Caso JÁ : Uma reportagem, duas sentenças

Uma reportagem, duas sentenças

A reportagem sobre Lindomar Rigotto foi publicada na edição 287 do JÁ, de maio de 2001.
Duas ações foram movidas por Julieta Vargas Rigotto, mãe e herdeira de Lindomar .
1) Com base no Código Penal, pedia a condenação do autor da reportagem, jornalista Elmar Bones, pelo crime de calúnia e difamação.
2) Com base na Lei de Imprensa, reivindicava pena indenizatória, contra a empresa editora do jornal, por “dano moral”.
As duas ações foram ajuizadas em agosto de 2001.
Em 30 de julho de 2002, o juiz julgou improcedente a Ação Cível, por decadência de prazo. (Entrara depois dos 90 dias estabelecidos na Lei de Imprensa).
A Ação Penal, contra o autor da reportagem teve manifestação do Ministério Público em 29 de novembro de 2002, em parecer assinado pelo promotor Ubaldo Alexandre Licks Flores:
“Do exposto chega-se à conclusão segura de que os assuntos foram abordados com evidente “animus narrandi”, sem qualquer intenção de ofensa à honra do falecido Lindomar Rigotto. Por outro lado é indiscutível que os três temas estavam – e ainda estão – impregnados de interesse público. Nestas condições, considerando que o querelado se limitou a narrar, informar e comentar fatos revestidos de notório interesse público, não descendo às raias do insulto e da ofensa à honra do falecido Lindomar Rigotto, nem extrapolando os limites da liberdade de manifestação do pensamento e de informação (…) a solução absolutória é medida que se impõe como justa e adequada”.
Em 17 de dezembro de 2002, a Juiza Isabel de Borba Lucas, da 9ª. Vara Criminal, deu a sua sentença:
“Efetivamente analisando-se os três tópicos da reportagem conclui-se pela inexistencia de dolo no agir do querelado. Em nenhum momento o querelado tem por intenção ofender o falecido Lindomar Rigotto, filho da querelante, justamente porque reproduz passagens destes documentos e depoimentos.(…) A meu sentir, não se afastou da linha narrativa e teve por finalidade o interesse público, não agindo com o dolo, a intenção de ofender a honra do falecido Lindomar Vargas Rigotto. Em sendo assim, seu agir não configurou qualquer das figuras tipificadas nos arts. 20, 21 ou 22 de Lei de Imprensa. (…) Em face do exposto julgo improcedentes as acusações contidas na inicial e absolvo o querelado Elmar Bones, com base no art. 386, III, do CPP”.
Em 27 de agosto de 2003 o Tribunal de Justiça do Estado nega provimento ao recurso dos advogados de Julieta Rigotto, que pretendiam reformar a sentença de primeira instância, que absolvia o jornalista:
“Impossível retirar da inicial os elementos constitutivos da imputação contra a honra alegada pela querelante, como a imputação de fato determinado e ofensivo a sua reputação que não fosse de conhecimento e interesse público…”, diz o relator, desembargador Aramis Nassif.
O processo criminal, portanto, se encerra aí.
O outro processo, na Câmara Cível, toma outro rumo, coincidentemente, depois que Germano Rigotto toma posse como governador do Estado (eleito em outubro de 2002).
O Tribunal de Justiça acolhe um recurso, e derruba a decadência do prazo, alegando que a Constituição não acolhe esse prazo, estabelecido na Lei da Imprensa.
Julga o mérito e, em 18 de dezembro de 2003, a Câmara Cível do Tribunal de Justiça condena a empresa Já Porto Alegre Editores.
Vale a pena reproduzir alguns trechos do relatório do desembargador Luiz Ary Vessini de Lima, acolhido por unanimidade:
“Não há como se afastar a responsabilidade da ré pelas matérias veiculadas, que atingiram negativamente a memória do falecido, o que certamente causou tristeza, angústia e sofrimento à mãe do mesmo(….).”
“(…) Tem-se dito que a imprensa é inteiramente livre para informar os acontecimentos e emitir opiniões sobre todos os assuntos de interesse geral. No entanto, há que fazê-lo dentro dos limites constitucionais, de modo a preservar os direitos individuais, os quais só serão atingidos quando a notícia ou comentário extrapolar o contexto em que se inseriu, criando uma realidade artificial e atingindo determinada pessoa ou grupo de pessoas”.
“Aqui temos um empresário da noite, como costumam dizer, vítima de um dos tantos assaltos que somos obrigados a presenciar diariamente, morto quando, imprudentemente, saíra em perseguição dos assaltantes, fazendo as funções da segurança estatal”.
“Desse ato – não recomendável, mas heróico – fez-se ligação com outros dois que supostamente envolviam essa pessoa, quais sejam, uma CPI sobre a CEEE e a morte de uma bailarina, que ocorrera em seu apartamento”.
“Nenhuma circunstância do primeiro fato, porém, autorizava a relação com os outros dois episódios, exceto o interesse sensacionalista, que, como se sabe, muitas vezes, confunde-se com o lucro (…)”.
“O certo é que, naquele momento, o falecido fora vítima de um assalto, em que morrera tragicamente. Não tinha o órgão de comunicação o direito de macular a sua imagem e ofender os seus familiares e amigos, fazendo especulações sem nenhuma relação – esse o ponto fundamental – com o ocorrido”.
“Vingança? Queima de arquivo? Mas como se fazer essa cogitação, nas circunstâncias em que ocorreu a sua morte?”.
“(…) Ao misturar irresponsavelmente esses fatos, a imprensa criou uma imagem negativa do morto, que ainda não correspondia à realidade. Eis a sua transgressão. Afinal, inexiste ser humano tão honrado que seja intangível, nem tão desonrado que não possua qualquer dignidade a ser defendida”.
“(…) Estabelecida a responsabilidade da apelada, quem poderia negar os danos morais sofridos pela autora, ao ter que suportar, além da morte do filho, a onda de difamações contra sua imagem. Trata-se de lesão íntima que independe de qualquer demonstração, pois a teria sofrido qualquer homem médio (…)”.
O valor da indenização foi fixado em R$ 17 mil reais.
Em agosto de 2005, o juiz Giovanni Conti, autoriza a penhora de bens da empresa, para pagar a indenização. A empresa oferece seu acervo de livros, cerca de 15 mil exemplares, que não é aceito.
Nesses circunstâncias, depois de várias tentativas e vários recursos, é autorizado o bloqueio de 20% das receitas brutas da empresa para garantir o pagamento da indenização.
No dia 3 de agosto de 2009, um perito nomeado pelo juiz passa a controlar as contas da empresa (notas emitidas, extratos bancários, controle de estoques) para garantir o pagamento da indenização, que hoje está em R$ 54.275, 89.
No início de 2010, sob o argumento de que as receitas da empresa eram muito pequenas, o juiz suspendeu o trabalho do perito. Agora, um ano depois da primeira intervenção, autoriza bloqueio on line das contas pessoais dos sócios.

Leia o texto que deu origem ao processo

Reportagem publicada no Jornal Já, edição 287, de maio de 2001.
A reportagem do jornal JÁ sobre os eventos que culminaram com o assassinato de Lindomar Rigotto, foi publicada em maio de 2001. A matéria, premiada pela Associação Riograndense de Imprensa naquele ano, deu origem a duas ações movidas pela viúva Julieta Vagas Rigotto, mãe de Lindomar.  Leia a íntegra do texto.

Uma tragédia em três atos
Elmar Bones*
O empresário Lindomar Rigotto foi morto com um tiro às nove horas da manhã de 17 de fevereiro de 1999, quando perseguia quatro homens que assaltaram a boate Ibiza, de sua propriedade, em Atlântida, no litoral gaúcho.
A notícia no “horário nobre” da televisão soou como mais um exemplo na escalada da criminalidade no país. Mas era muito mais do que isso.
Por trás da manchete apressada desenrolava-se uma história com todos os ingredientes para um thriller policial de sucesso: dinheiro, drogas, corrupção…
Lindomar Vargas Rigotto, conhecido por Têti, administrador de empresas, tinha 47 anos. Vivia num apartamento de 240 metros quadrados na rua Lauro de Oliveira, na Bela Vista, bairro elegante da capital gaúcha.
Era visto na noite ao volante de uma Mercedes branca ou de uma Blazer preta. Estava com seus bens indisponíveis por causa de um processo sobre o desvio de verbas públicas em andamento na Justiça.
Dois meses antes de sua morte, fora indiciado pela morte de Amanda, uma garota de programa, de 24 anos. O inquérito, hoje na Justiça aponta-o por homicídio culposo e omissão de socorro.
No relatório encaminhado ao juiz , o delegado Cláudio Barbedo considerou relevante mencionar o depoimento de uma testemunha que disse que “Têti era conhecido na noite como usuário e traficante de cocaína”.
Amanda caiu do apartamento que Têti Rigotto mantinha para encontros amorosos no 14º. andar de um edifício da rua Duque de Caxias, no centro de Porto Alegre. Ele tinha hábitos nada convencionais, segundo o zelador e os porteiros do condomínio.
Costumava chegar sozinho, em seguida chegavam mulheres procurando-o. Houve um período em que duas mulheres, uma loira e uma morena sem a metade do braço esquerdo moraram no apartamento por algum tempo.
No relatório que encaminhou à Justiça, incriminando-o pela morte de Andréa, o delegado Cláudio Barbedo anotou que Têti depôs “sorrindo, senhor de si, falando como se estivesse proferindo uma conferência”.
Os repórteres que o viram chegar para depor no dia 12 de novembro disseram que ele parecia “um personagem de Scorcese”: óculos escuros, terno azul marinho, calça com bainha italiana, camisa azul, gravata colorida e gel nos cabelos compridos.
Desceu de sua Blazer preta, falou ao celular e subiu rapidamente as escadarias da delegacia, ignorando as câmeras de tevê e policiais que se aglomervam na ante-sala do gabinete do delegado.
Só não conseguiu evitar Ana Catarina, a mãe de Amanda, a garota de programa, que na verdade se chamava Andréa Viviane Catarina.
Plantada no estreito corredor que leva ao gabinete do delegado, a mulher precocemente envelhecida interrompeu a passagem de Lindomar, ergueu uma foto da neta e gritou:
-“Eu quero saber porque mataste a minha filha, porque deixaste órfão este anjinho. Eu não vou descansar enquanto não pagares pelo teu crime”.
No mesmo dia, mas em momento diferente, a polícia ouviu também o depoimento de Marilda, de 37 anos, solteira e ex-“dançarina de boite”, também implicada na morte de Amanda.
Marilda havia sido namorada de Têti e morou no apartamento dele por seis meses. Ainda tinha as chaves e sempre que ia ao prédio utilizava o box dele na garagem para estacionar seu Corsa branco.
Ato 1. Um golpe de mestre
O nome de Lindomar Rigotto apareceu nos jornais pela primeira vez em março de 1987, quando assumiu o cargo de “assistente da direção financeira” da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), a maior estatal gaúcha.
Foi indicado para o cargo por seu irmão Germano Rigotto, à época, líder do governo Pedro Simon na Assembléia Estadual. “Houve resistência ao seu nome, mas o irmão exigiu”, lembra um ex-assessor do então secretário de Minas e Energia, Alcides Saldanha.
Foi Saldanha quem assinou a nomeação de Lindomar. Alguns deputados da oposição questionaram em plenário o “tráfico de influência política” na estatal e o caso ganhou nota nos jornais. Não passou disso.
Fortalecido, Lindomar foi direto ao que lhe interessava e tornou-se o “verdadeiro gerente” das negociações que culminaram com a assinatura de dois contratos para a construção de onze subestações de transmissão de energia elétrica no Estado.
Os contratos que depois se tornariam famosos com os números 1.000 e 1001, vinham sendo protelados por conta de “deficiências e dificuldades”. Nas mãos de Lindomar, em poucos dias os entraves foram removidos e as negociações concluídas com dois consórcios – Sulino e Unesul, formados por onze empresas.
Mais: logo após a assinatura dos contratos, foram antecipados pagamentos, contrariando as normas explícitas baixadas pelo próprio governador em função da situação pré-falimentar da CEEE.
Foi tão rápido que o próprio presidente da companhia, Oswaldo Baumgarten, disse depois que não tomou conhecimento da assinatura dos dois contratos, nem da liberação dos recursos. “Fui traído”, declarou ele à CPI formada posteriormente para investigar as denúncias de fraude.
Logo depois de assinados os contratos, uma sindicância interna recolheu “indícios de irregularidade” nos contratos. Lindomar e outros seis funcionários da CEEE foram afastados.
Mas o caso só foi merecer atenção no governo seguinte (de Alceu Collares, do PDT), quando a economista Dilma Rousseff assumiu a secretaria de Minas e Energia e pediu uma auditoria nos dois contratos.
O trabalho foi feito pela Contadoria e Auditoria Geral do Estado (Cage), depois de longas e atribuladas avaliações. Comprovou as irregularidades já apontadas na sindicância interna e concluiu que a companhia estatal fora lesada em pelo menos R$ 65,9 milhões nos dois contratos.
O PMDB já havia retornado ao governo estadual, com Antonio Britto, quando a oposição conseguiu as assinaturas necessárias para instalar uma CPI sobre o caso, no dia 13 de maio de 1995..
A esta altura, Lindomar Rigotto associado ao irmão, Julius, tornara-se dono das casas noturnas mais badaladas do Sul do País, os Ibiza Club.
A CPI concluiu seu trabalho um ano e meio depois. Apurou a responsabilidade de 13 pessoas, com Lindomar na cabeça. “De tudo o que se apurou, tem-se como comprovada a prática de corrupção passiva e enriquecimento ilícito de Lindomar Rigotto”, diz o relatório da CPI.
Em sua conta bancária, cujo sigilo foi quebrado, foram encontrados créditos de R$ 1 milhão e 170 mil, de fonte não esclarecida. Durante o período em que participava do julgamento da licitação ele comprou e pagou praticamente à vista o apartamento de 240 metros quadrados em que morava no bairro Bela Vista, em Porto Alegre.
Numa decisão “inédita no Brasil”, o relatório assinado pelo deputado petista Pepe Vargas, (primo de Rigotto e depois prefeito de Caxias do Sul) incriminava como “agentes corruptores no processo” as onze empresas*, que formavam os dois consórcios. “Agiram em conluio para lesar os cofres públicos”, diz o relatório.
Na CPI, o diretor financeiro da CEEE, Silvino Marcon, revelou as implicações políticas do caso. Declarou que os 156 mil reais encontrados em sua conta bancária, sem origem esclarecida eram “sobras da campanha de 1986” (na qual se elegeu Pedro Simon).
Afirmou que a colocação de Lindomar Rigotto na posição de assistente da diretoria financeira foi “uma determinação de Alcides Saldanha”, então secretário de Minas e Energia do Estado. Em seu depoimento, Saldanha admitiu que fez a indicação “atendendo pleito político de sua base partidária em Caxias do Sul”.
O presidente da CEEE, Oswaldo Baumgarten, disse que foi traído pelo diretor financeiro, Silvino Marcon, que não o informou sobre os dois contratos. A providência que tomou foi consultar o secretário de Minas e Energia sobre a possibilidade de substituir Marcon. Não obteve resposta.
Três meses depois, em 18 de dezembro de 1987, os contratos foram ratificados em solenidade no Palácio Piratini, com a presença de Saldanha e do governador Pedro Simon.
Além da adulteração de documentos, numa das licitações “não havia sequer determinação do local da obra, sequer o terreno havia sido escolhido, nem o projeto da obra existia”.
Num trecho, o documento que aprovou a licitação é exemplar: “O preço total foi obtido multiplicando-se os preços unitários pelas quantidades estimadas pela CEEE, a fim de haver nivelamento uniforme, uma vez que ainda não existe o projeto definitivo das subestações”.
A CPI constatou que as propostas dos dois consórcios foram elaboradas “em combinação e, talvez, até ao mesmo tempo e pelas mesmas pessoas”.
Embora tenha produzido mais de 300 quilos de papel , a CPI não conseguiu avaliar o valor exato dos prejuízos causados à CEEE nos dois contratos, por superfaturamento (preços acima do mercado) e cálculo fraudulento da correção monetária.
Até dezembro de 1994, quando foram suspensos os contratos e os pagamentos, a CEEE já tinha desembolsado R$ 141 milhões, sendo pelo menos R$ 42,3 milhões pagos indevidamente – R$ 25,6 milhões por conta de superfaturamento e R$ 16,7 milhões pela correção monetária indevida.
Além dos valores estabelecidos em contrato, a CEEE pagou aos dois consórcios cerca de R$ 20 milhões a mais em componentes que não foram incluídos na licitação.
A CPI considerou “descabida influência de empresários interessados nas obras realizadas”. Stefan Guarani, representante comercial da Lorenzetti, uma das empresas, disse em seu depoimento que “circulava livremente nas dependências da CEEE e lá realizava tratativas destinadas a favorecer a realização de negócios com a estatal”.
Declarou também que patrocinava festas e distribuía brindes a empregados da estatal.
Lindomar Rigotto, embora apontado por todos os envolvidos como o “verdadeiro gerente das negociações com os dois consórcios, tentou responsabilizar o estudante Evandro Grigol, estagiário da CEEE, “hipótese considerada absurda por todos os outros depoentes”, segundo o relatório.
Por fim limitou-se a dizer que não havia qualquer registro escrito de sua participação nos contratos.
Segundo apurou a CPI, a CEEE teve que recorrer a um empréstimo intermediado pelo Banco do Brasil para pagar os contratos.
Silvino Marcon informou que os contatos com o Banco do Brasil para viabilizar um empréstimo de 50 milhões de dólares à CEEE, começaram em junho de 1987.
A operação se realizou em março de 1988, com dinheiro repassado pela agência do BB em Nassau (Bahamas), o que significa que o dinheiro foi captado no exterior.
O relatório da CPI foi aprovado pelo plenário da Assembléia do Estado e encaminhado ao Ministério Público no final de 1996.
O processo que investiga a fraude nos contratos da CEEE está na 2ª. Vara da Fazenda Pública, com o número 01196058232. Os autos somam 32 volumes* e envolvem 41 réus, 12 empresas e 29 pessoas físicas. Segundo a promotoria de Justiça e Defesa do Patrimônio Público, o processo corre em segredo de Justiça.
*No dinal de 2009, já eram 110 volumes e o processo continua em 1a. instância.
Ato 2. Um beijo na pedra fria
O sol ainda aquecia a fachada do Solar Meridien, quando o corpo de uma mulher nua caiu do 14º. andar, no fim de uma terça-feira, dia 29 de setembro de 1998.
Antônio da Luz, de 31 anos, porteiro do Colégio Paula Soares, estava no portão da escola, de onde se vê todo o Meridien. Ouviu um grito estridente de mulher, olhou na direção e viu um corpo despencando pela lateral do prédio. Ele lembra que “passava um pouquinho das seis e meia da tarde”.
O investigador Lopes, da primeira delegacia, chegou ao local meia hora depois. O corpo estava estendido no pátio interno do prédio e junto dele o policial encontrou uma pulseira prateada, um anel com pedras brancas, uma aliança com pedras azuis e roxas, um brinco de argola, um relógio Quartz Supertec com a pulseira marron partida.
Formado por três blocos de 14 andares cada um, o Solar Meridien tem entrada principal no número 995 da rua Duque de Caxias, no centro de Porto Alegre, a 200 metros do palácio do governo gaúcho.
Foi Jorge, o porteiro, quem ouviu uma voz feminina avisar pelo interfone que “uma mulher caiu do prédio”.
Quando saiu para ver, encontrou o proprietário do apartamento 1402, Lindomar Rigotto e sua amiga Marilda de Souza Zeferino que saiam do elevador, conversando em voz baixa.
O corpo foi removido por volta das 22 horas. O síndico, dr. Benites, e os porteiros dos três prédios ficaram reunidos para tentar entender o que acontecera.
Só no dia seguinte a polícia ficou sabendo a identidade da vítima. Um advogado compareceu à delegacia e disse que a moça havia cometido suicídio, saltando da janela do apartamento 1.402, de propriedade de seu cliente, Lindomar Vargas Rigotto, que se apresentaria quando necessário para prestar esclarecimentos.
Entregou as roupas, alguns objetos e os documentos de Andréa Viviane Catarina, de 24 anos, conhecida como Amanda, entre as garotas de programa que freqüentam os prostíbulos chiques da cidade, na avenida Farrapos.
Ela foi vista na noite anterior por sua colega Jasmine (Rose da Silva Teixeira), saindo sozinha do Gruta Azul por volta das três horas da madrugada. “Disse que estava indo para casa”, declarou Jasmine.
Na casa de Andréa, em Viamão, a polícia encontrou Jéssica sua filha de sete anos, e Rosângela, uma vizinha que cuidava da menina enquanto a mãe trabalhava à noite. “Desde ontem ela não aparece”, informou Rosângela. Disse também que Andréa costumava trabalhar na boate Caleche, em Canoas.
Na Caleche, o gerente disse que a viu chegar pouco depois das três e sair meia hora depois com o empresário Lindomar Vargas Rigotto, o Têti. Freqüentador de casas noturnas da avenida Farrapos, em Porto Alegre, era a primeira vez que Têti ia à Caleche, em Canoas.
Andréa, ao contrário, freqüentava a casa há mais de ano. Nessa mesma tarde em que a polícia fazia investigações, um informante anônimo telefonou ao Departamento de Inteligência da Polícia Civil para dizer que Andréa tinha sido jogada pelo empresário, “dono das boates Ibiza Club”.
As investigações constataram muitas falhas na versão dos fatos apresentada por Rigotto e Marilda Zeferino de Souza, sua ex-namorada. “Eles combinaram o depoimento, era um xerox um do outro”, disse o delegado.
Disseram que Andréa havia bebido whisky e cheirado cocaína. Os exames de laboratório não detectaram qualquer sinal de álcool ou drogas no sangue de Andréa.
O laudo da necropsia diz que a vítima apresentava pelo menos três lesões – duas nas costas e uma no rosto – que não tinham relação com a queda. Ela foi ferida antes de cair, o que indicava que houve luta no apartamento.
Sinais de luta também foram encontrados na cama e nas paredes do apartamento. Na parede externa, havia marca de pés descalços. Um teste feito pelo Instituto de Criminalística indicou que o corpo de Andréa recebeu um impulso no início da queda.
Outro detalhe: Lindomar e Marilda disseram que Andréa jogou os anéis pela janela, mas eles foram encontrados junto ao corpo, no pátio do prédio.
As investigações foram prejudicadas porque a primeira perícia no local foi incompleta e uma segunda perícia, que poderia esclarecer muita coisa, encontrou tudo limpo e arrumado. A única coisa destoante encontrada foi uma “ponta” de maconha, esquecida na gaveta da cômoda.
Ato 3. Um tiro certeiro no olho
Cinco homens chegaram num Monza dourado. Estacionaram a cem metros da boate Ibiza, a mais badalada do litoral gaúcho, na avenida Central, em Atlântida.
Um dos homens ficou para fazer a “segunda”, isto é a troca de carro durante a fuga. Os outros se dirigiram à boate.
Na porta alegaram que haviam esquecido os documentos, ao saírem do baile. Não foi difícil entrar, os porteiros e vigilantes já tinham sido dispensados.
Dentro da boate 14 pessoas ainda trabalhavam, apagando os últimos vestígios do carnaval que terminou às sete horas daquela Quarta Feira de Cinzas.
Com uma pistola os homens rendem os funcionários e mandam chamar o chefe.
A secretária Helena liga para sala onde Lindomar Rigotto, o Têti, está com o gerente, fechando o balanço da noite. A Ibiza teve cerca de mil pessoas em seu último baile do carnaval de 1999.
A consumação mínima era 20 reais. Mas o gerente disse à polícia que os ladrões levaram entre 10 e 20 mil reais. Não é o único ponto controverso que emerge dos depoimentos tomados no inquérito policial, que descreve assim os fatos:
Com o dinheiro numa sacola, os assaltantes tomaram o Corsa verde de um dos garçons, que estava na frente da boate.
Atrás sai um Gol branco, cantando os pneus, com os faróis ligados. Ao volante, Têti com os longos cabelos soltos, buzina e grita: “Ladrão! Ladrão! Pega, Ladrão!”.
Pouco atrás dele vem uma Parati, com o gerente da Ibiza, que também buzina e tenta chamar atenção para os assaltantes em fuga.
Os fugitivos buscam alcançar a Estrada do Mar, rumo a Porto Alegre. Entram na avenida Paraguassu. O piso irregular da avenida, cheia de “bacias” provocadas pela chuva, os obriga a reduzir a velocidade.
Têti chega a dez metros do carro dos assaltantes. Numa das “bacias” da pista irregular quase bate no Corsa dos fugitivos. Um deles mete a cabeça para fora e atira. O gol de Têti se desgoverna. Sobe o canteiro de grama que divide as pistas da avenida e vai parar junto a uma casuarina, já na praia de Xangrilá, a três quilômetros de onde o assalto começou.
O gerente do Ibiza diz que tentou continuar atrás dos assaltantes, mas foi rechaçado a tiros. Uma bala ricocheteou no capô e bateu no parabrisa na altura do motorista, mas não teve força para atravessar o vidro.
O gerente, então, desistiu. Têti, caído sobre o banco estava ferido com um tiro pouco acima do olho. Ainda estava vivo quando a primeira testemunha chegou. Morreu a caminho do hospital.
Na primeira barreira da Policia Rodoviária, três assaltantes foram presos. Eram eles: Clóvis Pimentel de Almeida, Caito Maxiloni Lampert e Wanderlei Rosa.
O quarto assaltante, Antonio Carlos Gross, foi detido em casa dez dias depois. Ele havia ficado do lado de fora da boate, na “espera”.
Outro que não estava no carro e só foi preso no dia 9 de abril era Paulo Ezequiel de Oliveira, de 19 anos, que nega participação no assalto. Foi ele que desceu do Corsa para entrar no Monza que seria usado na troca de carros durante a fuga.
Com a prisão de Ezequiel, o delegado Heraldo Guerreiro deu por encerrado o inquérito sobre a morte do empresário Lindomar Vargas Rigotto, o Têti.
A única coisa que, segundo ele, não pode ser esclarecida foi a quantia de dinheiro levada no assalto. O que aconteceu com o dinheiro não foi descoberto.
“Ele morreu por imprudência”
Uma semana antes da morte do empresário, um informante dissera a polícia que Têti Rigotto havia contratado dois pistoleiros para matar Ricardo Gutheil, o seu gerente no Ibiza Club, em Atlântida.
O próprio delegado Heraldo Guerreiro investigou o fato, ouvindo o Têti e o gerente, que disse não acreditar na história porque tinha as melhores relações com o patrão.
O delegado acabou acreditando na hipótese levantada pelo próprio Têti, que atribuía a denúncia a um ex-sócio que se tornara seu inimigo e há tempos procurava prejudicá-lo. Já tinha inclusive encaminhado documentos à Receita Federal pretendendo incriminá-lo por sonegação de Imposto de Renda.
No inquérito que já encaminhou à Justiça, o delegado Guerreiro sequer menciona a hipótese de “queima de arquivo”, ligada à morte da garota de programa Andréia Viviane Catarina, a Amanda, pela qual Têti fora indiciado. “Foi assalto comum, ele morreu por imprudência, por sair desarmado atrás de ladrões”, diz o delegado.
Três homens cumprem sentença
Os cinco implicados no assassinato do empresário Lindomar Rigotto, ocorrido no assalto à boate Ibiza, em Atlântida, no dia 17 de fevereiro de 1999, foram julgados em novembro do ano passado (Ano 2000).
Três foram condenados a 19 anos de prisão: Wanderlei da Rosa, Caito Maxiloni Lampert e Clóvis Pimentel de Almeida, que segundo a polícia foi o autor do disparo que matou Rigotto.
Wanderlei está no presídio Central em Porto Alegre e tem um pedido de remissão de pena em exame na Comissão Técnica de Classificação. Caíto e Pimentel cumprem pena no Hospital Penitenciário, vinculado ao Presídio Central.
Também foram julgados pela morte do empresário os assaltantes Antonio Carlos Gross e Paulo Ezequiel de Oliveira. Os dois chegaram a ser recolhidos ao presídio Central, durante as investigações do crime, mas foram absolvidos.
*Participaram desta reportagem: Olides Canton, Paulo Santafé, Cleber Dioni e Adriana Lampert.

JUIZ AUTORIZA BLOQUEIO ON-LINE NAS CONTAS DOS SÓCIOS DO JÁ

O juiz Roberto Carvalho Fraga, da 15a.Vara Civel de Porto Alegre, autorizou bloqueio on line das contas bancárias dos jornalistas Elmar Bones e Kenny Braga, sócios da Já Porto Alegre Editores, que edita o jornal JÁ.
O objetivo da medida é garantir indenização à familia do ex-governador, hoje candidato ao Senado, Germano Rigotto. A Já Editores foi condenada numa ação por dano moral , por causa de reportagem publicada pelo JÁ em 2001.
A indenização, inicialmente estipulada em R$ 17 mil reais, hoje está na casa dos R$ 100 mil.
A reportagem, alvo do processo, envolveu quatro repórteres e o editor Elmar Bones e tem como personagem Lindomar Rigotto, irmão do ex-governador.
Foi premiada pela Associação Riograndense de Imprensa.
Lindomar, assassinado em Capão da Canoa há dez anos, era apontado como o operador de um esquema que fraudou duas licitações da Companhia Estadual de Energia Elétrica, em 1987.
O prejuízo causado à estatal, apurado numa Ação Civil Pública, chega aos R$ 800 milhões em valores atualizados.
O processo que apura as responsabilidades na fraude envolve 11 empresas e 22 pessoas físicas, além de Lindomar Rigotto. Tem 110 volumes, vai completar 15 anos em fevereiro de 2011. Ainda está em primeira instância e protegido pelo segredo de justiça.

Fenaj e Sindicato prestam solidariedade ao Jornal Já

Os presidentes da Federação Nacional dos Jornalistas e do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul, Sérgio Murillo de Andrade e José Maria Rodrigues Nunes, respectivamente prestaram solidariedade ao jornalista Elmar Bones, diretor do Jornal Já. O veículo que pertence à empresa Já Porto Alegre Editores teve suas contas bloqueadas por decisão da justiça, para garantir o pagamento de uma indenização por dano moral a Julieta Diniz Vargas Rigotto, mãe do ex-governador Germano Rigotto.
Para os dirigentes das duas entidades que representam a categoria profissional, a decisão é equivocada, uma vez que a matéria apontada como causadora do dano moral, que tratava da morte de Lindomar Rigotto, foi embasada em fatos e documentos, sendo inclusive destaque no Prêmio Ari de Jornalismo. Por entender que esse desencaixe mensal acaba por inviabilizando o trabalho desta empresa e também do profissional, a Fenaj e o Sindicato apelam para que o Tribunal de Justiça reforme a antiga decisão.
Num momento em que lutamos pela é tica e responsabilidade na área de comunicação, em especial no jornalismo acreditamos na justiça e em especial prezamos os valores da ética e da liberdade de imprensa.
Sérgio Murillo de Andrade
Presidente da Federação Nacional dos Jornalistas
José Maria Rodrigues Nunes
Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Rio Grande do Sul

Fraude que motivou a reportagem segue em segredo de Justiça

Uma das principais razões da reportagem do jornal JÁ sobre Lindomar Vargas Rigotto foi a sua participação nos episódios que resultaram num rumoroso processo de desvio de dinheiro público, em contratos lesivos à Companhia Estadual de Energia Elétrica.
A “CPI da CEEE”, já merecera, dois anos antes, uma reportagem de quatro páginas do jornal. Lindomar era o primeiro de uma lista de 34 acusados, entre onze empresas e 23 pessoas físicas.
A CPI rendeu uma Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público em fevereiro de 1996. Em quase 14 anos ela se desdobrou em 30 volumes e 80 anexos, mas praticamente não saiu do lugar, ainda tramita em primeira instância, protegida pelo segredo de justiça.
O valor do desvio de recursos públicos, estimado na inicial da ação, era de R$ 78,9 milhões.
Corrigidos para valores de hoje, o total supera os R$ 840 milhões, mais de dez vezes os R$ 55 milhões, arrolados na denúncia do mensalão, mais que o dobro dos desvios atribuídos à família Maluf e quase vinte vezes a fraude do Detran.
Réus arrolados no caso CEEE (processo 10502694894):
Empresas:
ABB Ltda
Alston Elec S. A.
Bojunga Dias S.A.
Camargo Correa
Brown Boveri S.A.
Coemsa S.A.
Construtora Sultepa
Empresa Construtora Ernesto Woebcke
Insat – Industria de Sistemas de Alta Tensão S.A
Lorenzetti Inebrasa S.A.
Lorentzetti S.A. Industrias Brasileiras Eletrometalúrgicas
Pessoas físicas:
Aldo Annes Degrazzia
André Riograndino Fischer
Arno Augusto Kluk
Cláudio Canalis Goulart
Cleto Odilo de Paula
Edgar Pereira
Espólio de Carlos Luiz Kretzmann
Espólio de João Galvão Vargas
Espolio de Lindomar Vargas Rigotto
Fernando Sérgio Coronel Machado
Fernando Tadeu Soledade Habckost
Francisco Sirlei de Oliveira Ávila
Helena Medeiros Soares
José Américo da Silva
José Carlos Dutra Amalíbia
Luiz Tiaraju dos Reis Loureiro
Manoel Luiz de Souza Viana
Moacir José Gripa
Oswaldo Baumgarten
Paulo César Rabelo Schuck
Paulo Darrigo Vellinho
Pedro Silva Bittencourt

JÁ sob intervenção. Juiz bloqueia receitas para garantir indenização à familia Rigotto

Desde o dia 3 de agosto, um perito nomeado pela Justiça controla as contas da Já Porto Alegre Editores, empresa que edita o jornal JÁ há 24 anos na capital gaúcha.
O objetivo é bloquear 20% da receita bruta da empresa para garantir o pagamento de uma indenização de R$ 54 mil à viúva Julieta Diniz Vargas Rigotto, mãe do ex-governador Germano Rigotto.
O jornal foi condenado em uma ação por “dano moral” movida em 2001, quando publicou uma reportagem sobre os fatos que culminaram com a morte de Lindomar Rigotto, irmão do ex-governador. Lindomar, aos 47 anos, foi assassinado em Capão da Canoa, no litoral gaúcho, em fevereiro de 1999.
A reportagem, premiada pela Associação Riograndense de Imprensa naquele ano, foi alvo de duas ações da viúva Rigotto: uma contra o autor, Elmar Bones, por calúnia, difamação e injúria à memória dos mortos; outra contra a editora do jornal, indenizatória, por dano moral.
A primeira teve sentença da juíza da 9ª. Vara Criminal, Isabel de Borba Lucas, que absolveu o jornalista de todas as acusações, em setembro de 2002. “A meu sentir não se afastou da linha narrativa e teve por finalidade o interesse público, não agindo com dolo, a intenção de ofender à honra do falecido Lindomar Vargas Rigotto”, registrou a juíza.
E completou: “Em nenhum momento o autor tem por intenção ofender o falecido Lindomar Rigotto. Os fatos constantes da matéria não se configuram calúnia, difamação ou injúria, porque o autor somente narra situações com base em documentos e depoimentos”.
Duas tentativas de reformar a sentença foram feitas junto ao Tribunal de Justiça, que negou provimento aos recursos.
“Na reportagem incriminada, há pouca opinião e muita narrativa e informação, inexistindo qualquer palavra, expressão, frase ou mesmo insinuação de conteúdo ofensivo à honra do falecido”, disse o Procurador Ubaldo Alexandre Licks Flores em seu parecer ao Tribunal de Justiça. Três desembargadores – Aramis Nassif, Luís Gonzaga da Silva Moura e Amilton Bueno de Carvalho – ratificaram absolvição do jornalista.
“Impossível retirar da inicial os elementos constitutivos da imputação contra a honra alegada pela querelante, como a imputação de fato determinado e ofensivo à sua reputação que não fosse de conhecimento e interesses públicos…”, escreveu o relator Aramis Nassif.
A segunda ação, exigindo indenização por dano moral, embora tivesse como alvo a mesma reportagem, teve decisão contrária.
Em primeira instância, a editora foi absolvida. Mas a decisão foi revertida no Tribunal e o resultado final foi a condenação da empresa.
Sem condições de arcar com a indenização, a editora ofereceu seu estoque de livros à penhora, o que não foi aceito.
O juiz decretou então o bloqueio parcial da receita como maneira de garantir o pagamento. O valor da indenização, inicialmente R$ 17 mil reais, hoje alcança R$ 54 mil reais.
A Já Editores ainda mantém uma ação rescisória, que anularia todo o processo, aguardando decisão no STF. Enquanto isso terá que cumprir a determinação judicial.