Fronteiras do multiculturalismo

Alexandre Haubrich
Pontualmente às sete e meia da noite de 30 de junho, Ayaan Hirsi Ali, aquela mulher negra, de traços fortes subiu ao palco da Reitoria da UFRGS. Vestida com um terninho bege que delineava sua silhueta elegante ela abriu o quinto encontro do Fronteiras do Pensamento Copesul Braskem.
Nascida na Somália, viveu no Quênia, Arábia Saudita e Holanda, onde foi ativista política dos direitos humanos das mulheres e se elegeu deputada. Hoje mora nos Estados Unidos sob forte esquema de segurança, depois de ser ameaçada pelos assassinos do cineasta holandês Theo Van Gogh, com quem realizou o documentário “Submissão – parte 1”, no qual denunciavam a exploração feminina por fiéis islâmicos.
O tema foi abordado pela primeira vez em seu livro “Infiel” (Companhia das Letras, R$ 51,50), que conta sua experiência de vida em um continente onde o machismo assume traços cruéis – inclusive da mutilação genital.
Sua participação no Fronteiras do Pensamento não fugiu do assunto. Na tribuna, Ayaan narrou a história de Nasra, uma garota somali que ela conheceu quando trabalhava como intérprete na Holanda.
A narração da chegada de Nasra, seus sete irmãos e seu pai à Holanda transpareceu o mesmo deslumbramento com o Velho Continente quer fica latente em “Infiel”. “O aeroporto holandês era como uma cidade. A coisa mais surpreendente foi a mudança na população. Antes, todos eram negros, agora eram brancos”, relatou.
Ayaan lembrou a preocupação do pai de Nasra, de que aquela, era uma terra de infiéis o que significava dificuldades de manter a cultura africana. A previsão do muçulmano se confirma e, assim como aconteceu com Ayaan, a garota perde sua identidade, envolvida pelo efeito fantástico do consumo e do glamour europeu.
Ayaan criticou aqueles que condenam seu abandono da cultura milenar africana, e sua defesa da sociedade européia. “Nem as tradições nem as culturas merecem respeito. Apenas o que vai de encontro ao bem-estar do ser humano. Se as culturas entram em conflito com o bem-estar individual, este deve prevalecer”, acredita.
Renato Mezan contra a política do multiculturalismo
Maior especialista brasileiro na obra de Freud, o psicanalista Renato Mezan abriu mão do seu tema tradicional para seguir a linha da palestra que o antecedeu, trazendo novamente pontos discutidos por Ayaan Hirsi Ali, especialmente a identidade cultural.
O psicanalista disse que a imposição do multiculturalismo causada pela expansão do Islã e a chegada de muitos muçulmanos ao Ocidente assemelha-se ao que ocorreu com os judeus no século XIX. “A assimilação de uma nova cultura pode trazer dificuldades, inclusive psicológicas, para todos os lados envolvidos”, alertou.
Mezan contou que, já no século XIX, a Europa começava a disseminar sua cultura nos países colonizados, o que, segundo ele, levou às guerras de independência, mas também à modernização.
“Hoje, os judeus já assimilaram a cultura ocidental. Esse deve ser o caminho para os muçulmanos”, avalia.
Aliás, o ponto em que o palestrante mais se deteve foi exatamente a assimilação da cultura local pelos imigrantes, usando como exemplo a história narrada pela somali Ayaan.
“Quem deve cuidar para que as tradições somalis sejam mantidas é a família, não o Estado holandês. Se está na Holanda, tem que se integrar, viver como holandês”, defende.
O psicanalista ainda comparou a situação com a colonização alemã e italiana no Rio Grande do Sul, onde, segundo ele, os imigrantes conseguiram manter algumas de suas tradições, transformadas posteriormente em folclore, sem depender do Estado. “O Estado não pode colocar-se na tarefa de proliferar as minorias culturais”, concluiu