Um generoso espaço na grade de programação do Fórum Social Temático 2012, que ocorre entre 24 e 29 de janeiro na Região Metropolitana de Porto Alegre, foi destinado a dar visibilidade ao pensamento que levou milhares de pessoas a unirem-se em protestos contra o sistema político e econômico atual nas praças públicas no Oriente Médio, norte da África, Europa e Estados Unidos.
A partir dessa quarta-feira, 25 de janeiro, até o sábado, entre 12h e 14h na UFRGS e, mais tarde, às 18h na Casa de Cultura Mario Quintana, os participantes do evento poderão ouvir e trocar experiências com integrantes de movimentos como Ocupe Wall Street, Indignados, estudantes chilenos e manifestantes da Primavera Árabe.
Serão os encontros intitulados “diálogos e narrativas”, nos quais, explica um dos coordenadores do FST, Mauri Cruz, a intenção é proporcionar um intercâmbio de ideias. “O Fórum é o espaço para que essas experiências se encontrem e para que seus integrantes, se tiverem interesse, construam uma identidade em comum. O papel do Fórum é ser o espaço da cidadania internacional”, entende Cruz.
Ele chama esses convidados de “novas lideranças” dos movimentos sociais e garante que os nomes possuem protagonismo internacional, ainda que formem parte de manifestações caracterizadas pela não existência de teóricos ou figuras destacadas.
“São cidadãos comuns, não são ícones. Mas isso é importante, o próprio Fórum tem um pouco essa dinâmica: várias vezes já tentaram definir quem é o dono do Fórum, o coordenador-geral ou o chefe. Mas a cada evento ele tem uma dinâmica de lideranças e uma lógica de organização diferente. Então está bem no espírito do Fórum!”, anima-se o coordenador do evento.
Os diálogos servirão, inclusive, para que o ocidente possa compreender melhor quais as reivindicações de cada grupo, além de ter a prerrogativa de mostrar o que há em comum entre muçulmanos da Tunísia e católicos espanhóis ou estudantes chilenos e desempregados gregos.
“O que acontece nesses movimentos é que eles realmente não têm uma matiz ideológica definida. No geral, há um discurso anticapitalista e uma crítica à forma como o Estado faz a gestão da sociedade, mas não existe um recorte ideológico de esquerda”, analisa.
Diante da diversidade de pensamentos políticos – e inclusive religiosos –, o desafio será justamente encontrar as intersecções desses grupos, que na opinião de Mauri Cruz, residem no fato de possuírem uma organização autônoma de pessoas e não de entidades.
“A ideia da participação direta da sociedade na gestão dos interesses comuns é a linha que os une e isso é uma coisa que o Fórum defende desde o princípio. Agora, estar junto não quer dizer pensar a mesma coisa ou ter a mesma opinião. Esse é o desafio: construir alternativas práticas e viáveis para todos”, observa.
Alguns dos conferencistas já estiveram em Porto Alegre em outubro participando de um seminário sobre a metodologia do Fórum Social Temático. Outros virão pela primeira vez e há os que podem inclusive não conseguir sair de seus países de origem por pressão política.
É o caso de uma convidada dos Camarões, que até a quarta-feira não tinha obtido a permissão para viajar a Porto Alegre. “Mas fora isso, foi tudo muito tranquilo. Acredito que essas manifestações ganharam uma importância tão grande que não podem mais ser questionadas ou perseguidas”, avalia Mauri Cruz.
Evento tenta construir vínculos com árabes
Mesmo para um movimento como o Fórum Social Mundial, que abriga debaixo de seu guarda-chuva centenas de entidades com distintos interesses – eventualmente até divergentes – e que ao longo dos seus 11 anos construiu pontes entres movimentos de todos os continentes, a Primavera Árabe foi uma surpresa.
“Nós já tínhamos uma relação forte com as redes da Palestina, agora os países árabes é que talvez sejam a grande novidade em termos de vínculo”, esclarece Mauri.
Segundo o organizador do Fórum, alguns segmentos do Fórum – especialmente aqueles que acompanham debates sobre as periferias e a juventude – estavam atentos à efervescência que mais tarde levou à queda dos ditadores do Egito, Hosni Mubarak, e da Líbia, Muammar Kadhafi, ao longo de 2011. “Para outros segmentos, talvez isso não aparecesse tanto”, admite.
“É difícil dizer se o Fórum previu (que essas manifestações iram acontecer). Ficamos contentes porque mostra que esse sentimento de que é preciso reinventar o mundo é comum, forte e que tem base social. A nossa tarefa, neste caso, aumenta”, conclui.
Por Naira Hofmeister
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Movimento “Ocupe” pode ser inédito em termos de escala e de caráter
“Parece apropriado o fato de o Occupy ser um movimento sem precedentes, uma vez que esta é uma era sem precedentes, não só neste momento, mas desde os anos 1970?, escreve Noam Chomsky, um dos mais importantes linguistas do século XX, publicado pelo jornal The New York Times e reproduzido abaixo:
Dar uma palestra sobre Howard Zinn é uma experiência agridoce para mim. Lamento que ele não esteja aqui para revigorar e fazer parte de um movimento que foi o sonho da vida dele. Ele certamente criou boa parte da base disso.
Se as ligações e associações que estão sendo estabelecidas nesses acontecimentos notáveis puderem ser mantidas pelo longo e difícil período que vem pela frente – vitórias não chegam rapidamente – os protestos do Occupy poderão marcar um momento significativo na História americana.
Nunca vi nada como o movimento Occupy, em termos de escala e de caráter, tanto aqui como no resto do mundo. Os postos avançados do movimento estão tentando criar comunidades cooperativas que talvez possam ser exatamente a base para organizações duradouras necessárias para superar as barreiras futuras e a reação que já está acontecendo.
Parece apropriado o fato de o Occupy ser um movimento sem precedentes, uma vez que esta é uma era sem precedentes, não só neste momento, mas desde os anos 1970.
Os anos 1970 marcaram um ponto de virada para os Estados Unidos. Desde sua origem, este país tem visto sua sociedade se desenvolver, nem sempre da melhor forma, mas com um avanço geral na direção da industrialização e da riqueza.
Mesmo em tempos sombrios, a expectativa era de que o progresso continuaria. Só tenho idade para me lembrar da Grande Depressão. Em meados dos anos 1930, embora a situação objetivamente estivesse muito mais difícil do que hoje, o espírito era bem diferente.
Um movimento militante operário estava se organizando – o CIO (Congresso de Organizações Industriais) e outros – e trabalhadores estavam fazendo paralisações, só a um passo de assumirem as fábricas, gerenciando-as eles mesmos.
Sob pressão popular, a legislação do New Deal foi aprovada. A sensação geral era de que os tempos difíceis ficariam para trás.
Agora existe um sentimento de desesperança, às vezes de desespero. Isso é bastante novo em nossa História. Nos anos 1930, a classe trabalhadora conseguia prever que os empregos voltariam. Hoje, se você trabalha na indústria, com o desemprego praticamente nos níveis da época da Depressão, você sabe que esses empregos podem sumir para sempre caso as políticas atuais persistam.
Setor financeiro
Essa mudança na perspectiva americana mudou a partir dos anos 1970. Numa inversão, vários séculos de industrialização se voltaram para a desindustrialização. É claro que a indústria continuou, mas em outros países – muito lucrativo, embora prejudicial à força de trabalho.
A economia mudou o foco para as finanças. Instituições financeiras se expandiram enormemente. Um círculo vicioso entre finanças e políticas se acelerou. Cada vez mais, a riqueza foi se concentrando no setor financeiro. Os políticos, diante do custo crescente das campanhas, foram levados a buscar cada vez mais fundo nos bolsos de financiadores ricos.
E os políticos os recompensaram com políticas favoráveis a Wall Street: desregulação, mudanças tributárias, relaxamento de regras de governança corporativa, que intensificaram o círculo vicioso. O colapso era inevitável. Em 2008, o governo mais uma vez veio em socorro das empresas de Wall Street que supostamente eram grandes demais para falir, com dirigentes grandes demais para serem presos.
Hoje, para um décimo do 1% da população que mais lucrou com essas décadas de ganância e enganação, tudo está bem. Em 2005, o Citigroup – que, aliás, foi resgatado repetidas vezes pelo governo – viu os ricos como uma oportunidade para crescer. O banco distribuiu um folheto para investidores que os incentivava a colocarem seu dinheiro em algo chamado Índice de Plutonomia, que identificava as ações das empresas que atendem ao mercado de luxo.
“O mundo está se dividindo em dois blocos: a plutonomia e o resto”, resumiu o Citigroup. “Os Estados Unidos, o Reino Unido e o Canadá são as principais plutonomias: economias impulsionadas pelo luxo”. Quanto aos não-ricos, às vezes eles são chamados de precariado: o proletariado que vive uma existência precária na periferia da sociedade. A “periferia”, no entanto, se tornou uma proporção significativa da população nos Estados Unidos e outros países.
Então temos a plutonomia e o precariado: o 1% e os 99%, como vê o Occupy. Não são números exatos, mas é a imagem certa.
A mudança histórica na confiança do povo sobre o futuro é um reflexo de tendências que poderiam se tornar irreversíveis. Os protestos do Occupy são a primeira grande reação popular que poderiam mudar a dinâmica das coisas.
Ative-me a questões internas. Mas há dois acontecimentos perigosos no cenário internacional que ofuscam todo o resto. Pela primeira vez na História da humanidade, existem ameaças reais à sobrevivência da espécie humana. Desde 1945 temos armas nucleares, e parece um milagre que tenhamos sobrevivido a elas. Mas as políticas da administração Obama e seus aliados estão encorajando a escalada.
A outra ameaça, claro, é a catástrofe ambiental. Praticamente todos os países do mundo estão tomando pelo menos medidas hesitantes para fazer algo a respeito. Os Estados Unidos estão dando passos para trás. Um sistema de propaganda abertamente reconhecido pela comunidade empresarial declara que a mudança climática não passa de um embuste dos liberais: por que dar atenção a esses cientistas? Se essa intransigência continuar no país mais rico e poderoso do mundo, a catástrofe não poderá ser evitada.
Educação
Algo precisa ser feito de uma forma disciplinada e contínua, e rápido. Não será fácil. Haverá dificuldades e fracassos, é inevitável. Mas a menos que o processo que está ocorrendo aqui e em outras partes do país e no resto do mundo continue a crescer e se torne uma grande força na sociedade e na política, as chances de termos um futuro decente são ínfimas.
Não se conseguem iniciativas significativas sem uma base popular ampla e ativa. É necessário sair por todo o país e ajudar as pessoas a entenderem do que se trata o movimento Occupy – o que elas mesmas podem fazer, e quais são as consequências de não se fazer nada.
Organizar uma base como essa envolve educação e ativismo. Educação não significa dizer às pessoas no que elas devem acreditar – significa aprender com elas. Karl Marx disse, “A tarefa não é somente entender o mundo, e sim mudá-lo”. Uma variante que se pode ter em mente é que se você quer mudar o mundo, é melhor tentar entendê-lo. Isso não significa assistir a uma palestra ou ler um livro, embora isso às vezes ajude.
Você aprende ao participar. Você aprende com os outros. Você aprende com as pessoas que você está tentando organizar. Todos temos de adquirir compreensão e experiência antes de formular e implementar ideias.
O aspecto mais interessante do movimento Occupy é a construção dos vínculos que estão ocorrendo em todo lugar. Se eles puderem se manter e se expandir, o Occupy pode levar a esforços destinados a colocar a sociedade em uma rota mais humana.