma informação do homem da faca. “Eu não sei de nada, companheira”, diz ele. Um pouco atrás, meninos do Assentamento Rita de Cássia 2, logo do outro lado da rua, pedem para entrar para jogar bola, também sem sucesso.
Após duas batidas na “cachorra” – uma placa de metal que serve como meio de comunicação entre segurança e o resto do acampamento -, surgem algumas pessoas que finalmente chamam os responsáveis por recepcionar a imprensa. Entramos. O MST dá entrevistas para todos os veículos de comunicação, com exceção da RBS, como nos explicam depois. No momento os acampados do Jair têm evitado receber a “grande mídia”. Segundo eles, é comum que as suas declarações sejam distorcidas.
Se depender do Ministério Público Federal, os acampados do Jair devem deixar a área, cedida pelo Assentamento Santa Rita de Cássia 2 e encurralada entre a BR 116 e a floresta, o mais rápido possível. No dia 24 de abril venceu o prazo dado pela entidade para que as famílias desocupassem o local.
O MPF alega que o acampamento está em uma área de proteção ambiental, argumento rebatido pelo MST. “Estamos na área comunitária do assentamento”, explica Leandro, 18 anos, parte da equipe de comunicação do Jair. No Rio Grande do Sul, 20% do terreno dos assentamentos é separada pelo Incra como zona de proteção ambiental, enquanto o resto é dividido entre as zonas de moradia, produção e comunitária. Para Leandro, o motivo real do despejo não tem nada de ecológico. “O problema é que o acampamento está numa ‘área de risco’, do lado da BR, o que facilita as manifestações”, afirma.
Pouco antes do dia 24 as famílias que vivem no local se reuniram e decidiram resistir. “Estamos aqui há três anos. A gente já levou bala de borracha, cacetada. Não vamos ir embora.”, diz Luciana da Rosa, a outra responsável pela comunicação do acampamento. “Em 2007 foi assinado um acordo que garantia o assentamento de duas mil famílias até o fim de 2008. Foram assentadas 500. Se acontecer alguma coisa, é culpa do governo”, alega. Luciana se refere ao TAC (Termo de Ajuste de Conduta) assinado pelo Incra em novembro de 2007, cujo cumprimento deveria ser cobrado pelo Ministério Público.
A ordem de despejo não é exatamente uma novidade para os membros do Acampamento, que nasceu em 2005 numa beira de estrada em Nova Hartz. Em 2006, menos de um ano após a ocupação, os integrantes foram colocados para fora devido a uma ação de reintegração de posse e acolhidos pelo recém fundado Santa Rita de Cássia 2. A diferença entre os dois despejos é que, ao contrário de 2006,  hoje os acampados não têm para onde ir.
Enquanto a situação não se resolve, 30 integrantes do  Jair fazem greve de fome, acampados em frente a sede do MPF em Porto Alegre. Eles fazem coro a Luciane: “se acontecer alguma coisa, a culpa é do governo federal”, afirma a acampada Michele. O protesto é uma forma de forçar a entidade a revisar a decisão.

Trabalhadores sem-terra fazem greve de fome em frente ao MPF

Jejum continua por tempo indeterminado

“Vamos ficar aqui até quando o MP tiver uma resposta para nós”, diz Gisele, uma das 30 pessoas acampadas defronte à sede do MPF. A ação visa a chamar atenção para a criminalização dos movimentos sociais, bem como para o caso específico do Acampamento Jair Antonio da Costa, localizado em Nova Santa Rita, onde os acampados resistem à ordem do despejo vencida em 24 de abril.

Ontem o procurador-geral conversou com os integrantes do Movimento. “Ele disse que ia juntar as peças, que ia falar com o procurador de Canoas porque não estava reconhecendo isso”, relata Gisele.
Enquanto isso, no Acampamento Jair Antonio da Costa, os acampados vivem momentos de tensão. Conforme Gisele, até mesmo as crianças já sabem que o despejo está prestes a ocorrer. “Quando os helicópteros passam, eles se abraçam em nós e choram”. “As crianças não conseguem mais brincar”.
Além de membros do MST, também um padre e uma freira da Pastoral da Terra jejuam. Os Sem-Terra tem apoio do DCE da UFRGS e de diversos movimentos sociais da cidade, que devem entregar em breve uma carta de repúdio a ação do MPF as autoridades.