Barrados na audiência pública

Por Ana Lúcia Mohr

Somente as partes e os jornalistas portadores de credenciais puderam assistir à audiência pública de conciliação entre MST, Incra e MPF realizada ontem no prédio da Justiça Federal de Canoas. Os demais integrantes do MST e os mais de 100 apoiadores presentes ficaram do lado de fora.
João Procópio tentou entrar para assistir a audiência. Presidente do Sindicato dos Comerciários de Alegrete, ficou indignado por ter sido barrado. “Quando o Lula disse que a justiça é uma caixa preta ele não foi racista: foi realista”, disse.
A audiência pretendia resolver os recentes problemas envolvendo o movimento e a entidade, em especial o destino das cerca de 350 famílias de trabalhadores sem-terra acampados no município de Nova Santa Rita (50 famílias defronte à Fazenda Granja Nenê e 300 famílias em área do Assentamento Santa Rita de Cássia 2). Quem ficou do lado de fora ouviu os discursos do vereadores de Nova Santa Rita José Rosales e Lebrão (ambos do PT), dos vereador de Canoas Nelsinho Metalúrgico (PT) e do deputado estadual Dionilson Marcon (PT), de João Procópio (CTB) e de Rodrigo Baggio (representando o DCE da Ufrgs).

Nas falas, o fechamento das escolas itinerantes foi lembrado por todos. “Onde está escrito na lei que é proibido ter ideologia?”, questionou José Rosales. O vereador também argumentou que as escolas foram colocadas na ilegalidade de maneira arbitrária: “Nem o juiz nem o promotor consultaram a população”. Baggio lembrou que os professores da Faculdade de Educação da UFRGS divulgaram uma nota na qual dão respaldo às escolas itinerantes.
“É muito fácil ser valente contra os pobres, eu quero ver ser valente contra os ricos. O MST é exemplo de como se deve enfrentar a pobreza: lutando”, gritava Nelsinho. Ele também reclamou o cumprimento da Constituição, em particular do Artigo V, inciso 23. “Eu quero ver o juiz fazer cumprir a parte que diz que a terra tem que ter função social”.

Marcon foi o único a dizer que a audiência pública deveria servir para trazer de volta o superintendente do Incra, Mozar Dietrich, retirado do cargo no dia 6 de maio.
Foi acordado que as famílias acampadas defronte à Fazenda Granja Nenê se deslocarão para a área do Assentamento Santa Rita de Cássia 2 em 48 horas. Na manhã de ontem o acampamento começou a ser desmanchado. O INCRA assumiu o compromisso de assentar 100 famílias em até 30 dias. O compromisso ainda prevê que outras 258 sejam assentadas até o final de 2009.  Conforme o acordo, o Acampamento Jair da Costa deve ser desfeito até o final do ano. Até lá, mais ninguém poderá se agregar ao Acampamento, muito menos se cadastrar para receber um lote de terra.
Leandro da Silva, do Coletivo de Imprensa do Acampamento Jair, diz que esse um ano dá aos acampados um tempo para pensar no que fazer. Ele afirma que o resultado da audiência constituiu uma derrota política do juiz Guilherme Pinho Machado e uma vitória do Movimento, que permaneceu no Acampamento, promoveu jejuns em 6 pontos do Estado e fechou estradas. Conforme ele, “em 25 anos de Movimento foi a primeira vez na história que a gente teve que cavar trincheiras em nossa própria casa”.
A greve de fome em frente à Justiça Federal de Canoas, que havia iniciado no dia 7, terminou no final da tarde de ontem, quando também o acampamento ali instalado se desfez.

MST transfere jejum para Canoas

O MST realiza agora um grande ato junto com as entidades estudantis e sindicais em frente ao Ministério Público Federal (MPF) anunciando a transferência do jejum, que já dura 4 dias. Os acampamento montado ao frente MPF em Porto Alegre, que conta então com 30 pessoas, será transferido para a frente do Judiciário de Canoas.
Nesta manhã, mais um jejuante precisou receber cuidados médicos, o Padre Rudimar Dalasta, da Comissão Pastoral da Terra. Ontem, o agricultor Carlito Zanfonato passou mal e recebeu atendimento médico. A greve deve continuar até que a ordem de despejo seja retirada, bem como até que as demais reivindicações sejam atendidas.
Os agricultores protestam contra ações de criminalização como o fechamento das escolas itinerantes, o despejo do Acampamento Jair Antonio da Costa de dentro de uma área de assentamento e pedem o cumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), elaborado pelo MPF e assinado pelo INCRA, que previa o assentamento de 2 mil famílias até o final do ano passado, o que não ocorreu. Em nota divulgada no final da tarde de ontem, o MPF alega que vem trabalhando para que o TAC seja cumprido. Conforme a entidade, até agora 1113 famílias foram assentadas, tendo o INCRA assumido o compromisso de, até meados de maio, assentar mais 726 famílias, totalizando 1839 famílias. Informou ainda que, “como resultado da execução do TAC deverão ser assentadas mais 148 famílias, totalizando 1987 famílias beneficiadas”. Estes números divergem dos do MST, segundo o qual até agora somente 500 famílias foram assentadas.
ARROZ – Na nota, o MPF também anunciou o afastamento do Superintendente do INCRA no Estado, Mozar Dietrich, que é acusado de ser cúmplice do “arrendamento irregular” de terras em Santa Rita de Cássia II, assentamento localizado em Nova Santa Rita. O MPF suspeita que Dietrich repassava o dinheiro da venda do arroz para o MST. Por isso, o grão está sendo confiscado. O MPF declarou ainda que “a atuação do Ministério Público Federal tem o propósito de fazer cumprir a Constituição, não compactuando com condutas irregulares, ainda que praticadas dentro de assentamentos”.
Em contrapartida, em 16 de abril, o Movimento afirmou em nota que é contra qualquer tipo de arrendamento em assentamentos: “Sempre pressionamos o INCRA para que estas práticas fossem combatidas e que as medidas necessárias fossem tomadas.” O MST também declarou que não recebeu qualquer dinheiro da venda do arroz.
No dia 23 de abril, os assentados em Santa Rita de Cássia II fizeram protesto na BR 386 contra o desvio da colheita do grão do assentamento. Segundo os assentados, arrendatários que plantaram de forma irregular colhem e retiram o arroz da área clandestinamente, com a cumplicidade da Polícia Federal.

Acampamento do MST resiste à ordem de despejo

As trincheiras do Acampamento Jair Antonio da Costa já estão cavadas; acampados não têm para onde ir

Por Ana Lúcia Behenck Mohr e Paula Bianca Bianchi
Faltam taquaras para a horta comunitária do Acampamento Jair Antonio da Costa, do MST. A maioria delas estão fincadas frente ao portão e ao redor dos 5 hectares do acampamento localizado na pequena Nova Santa Rita, a pouco mais de 20 km de Porto Alegre. Neste momento, as taquaras tem sido usadas para camuflar trincheiras. Placas de madeira com palavras de ordem espalhadas pelo chão fazem as vezes de escudo. Helicópteros da Polícia Federal sobrevoam com freqüência. Quase todos os dias P2 – policiais à paisana – passam pelo local, tiram fotos. Para os cerca de 500 acampados do Jair, a palavra de ordem é resistir.
Ali, do lado do portão, no início da tarde de sábado, sob um sol de rachar, um homem com um facão no coldre espera. Ele é membro do coletivo de segurança do Acampamento. Atrás do portão, outro homem, também da segurança, mantém a vigia. Do lado de fora, a reportagem tenta, sem sucesso, arrancar alguma informação do homem da faca. “Eu não sei de nada, companheira”, diz ele. Um pouco atrás, meninos do Assentamento Rita de Cássia 2, logo do outro lado da rua, pedem para entrar para jogar bola, também sem sucesso.
Após duas batidas na “cachorra” – uma placa de metal que serve como meio de comunicação entre segurança e o resto do acampamento -, surgem algumas pessoas que finalmente chamam os responsáveis por recepcionar a imprensa. Entramos. O MST dá entrevistas para todos os veículos de comunicação, com exceção da RBS, como nos explicam depois. No momento os acampados do Jair têm evitado receber a “grande mídia”. Segundo eles, é comum que as suas declarações sejam distorcidas.
Se depender do Ministério Público Federal, os acampados do Jair devem deixar a área, cedida pelo Assentamento Santa Rita de Cássia 2 e encurralada entre a BR 116 e a floresta, o mais rápido possível. No dia 24 de abril venceu o prazo dado pela entidade para que as famílias desocupassem o local.
O MPF alega que o acampamento está em uma área de proteção ambiental, argumento rebatido pelo MST. “Estamos na área comunitária do assentamento”, explica Leandro, 18 anos, parte da equipe de comunicação do Jair. No Rio Grande do Sul, 20% do terreno dos assentamentos é separada pelo Incra como zona de proteção ambiental, enquanto o resto é dividido entre as zonas de moradia, produção e comunitária. Para Leandro, o motivo real do despejo não tem nada de ecológico. “O problema é que o acampamento está numa ‘área de risco’, do lado da BR, o que facilita as manifestações”, afirma.
Pouco antes do dia 24 as famílias que vivem no local se reuniram e decidiram resistir. “Estamos aqui há três anos. A gente já levou bala de borracha, cacetada. Não vamos ir embora.”, diz Luciana da Rosa, a outra responsável pela comunicação do acampamento. “Em 2007 foi assinado um acordo que garantia o assentamento de duas mil famílias até o fim de 2008. Foram assentadas 500. Se acontecer alguma coisa, é culpa do governo”, alega. Luciana se refere ao TAC (Termo de Ajuste de Conduta) assinado pelo Incra em novembro de 2007, cujo cumprimento deveria ser cobrado pelo Ministério Público.
A ordem de despejo não é exatamente uma novidade para os membros do Acampamento, que nasceu em 2005 numa beira de estrada em Nova Hartz. Em 2006, menos de um ano após a ocupação, os integrantes foram colocados para fora devido a uma ação de reintegração de posse e acolhidos pelo recém fundado Santa Rita de Cássia 2. A diferença entre os dois despejos é que, ao contrário de 2006,  hoje os acampados não têm para onde ir.
Enquanto a situação não se resolve, 30 integrantes do  Jair fazem greve de fome, acampados em frente a sede do MPF em Porto Alegre. Eles fazem coro a Luciane: “se acontecer alguma coisa, a culpa é do governo federal”, afirma a acampada Michele. O protesto é uma forma de forçar a entidade a revisar a decisão.

Justiça Federal vai julgar ação de improbidade no Caso Detran

A Desembargadora Matilde Chabar Maia, da 3ª Câmara Cível da comarca de Porto Alegre, reconheceu a incompetência da Justiça do Rio Grande do Sul para julgar a ação civil de improbidade administrativa que foi ajuizada pela Procuradoria Geral do Estado, em virtude das fraudes no Departamento Estadual de Trânsito (Detran).
Com a decisão da Justiça gaúcha, os autos da ação de improbidade foram remetidos à 3ª Vara da Justiça Federal de Santa Maria e deverão ser apensados à ação civil de improbidade administrativa proposta pelo Ministério Público Federal.
Em maio de 2008, o Ministério Público Federal no Rio Grande do Sul denunciou criminalmente 44 pessoas à Justiça Federal de Santa Maria por fraudes cometidas no Detran gaúcho através de um convênio irregular assinado com a Universidade Federal de Santa Maria.
Em junho, o MPF/RS ajuizou ação de improbidade administrativa contra 51 pessoas físicas e jurídicas envolvidas na mesma fraude. Muitas dessas pessoas já eram réus no processo criminal aberto pelo MPF. As fraudes no Detran desviaram recursos da União da ordem de R$ 44 milhões.
Competência
A desembargadora citou em seu despacho uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que afirma “que compete à Justiça Federal o julgamento de servidor ou agente público estadual acusado da prática do delito de desvio de verbas públicas de origem federal, submetida à fiscalização pelo TCU, pelo interesse da União na aplicação de recursos públicos federais”.
De acordo com Matilde Maia, “as fundações de apoio às instituições de ensino superior, tais como a agravante, estão sujeitas ao prévio registro e credenciamento no Ministério da Educação, sujeitando-se ao controle da Instituição Federal de Ensino, bem como à fiscalização do Tribunal de Contas da União na execução de convênios, contratos, acordos e ou ajustes que envolvam a aplicação de recursos públicos”.
Disse ainda que “se a agravante, na execução do contrato com o Detran, em convênio com a UFSM, está sujeita à fiscalização do Tribunal de Contas da União, evidente a competência federal”. A desembargadora também fez lembrar uma decisão do STJ em relação ao chamado “conflito positivo de competência” em ações que tramitem nas justiças federal e estadual, o que ocorre quando duas ações de dois autores diferentes tramitam versando sobre fatos similares com identidade de algumas das partes, assim como causa de pedir e objeto comuns em boa parte de seus fundamentos. Neste caso, vemos na decisão da Magistrada, o “egrégio Superior Tribunal de Justiça, inclusive, já decidiu que nestes casos prepondera a ação civil pública proposta perante à Justiça Federal, gerando atração daquela ajuizada na Justiça Estadual”.
A ação civil de improbidade administrativa ajuizada pelo MPF/RS após as investigações da Operação Rodin pode ser acompanhada na Justiça Federal através do protocolo 2008.71.02.002546/RS.