Por Paula Bianca Bianchi
Liminar vai, liminar vem e os índios caiguangues do Morro do Osso continuam no Morro do Osso. O grupo, que ocupou a área em 2004, espera por uma decisão do governo federal sobre a autenticidade do local como território indígena. Enquanto isso, parece fazer pouco caso das ações de reintegração de posse da prefeitura, que no começo de maio perdeu mais uma vez.
Na manhã desta quinta-feira algumas índias podiam ser encontradas tranqüilamente tecendo cestas de vime à sombra das árvores, conversando e apreciando a vista do Guaíba. A aldeia fica no topo do bairro Tristeza, entre o Sétimo Céu e a entrada do Parque Natural do Morro do Osso – uma das áreas mais visadas pelos especuladores imobiliários de Porto Alegre.
A prefeitura argumenta que os índios causam um grave dano ambiental ao parque, um dos restinhos de Mata Atlântica na cidade. Os caiguangues, que também ajuizaram uma ação na Justiça requerendo a posse da área de 127 hectares, alegam que o local já teria sido ocupado por seus antepassados.
Para o juiz federal Márcio Rocha, que analisou o recurso do Ministério Público Federal, a remoção não leva em conta qualquer estudo antropológico, de sustentabilidade ou qualquer aspecto de defesa dos interesses da comunidade caiguangue. “A relocação não é feita para uma área tradicionalmente ocupada pelos índios, sustentável e adequada, mas para qualquer área, desde que não seja o Morro do Osso”, afirma.
Em novembro os caiguangues acamparam em frente à sede da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Passo Fundo para ver se alguém tomava alguma providência. A ação resultou em um compromisso da Funai nacional de criar um grupo de trabalho (GT) para averiguar a situação do parque e da comunidade até o fim de julho.
Por enquanto ninguém se manifestou sobre o GT e mesmo a Funai gaúcha não tem muitas informações do andamento do caso em Brasília. “Eles se comprometeram em fazer um estudo para ver se essa área é ou não indígena”, explica o administrador regional do órgão, João Alberto. “Espero que façam.” E os índios caiguangues do Morro do Osso continuam no Morro do Osso.
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A disputa do asfalto da José Bonifácio
Por Daiane Menezes
O convívio na Redenção entre índios e brancos não tem sido tranqüilo. Os feirantes reclamam que os indígenas ocupam espaço além do permitido e comercializam produtos não-artesanais, o que é proibido pelo regulamento do Brique. Eles chegam a acusar os índios, que justificam a situação, de terem virado camelôs.
O vice-cacique caingangue, Cláudio, diz que “eles estavam reclamando que o material não estava sendo muito natural”. Mas explica: “Muitos não têm mais o material que tinham nas aldeias. Se não tem casca tem que fazer com linha, se não tem linha, faz com arame”. Ao observar as bancas dos índios, percebe-se que algumas têm todos os seus artigos feitos à mão, ainda que alguns comprem sementes por não conseguirem colhê-las. Vendem-se brincos com penas, correntes e pulseiras, tapetes e bolas de cipós, balaios e cestas, suporte para panelas e casas de passarinhos, cobras, corujas e felinos pintados.
Existem, no entanto, bancas que vendem também produtos industrializados, como prendedores de cabelo de plástico e correntes de metal. Cláudio admite que isto acontece, mas “mais com os índios que trabalham também na Praça da Alfândega durante a semana”. Ao parar ao lado de uma dessas, vê-se que os possíveis compradores perguntam mais freqüentemente por uma pulseira industrializada de dadinhos ou uma corrente de metal do que pelos artigos feitos de sementes. Tudo o que os índios parecem fazer é adaptar-se a lei da oferta e da procura.
Despejo dos índios guaranis de Eldorado do Sul
“Minha família está triste, as crianças estão tristes, a gente sente muita dor”
A movimentação e os murmúrios no auditório da Comissão de Cidadania e Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul cessaram, hoje pela manhã, quando começou a falar o cacique Santiago Franco, um típico mbya-guarani: estatura pequena, aparência frágil, voz indignada.
“Há muitos anos isso vem acontecendo, não só com a minha família, com outras famílias também”, afirmou Santiago, ao começar seu depoimento, um protesto emocionado, que silenciou totalmente o auditório.
Ele estava se referindo ao despejo que sofreu do acampamento onde vivia com quatro famílias guaranis, na beira da Estrada do Conde, em Eldorado do Sul, dia primeiro de julho, numa ação da Brigada Militar que cumpria uma ordem judicial de reintegração de posse.
Santiago acabou preso (foto), enquanto os demais, incluindo mulheres e crianças assustadas, viam seus barracos serem destruídos e eram levados embora.
Lideranças guaranis, representantes de entidades indigenistas e antropólogos estavam juntos com Santiago na AL para protestar e cobrar providências.
Principalmente, a demarcação de terras que garanta um lugar para viver a essa comunidade que soma cerca de dois mil índios no Estado – já foram milhares – sem contar os guaranis que vivem nos países vizinhos.
Despejo gravado
O despejo das famílias guaranis foi gravado em vídeo pelo Núcleo de Antropologia das Sociedades Indígenas Tradicionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (clique aqui para assistir).
A repercussão provocou a convocação da audiência pública na Comissão de Cidadania e Direitos Humanos, presidida pelo deputado Marquinhos Lang (DEM), mas não havia ninguém representando a Brigada Militar.
Primeiro a falar, Santiago reclamou que os mbya-guaranis- os guaranis do Sul do Brasil – estão sem espaço para viver. Eles pedem a demarcação de terras mas não obtém resposta dos governos e da Funai.
“Há muitos anos isso vem acontecendo, não só com a minha família, com outras famílias também, só que antes não foi divulgado, pra outras pessoas saberem o que acontece com o povo guarani. Todos que estão aqui, são responsáveis pelo nosso povo, estado, municípios”, disse ele, diante de representantes da Funai, Funasa, Governo do Estado, Ministério Público Federal e Assembléia Legislativa.
“Perdemos nossa terra, nossa mata, nossos rios onde a gente pescava, nossa vida era uma festa, mas hoje vivemos dentro das cidades, na beira das estradas, esperando uma solução da Funai, um pedacinho de terra, para plantarmos nossas frutas, milho, batata-doce, para termos saúde”, disse Santiago.
Truculência e preconceito
Ele reclamou também da truculência da polícia e da discriminação que sofrem da sociedade.
“Infelizmente a polícia tem chegando na aldeia, estamos passando (sofrendo) preconceito, as pessoas chegam e falam que índio não tem cultura, que lugar de índio é no mato. Minha família está triste, as crianças estão tristes, a gente sente muita dor. Estão destruindo a nossa vida, não temos mais condições de vender nosso artesanato, a gente sente medo”.
Desde que foram expulsos de Eldorado do Sul, Santiago e sua comunidade foram distribuídos, provisoriamente, em acampamentos de Porto Alegre e redondezas.
A ação da Brigada Militar decorreu de uma liminar concedida pela juíza de Eldorado do Sul, Luciane Di Domenico, numa ação de reintegração de posse da Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro).
A Fundação alegou que os índios estariam invadindo sua área de pesquisas.
Beira da estrada
Na verdade, os índios ocupavam apenas a beira da estrada, sem ultrapassar a cerca da área de pesquisas, garantem indigenistas e antropólogos. Além disso, a ação fazia referência a índios da etnia kaingang, que teriam invadido a área em outra época, e não os guaranis
Por fim, constitucionalmente as questões indígenas são de jurisdição federal e a Funai deveria ter sido chamada antes de qualquer atitude contra os guaranis, alertou o representante do órgão, João Maurício Farias.
“Não tinha núcleo da Funai em Porto Alegre ainda (está sendo instalado), se tivesse isso não teria acontecido, aquele ato arbitrário da Brigada Militar e da juíza que não reconheceu que essa é uma questão federal”, criticou Farias.
“É lamentável, porque a jurisdição é bem clara, a jurisdição (nas questões indígenas) é exclusivamente federal”, completou o representante da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), órgão que presta o atendimento de saúde nas aldeias indígenas.
O representante do Ministério Público Federal, procurador Rômulo de Oliveira, do Núcleo de Minorias Étnicas, informou que foi aberto inquérito civil público para apurar o caso.
“Na medida em que os indígenas estavam numa área de domínio público (a estrada), isso nos deixa perplexos”, disse.
Terras sem mato e sem rio
Outra liderança guarani, Maurício da Silva Gonçalves, reclamou que as terras destinadas aos índios, quando são demarcadas, não são apropriadas para sua subsistência.
“Nos dão áreas de campo, onde não existe mato para fazermos artesanato, não existe rio; é terra para criar gado, mas guarani não sabe criar gado, as terras que a gente tem não são adequadas para viver a nossa cultura”.
João Maurício Farias, da Funai, reconheceu a demora nas demarcações. Mas pediu mais apoio do governo do Estado, que produziu cortes lineares de verbas, atingindo os poucos recursos estaduais para a subsistência indígena.
Ele pediu também à representante do senador Paulo Paim (PT), Vera Triumpho, presente na audiência, que o parlamentar ajude em Brasília na destinação de mais recursos para o orçamento da Funai.
Foi informado, ainda, durante a apresentação do vídeo do despejo, que a procuradoria da Funai estuda processar o Estado do Rio Grande do Sul por danos morais aos índios.
Estudo antropológico
Luiz Fagundes, do Núcleo de Antropologia das Sociedades Indígenas Tradicionais da Ufrgs citou um estudo do arqueólogo Sérgio Leite, que apontou a existência de um sítio arqueológico indígena na área da Fepagro de onde os índios foram despejados. “Meus antepassados moraram ali”, garantiu Santiago.
O único momento de descontração da audiência foi quando o deputado Marquinhos Lang, provocado pela intervenção do antropólogo, pediu aos índios que traduzissem os nomes de vários rios das redondezas de Porto Alegre, todos de origem guarani.
Guaíba – uma fruta vermelha, formato em ponta de flecha.
Taquari – taquara, água da taquara
Caí – um macaco
Jacuí – um pássaro
O vice-presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi/Brasil), Roberto Liebgott, afirmou que o espaço para viver dos guaranis é cada vez menor.
“A perda de terras tem sido diária, antes eles podiam se alojar em beira de mato, na beira dos rios, agora só restam as beiras de estradas, vivem de cestas básicas porque não podem plantar nada”, denunciou.
E completou, sintetizando a indignação geral: “Há recursos para salvar bancos, para a grande produção, para os fazendeiros, mas alguns reais para os indígenas não tem”.
Por Ulisses Nenê, EcoAgência