Convidado para falar no Conexões Globais 2.0, evento que também integrou o Fórum Social Temático 2012, Gilberto Gil, compositor e ex-ministro da Cultura, fez uma exposição – quarta-feira, 25, na Travessa do Cataventos da Casa de Cultura Mário Quintana – complexa sobre a sociedade atual, tomando como referência a Primavera Árabe.
Na sua fala, lembrou uma composição sua, Futurível, feita quando, em 1969, foi prisioneiro da Ditadura Militar, e que traz versos como: […] “Seu corpo vai se transformar/Num raio vai se transportar/ No espaço vai se recompor/ Muitos anos-luz além/ Além daqui”.
Ou, mais adiante: […] “Seu corpo será mais brilhante/ A mente, mais inteligente/ Tudo em superdimensão/ O mutante é mais feliz/ Feliz porque/ Na nova mutação/ A felicidade é feita de metal”.
Gilberto Gil é uma das antenas do povo brasileiro. A cultura baiana é sólida e líquida, e gasosa, claro. De Gregório de Matos a Castro Alves, de Jorge Amado a Glauber Rocha, de João Gilberto a Gil e Caetano, lá se vão quatro séculos de uma exuberância que mesclou Grécia e África, projeto que Alexandre, o grande, já havia tentado alguns séculos antes de Cristo. Lá não deu certo.
Em Conexões Globais Gil dividiu o palco de debates com Vinicius Wu, coordenador do gabinete Digital do Governo RS; o jornalista Antônio Martins, do site Outras palavras, e, via web, de Madri, Olga Rodrigues, escritora e jornalista especializada em Oriente Médio.
Gil trajava um conjunto de roupas claras e leves que, combinadas as suas humildes sandálias, mais seu inseparável Mac book, davam ao bardo nordestino um ar zen de mochileiro das galáxias, pronto para dividir suas idéias com o público que na tarde morna, quase fresca, empilhava-se na Travessa dos Cataventos para escutá-lo.
A fala de Gil – na verdade, pensamentos falsamente avulsos, ou brain storm, como diria um velho publicitário – resumiu-se num discurso composto de frases curtas, que remetem a conceitos que, exceto uma citação de Heidegger, integram-se ao mainstream global e digital, e que ele define como a sua “filosofia barata, feita em casa”, diante da dificuldade em saber o que está dentro ou fora do sistema.
Vejamos algumas pérolas: “os relatos são elaborados no próprio centro da luta. Foi assim em toda a história da humanidade. Os significados das lutas do passado flutuam no presente e projetam o futuro. Vivemos um processo fragmentário, um tempo acelerado e múltiplo. Há um choque de valores e paradigmas caem por terra. No caso da Primavera árabe – com suas imagens avermelhadas, difusas, dramática –, assistiu-se a uma adesão a plataforma ocidental em questões como democracia, direitos da mulher. Trata-se de um processo antropofágico em relação à cultura ocidental, pois, ao mesmo tempo, há uma associação e uma rebeldia contra ela”.
E continua: “mundo quântico. Formações híbridas, revoltas fragmentárias. Minimalismo acelerador de partículas que virou a civilização. Proto-utopia, uma nova utopia. Revezamento das elites. O erro está em querer restaurar um mundo totalizante. Há um jogo global de xadrez jogado a muitas mãos. A internet pode se tornar uma atualização de conceitos. O sentimento de vários possíveis”.
O mano Caetano, caso estivesse presente, talvez incluísse, ao final da fala de Gil, a singela e filosófica sentença: “ou não!”
Depois de toda esta energia digital e barroca, Vinicius Wu, smartphone em punho, falou, entre outras elucubrações, sobre a “gaseificação” do poder, e da nova vanguarda, representada pelos hackers que, cumprindo a profecia de Marx, “são os coveiros do capitalismo”. Já Antônio Martins, entusiasmado, pregou uma jihad digital em prol da ética do bom jornalismo. Tudo sob o atento e reflexivo olhar do escritor e atual Secretário de Cultura do RS, Luis Antônio de Assis Brasil, que, sentado em sua cadeirinha, talvez procurasse relacionar aquelas falas com as dos personagens do século XIX de sua ficção.
O contraponto vinha do outro lado do Atlântico, onde uma bela e contida Olga Rodrigues, limitou-se a fazer explanações pontuais sobre a Primavera Árabe, da importância da internet como ferramenta de resistência em regimes ditatoriais, das redes sociais para organizar e difundir mensagens para o mundo inteiro, salientando que no mundo árabe apenas 20 por cento da população tem acesso a web, “mas é sempre uma minoria que faz as coisas”.
Ao final do debate, diante da possibilidade de hecatombe de todos os sistemas, devido ao excesso de velocidade, pelo menos virtualmente, Gil, sabiamente, ponderou que “a eternidade não se manifesta num momento, ocorre através dos tempos. A mobilização é permanente. A luta continua”.
Ainda mentalmente conectado, o público ao deixar o local do encontro e seguir pela Rua da Praia, deparou-se com a vida analógica e prosaica de gente tomando a sua cervejinha, comendo batatinhas e outros petiscos. No dia seguinte, em Canoas, boa parte se juntou as outras seis mil pessoas que prestigiaram o show do baiano, o da Refazenda e seu abacateiro, afinal, Gil estava em Porto Alegre, terra onde nascem os melhores abacates do mundo. Ou não?
Por Francisco Ribeiro