A Polícia não tem qualquer pista do grupo que atacou na sexta-feira passada os caixas eletrônicos no Supermercados Zaffari, na rua Fernandes Vieira, bairro Bom Fim, em Porto Alegre
O delegado Joel Wagner, que comanda as investigações, disse ao JÁ que “talvez demore um pouco”.
As imagens colhidas pelas câmeras internas, até o momento, não permitiram qualquer reconhecimento.
Mesmo as imagens que vazaram para a imprensa não renderam nenhuma informação que pudesse levar à identificação de qualquer um dos quatro homens que aparecem.
Isso reforça a hipótese que o grupo, ou pelo menos os líderes, sejam de fora. O delegado Wagner acredita nisso. “Alguns deles, pelo menos”. O delegado Abílio Pereira concorda e acha que a precipitação na abordagem, que acabou frustrando o assalto, pode ser sinal de inexperiência.
O ataque ocorreu no início da manhã de sexta-feira, 27 de setembro.
Mais de cem tiros e armas pesadas foram disparados no confronto entre os assaltantes e os vigilantes que escoltavam os malotes de dinheiro.
A polícia diz que o assalto foi frustrado, os bandidos nada levaram. “Eles erraram o bote”, diz um investigador. “Foi a reação do colega que surpreendeu eles”, disse o vigilante que na terça feira reforçava a segurança no local.
Segundo ele, quando os homens avançaram atirando, um dos vigilantes atirou e acertou no peito de um deles. O colete à prova de bala salvou-o, mas o bandido recuou. Os vigilantes então se entrincheiraram atrás dos caixas eletrônicos e o tiroteio foi ouvido em toda a rua.
O delegado Abílio Pereira, que ouviu os guardas da Prossegur no dia, confirma: os bandidos se precipitaram e começaram a atirar ainda de dentro da garagem, os guardas tiveram tempo de se proteger e revidar. “Se eles tivessem chegado em cima, os guardas não teriam como reagir”, diz o delegado.
Ele foi a primeira autoridade a chegar ao local. Por casualidade, estava chegando ao supermercado, para comprar café. Estava com o carro da polícia, com o motorista, não quis entrar no estacionamento.
Estacionou na calçada vinte metros antes. Desceu, andou uns metros, ouviu o pipocar dos tiros. Correu de volta ao carro para pegar uma arma, mas já os dois carros dos assaltantes saiam cantando os pneus.
Pouco antes das nove horas, um Focus prata subiu a rampa da garagem do Zaffari. O motorista manobrou e deixou-o ao fundo, bem de frente para a rampa de saída. Tinha cinco homens dentro, mas os vidros escuros não deixavam ver. Um deles desceu e foi checar o banheiro, do outro lado. Encontrou a faxineira lavando o chão. Mostrou a arma e disse: “Fica aí e não sai”. Ela se encostou na parede e ficou tremendo. Em seguida ouviu os tiros, os gritos, a correria.
O carro forte da Prossegur encostou minutos antes das nove horas na frente do supermercado. O chaveiro “Gaúcho”, do seu quiosque na esquina, viu tudo. Saltou um guarda com a escopeta, olhou ao redor, em seguida desceram outros três com revólveres, um com o malote de dinheiro na mão. Tensos, olhando pros lados, atravessaram a rua e entraram no supermercado para alcançar a escadinha que leva ao primeiro andar, onde funcionam um café, uma loja de telefones e uma loja de chaves e fechaduras, junto à porta que dá para a garagem e os caixas eletrônicos, três do lado de dentro, um do lado de fora.
Estima-se que no mínimo 100 mil reais seriam colocados nos caixas, para o fim de semana. O chaveiro prestou atenção num homem encostado numa árvore que falou ao celular e se afastou rapidamente. Ele acredita que aquele era um dos comparsas avisando que os guardas estavam subindo com o dinheiro.
São quatro caixas eletrônicos: Banrisul, Banco do Brasil e Banco 24 Horas na parte interna, separada da garagem por uma porta pantográfica automática, e um do Bradesco junto à parede da garagem.
“Pressenti qualquer coisa errada nele”
Os policiais da Delegacia de Roubo procuram um homem de 1,70 m, mulato, magro, musculoso, “com cabeça de nordestino”. Ele é, possivelmente, o chefe do grupo.
A descrição do suspeito foi montada a partir de diversos testemunhos de pessoas que o viram (algumas falaram com ele) nos dias anteriores ao tiroteio que apavorou o Bom Fim.
A imagem do assaltante, captada pelas câmeras de segurança, está um pouco deformada, parece gordo, tem o rosto parcialmente encoberto, até agora tem sido insuficiente para a identificação.
Na véspera, à tarde, ele circulou numa moto pelas ruas no entorno do supermercado, usava um capacete velho e um surrado colete de motoboy. Fez perguntas sobre o trânsito (como se procurasse um endereço), queria saber onde havia um posto da Brigada Militar.
“Pressenti alguma coisa errada nele, tinha um olhar de mau”, diz o chaveiro Gaúcho, que há 30 anos é uma referência na esquina defronte ao Zaffari.
Rotina violenta
Às onze da manhã o sargento Mello já registrava a sexta ocorrência do dia. O furto de um celular, um homem com uma pedra que ameaçava os transeuntes, dois rapazes em atitude suspeita que os guardas do parque da Redenção trouxeram algemados…
O sargento comanda o postinho da Brigada Militar no parque. É um cubículo construído pela comunidade, junto ao mercadinho Bom Fim.
Ele dispõe de um rádio, para falar com a central do policiamento da capital, um telefone por onde recebe as denúncias e um computador, que no momento não está funcionando.
“Está bem tranquilo”, diz o sargento enquanto finaliza a anotação no boletim de ocorrência.
Num sábado assim, de sol, em que o parque se enche de gente, seis ocorrências até as onze horas “é pouco”, repete o sargento, do alto de seus 23 anos de policiamento ostensivo da Brigada Militar.
A redução das ocorrências começou há um mês, com a vinda reforços do interior, em rodízio. A cada mês vem um contingente de 200 homens para a capital.
Isso permite, por exemplo, colocar mais duas viaturas no entorno e mais duas duplas de policiais com bicicleta ou moto no interior do parque. É o que fez diminuir as ocorrências na área no último mês.
É um cobertor curto, porque no interior também falta policiamento, Mas não há melhor solução à vista.
Uma unidade como o 9º Batalhão, que responde pelo policiamento em 14 bairros, onde vivem quase 300 mil pessoas, tem 300 homens para um serviço que é exigido 24 horas por dia.
Há dez anos o 9º Batalhão tinha mais de mil soldados.
A falta de policiais não é privilégio do Bom Fim ou da região atendida pelo 9º BPM.
Estima-se que o contingente da Brigada Militar está desfalcado em cinco mil homens.
Depois de quatro anos, a Brigada Militar, que responde pelo policiamento ostensivo em todo o Rio Grande do Sul, está fazendo um concurso para admitir mais dois mil soldados, menos da metade do que precisa para completar seu efetivo.
Inscreveram-se vinte mil candidatos, 17.400 compareceram, porém apenas 2.500 foram aprovados nas provas de conhecimentos.
Desses, mais de 400 caíram no exame físico, ainda falta o psicotécnico e outros.
Provavelmente restarão pouco mais de mil, que serão incorporados em janeiro de 2015. Quando forem para as ruas, depois de oito meses de treinamento, já não preencherão sequer as vagas dos que se aposentaram ou se afastaram naquele ano.
POLÍCIA CIVIL
Três investigadores para dez bairros
A Décima Delegacia, um prediozinho de tijolo aparente na tranquila rua Jacinto Gomes, é para convergem todas as ocorrências de dez bairros, que abrigam mais de 200 mil moradores.
Há dez anos, a Décima tinha 34 funcionários, hoje tem 14, dos quais somente três são investigadores.
Nos três cartórios que ali funcionam, atendidos por seis funcionários, tramitam dez mil processos. As salas são cubículos, com móveis velhos, cadeiras quebradas. Há carência de gente, de equipamentos, de espaço.
“Esse prédio é uma vergonha. Isso aqui seria uma bela casa para um casal de idosos, mas uma delegacia…”, diz o titular da Décima, delegado Abílio Pereira, que já anunciou sua aposentadoria no fim do ano, depois de 36 anos na polícia.
O delegado considera que a situação da segurança está “fora de controle”. “Nessa região aqui tem uma legião de delinquentes, de todo o tipo, de todo o lado, aplicando golpes, roubando, agredindo.”
O delegado acha que, além da precariedade do aparato de segurança, há uma causa fundamental no aumento da delinquência: a impunidade. “Essa é a lenha da fogueira”, diz.
Muitos já nem procuram a polícia
O comissário Gerson está de pé atrás da mesa. Tem um ar cansado, mas é gentil. “Me diga um lugar onde a violência não está aumentando que eu vou pra lá”, brinca ele.
O comissário Gerson tem 53 anos, entrou aos 16 para polícia. Já trabalhou em todas as delegacias de Porto Alegre. Cristal e Glória foram as últimas, antes da Décima. “Não dá pra comparar: aqui é mais tranquilo”.
Ele diz que um foco de tensão se localiza na Vila Planetário, que resultou da regularização de uma antiga invasão. “Mas é pequeno, sob controle”.
O comissário diz que viveu duas polícias: uma até 1988, autoritária, arbitrária muitas vezes; outra depois da nova Constituição, mais limitada. Tem dúvidas se houve melhoras.
Hoje, ele deixou as ruas e como burocrata percebe que a violência se banalizou: o serviço interno diminuiu porque as pessoas, sabendo que a polícia não vai conseguir fazer nada, já não se dão ao trabalho de registrar as pequenas ocorrências.