Congresso Nacional quer corrigir erro histórico


Na pauta do Congresso Nacional desta noite, uma correção histórica: será analisado um projeto de resolução que anula a sessão de 1º de abril de 1964, que decretou vaga a Presidência da República quando o presidente João Goulart ainda estava em território brasileiro.
“Ressurge a Democracia! Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente das vinculações políticas simpáticas ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é de essencial: a democracia, a lei e a ordem.
Os grandes jornais da época, O Globo à frente, publicaram a mentira como manchete, e abriram caminho para a consolidação do golpe civil-militar.
A jornalista Cristiane Costa pesquisou as manchetes dos principais jornais naqueles dias, originalmente publicada no blog BrHistoria.
O Globo de 2 de abril de 1964: “Fugiu Goulart e a democracia está sendo restaurada”… “atendendo aos anseios nacionais de paz, tranqüilidade e progresso… as Forças Armadas chamaram a si a tarefa de restaurar a Nação na integridade de seus direitos, livrando-a do amargo fim que lhe estava reservado pelos vermelhos que haviam envolvido o Executivo Federal”.
Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas que, obedientes a seus chefes, demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições.
Como dizíamos, no editorial de anteontem, a legalidade não poderia ter a garantia da subversão, a ancora dos agitadores, o anteparo da desordem. Em nome da legalidade não seria legítimo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da Nação horrorizada …”
(O Globo – Rio de Janeiro – 4 de Abril de 1964)
“Multidões em júbilo na Praça da Liberdade.
Ovacionados o governador do estado e chefes militares.
O ponto culminante das comemorações que ontem fizeram em Belo Horizonte, pela vitória do movimento pela paz e pela democracia foi, sem dúvida, a concentração popular defronte ao Palácio da Liberdade. Toda área localizada em frente à sede do governo mineiro foi totalmente tomada por enorme multidão, que ali acorreu para festejar o êxito da campanha deflagrada em Minas (…), formando uma das maiores massas humanas já vistas na cidade”
(O Estado de Minas – Belo Horizonte – 2 de abril de 1964)
Salvos da comunização que celeremente se preparava, os brasileiros devem agradecer aos bravos militares que os protegeram de seus inimigos”
“Este não foi um movimento partidário. Dele participaram todos os setores conscientes da vida política brasileira, pois a ninguém escapava o significado das manobras presidenciais”
(O Globo – Rio de Janeiro – 2 de Abril de 1964)
“A população de Copacabana saiu às ruas, em verdadeiro carnaval, saudando as tropas do Exército. Chuvas de papéis picados caíam das janelas dos edifícios enquanto o povo dava vazão, nas ruas, ao seu contentamento”
(O Dia – Rio de Janeiro – 2 de Abril de 1964)
“Escorraçado, amordaçado e acovardado, deixou o poder como imperativo de legítima vontade popular o Sr João Belchior Marques Goulart, infame líder dos comuno-carreiristas-negocistas-sindicalistas. Um dos maiores gatunos que a história brasileira já registrou., o Sr João Goulart passa outra vez à história, agora também como um dos grandes covardes que ela já conheceu.”
(Tribuna da Imprensa – Rio de Janeiro – 2 de Abril de 1964)
“A paz alcançada. A vitória da causa democrática abre o País a perspectiva de trabalhar em paz e de vencer as graves dificuldades atuais. Não se pode, evidentemente, aceitar que essa perspectiva seja toldada, que os ânimos sejam postos a fogo. Assim o querem as Forças Armadas, assim o quer o povo brasileiro e assim deverá ser, pelo bem do Brasil”
(Editorial de O Povo – Fortaleza – 3 de Abril de 1964)
“Desde ontem se instalou no País a verdadeira legalidade … Legalidade que o caudilho não quis preservar, violando-a no que de mais fundamental ela tem: a disciplina e a hierarquia militares. A legalidade está conosco e não com o caudilho aliado dos comunistas”
(Editorial do Jornal do Brasil – Rio de Janeiro – 1º de Abril de 1964)
“Milhares de pessoas compareceram, ontem, às solenidades que marcaram a posse do marechal Humberto Castelo Branco na Presidência da República …O ato de posse do presidente Castelo Branco revestiu-se do mais alto sentido democrático, tal o apoio que obteve”
(Correio Braziliense – Brasília – 16 de Abril de 1964)
“Vibrante manifestação sem precedentes na história de Santa Maria para homenagear as Forças Armadas. Cinquenta mil pessoas na Marcha Cívica do Agradecimento”
(A Razão – Santa Maria – RS – 17 de Abril de 1964)
“Vive o País, há nove anos, um desses períodos férteis em programas e inspirações, graças à transposição do desejo para a vontade de crescer e afirmar-se. Negue-se tudo a essa revolução brasileira, menos que ela não moveu o País, com o apoio de todas as classes representativas, numa direção que já a destaca entre as nações com parcela maior de responsabilidades”.
(Editorial do Jornal do Brasil – Rio de Janeiro – 31 de Março de 1973)
“Golpe? É crime só punível pela deposição pura e simples do Presidente. Atentar contra a Federação é crime de lesa-pátria. Aqui acusamos o Sr. João Goulart de crime de lesa-pátria. Jogou-nos na luta fratricida, desordem social e corrupção generalizada”.
(Jornal do Brasil, edição de 01 de abril de 1964.)
“Participamos da Revolução de 1964 identificados com os anseios nacionais de preservação das instituições democráticas, ameaçadas pela radicalização ideológica, greves, desordem social e corrupção generalizada”.
Editorial do jornalista Roberto Marinho, publicado no jornal”
(O Globo”, edição de 07 de outubro de 1984, sob o título: “Julgamento da Revolução”).
Mais algumas manchetes:
31/03/64 – CORREIO DA MANHÃ – (Do editorial, BASTA!): “O Brasil já sofreu demasiado com o governo atual. Agora, basta!”
1°/04/64 – CORREIO DA MANHÃ – (Do editorial, FORA!): “Só há uma coisa a dizer ao Sr. João Goulart: Saia!”
1o/04/64 – ESTADO DE SÃO PAULO – (SÃO PAULO REPETE 32) “Minas desta vez está conosco”… “dentro de poucas horas, essas forças não serão mais do que uma parcela mínima da incontável legião de brasileiros que anseiam por demonstrar definitivamente ao caudilho que a nação jamais se vergará às suas imposições.”
02/04/64 – O GLOBO – “Fugiu Goulart e a democracia está sendo restaurada”… “atendendo aos anseios nacionais de paz, tranqüilidade e progresso… as Forças Armadas chamaram a si a tarefa de restaurar a Nação na integridade de seus direitos, livrando-a do amargo fim que lhe estava reservado pelos vermelhos que haviam envolvido o Executivo Federal”.
02/04/64 – CORREIO DA MANHÃ – “Lacerda anuncia volta do país à democracia.”
05/04/64 – O GLOBO – “A Revolução democrática antecedeu em um mês a revolução comunista”.
05/04/64 – O ESTADO DE MINAS – “Feliz a nação que pode contar com corporações militares de tão altos índices cívicos”. “Os militares não deverão ensarilhar suas armas antes que emudeçam as vozes da corrupção e da traição à pátria.”
06/04/64 – JORNAL DO BRASIL – “PONTES DE MIRANDA diz que Forças Armadas violaram a Constituição para poder salvá-la!”
09/04/64 – JORNAL DO BRASIL – “Congresso concorda em aprovar Ato Institucional”.
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Pesquisa: Clarissa Pont
Na pauta do Congresso Nacional desta noite, uma correção histórica: será analisado um projeto de resolução que anula a sessão de 1º de abril de 1964, que decretou vaga a Presidência da República quando o presidente João Goulart ainda estava em território brasileiro.
Os grandes jornais da época, O Globo à frente, publicaram a mentira como manchete, e abriram caminho para a consolidação do golpe civil-militar.
A jornalista Cristiane Costa pesquisou as manchetes dos principais jornais naqueles dias, originalmente publicada no blog BrHistoria.
O Globo de 2 de abril de 1964: “Fugiu Goulart e a democracia está sendo restaurada”… “atendendo aos anseios nacionais de paz, tranqüilidade e progresso… as Forças Armadas chamaram a si a tarefa de restaurar a Nação na integridade de seus direitos, livrando-a do amargo fim que lhe estava reservado pelos vermelhos que haviam envolvido o Executivo Federal”.

Morre Roberto Manera, bom de foto, bom de texto

José Antonio Severo
Ele foi um dos integrantes mais destacados da geração de jornalistas riograndenses que se mudaram para o centro do País na década de 1960, participando do desenvolvimento da imprensa brasileira, numa fase em que surgiram as principais revistas e os jornais tiveram reformas modernizadoras.
Manera começou no jornalismo em 1967, como fotógrafo da Zero Hora. Nesse ano o chefe de fotografia daquele jornal, Assis Hoffmann, recrutou um grupo de jovens gaúchos para formar um departamento de fotografia diferenciado. Esse grupo foi apelidado de geração Blow Up, porque eram rapazes recrutados nas universidades, embalados pelo sucesso do filme de Michelangelo Antonioni, Blow Up, em que o fotógrafo aparecia como uma figura charmosa e irresitível. Também nesse projeto Assis introduzia no Estado as câmeras de filmes de 35 milímetros, abolia o flash e criava um novo conceito de fotojornalismo.
Logo em seguida, Assis Hoffmann, que era o mais famoso fotógrafo do Rio Grande do Sul, foi contratado pela Editora Abril para atuar na sucursal gaúcha e servir mais diretamente à revista Veja, que estava sendo lançada. Manera, ao lado de Sérgio Arnoud e Leonid Straliev, foi convidado a fazer parte da equipa de free lancers da Abril. Ali ele se revelou.
Logo se destacou com uma foto sobre a competição acirrada entre os dois gitgantes da indústria de refrigerantes mundial, Coca-Cola e Pepsi-Cola. O Rio Grande do Sul era um teatro singular dessa guerra comercial, pois era o único lugar do mundo em que a Pepsi vencia a Cola. Manera fez a foto emblemática: em frente a um bolicho numa estrada remota do Estado, as duas placas, desgastadas e quase caindo, estavam frente a frente, e na imagem se via um burrico magro passando. Era o retrato dessa luta em todos os espaços. Manera era o autor da foto que vale mais que mil palavras, como se dizia na época.
Como fotógrafo free lancer, muitas vezes fazendo coberturas sem repórter, tinha de escrever relatórios para a redação explicando a imagem. Qual não foi sua surpresa ao ser convidado para integrar a equipe fixa da revista Quatro Rodas e saber que o chefe de reportagem, Nilo Martins, o convidava para ser redator da publicação. Daí em diante Manera abandonou o clique pelas “pretinhas”, como se chamavam as letras da máquinas de escrever.
Deixou o rio Grande do Sul em 1970 e foi trabalhar como repórter de Quatro Rodas na sucursal do Rio de Janeiro. Transferido para São Paulo, integrou a equipe central da revista. Daí seguiu sua carreira, que incluiu outras publicações da Abril, como Guia rural, do qual foi redator-chefe. Também trabalhou no jornal O Globo, no Rio, e foi chefe da sucursal de Porto Alegre durante algum tempo. Voltando ao grupo da Abril, foi diretor de redação da revista Aero Magazine.
Então adoeceu, colhido por uma diabetes violenta, e sua carreira foi perdendo o ímpeto. Ainda assim integrou a última equipe de Sérgio de Souza, o Serjão, na revista Caros Amigos. Depauperado pela enfermidade, aposentou-se e se mudou para Florianópolis, onde viveu até a semana passada, longe de seus dois filhos, um em Porto Alegre e outro no Rio, e das muitas ex-mulheres.

Nota do Barão de Itararé sobre editorial de O Globo

O Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé lançou uma nota pública sobre o editorial de O Globo de sábado, 31/8, em que o jornal avalia que foi um erro ter apoiado o golpe de 1964. “Não foi apenas um apoio. Foi uma parceria simbiótica. Um crime. Um crime de uma organização que se transformou em ferramenta dos militares para consolidar sua hegemonia e que também tem em suas mãos o sangue de todos os mortos pelo regime autoritário”, diz a nota.
“Quantos anos ainda serão precisos para a Globo fazer a autocrítica pela cobertura das greves de 1979? Quando vão fazer a autocrítica pelas movimentações contra Brizola em 1982? “Quando vão reconhecer o erro da edição do debate de Lula e Collor em 1989 e do apoio ao ‘caçador de marajás’?
Quando farão a autocrítica por terem sido contra as cotas, por não terem noticiado os escândalos da Era FHC, pela construção da agenda das privatizações e pelos esforços na defesa da agenda neoliberal no Brasil? Quando as Organizações Globo farão a autocrítica pela maneira criminosa como cobrem os movimentos sociais?” Clique no título para ler a íntegra.
O assunto da semana é o editorial do jornal O Globo de sábado, 31/8. No texto, a empresa reconhece o apoio ao Golpe de 1964 e afirma que essa postura foi um erro. O mesmo editorial também reconhece o que todo mundo já sabia: que o Estado de São Paulo, a Folha de São Paulo, o Correio da Manhã e outros veículos também foram coniventes com a ditadura que se constituiu em um dos capítulos mais vergonhosos da história do Brasil.
O que o Jornal O Globo fez durante a ditadura militar, não foi apenas um apoio. Foi uma parceria simbiótica. Um crime. Um crime de uma organização que se transformou em ferramenta dos militares para consolidar sua hegemonia e que também tem em suas mãos o sangue de todos os mortos pelo regime autoritário. Um crime que fez a família Marinho ter hoje três dos seus herdeiros entre os 10 homens mais ricos do Brasil.
Um crime que acobertou outros crimes, como o impedimento da instalação de um CPI para investigar o acordo Globo-Time Life em 1966; que garantiu o aproveitamento da Embratel (uma das primeiras estatais criadas pelo Governo Militar) para desenvolvimento desse império das comunicações, que segue até hoje usando o poder construído através da colaboração com um dos regimes mais sangrentos da história do Brasil para tentar ditar os rumos da política no nosso País. Um crime que permite que essa empresa continue até hoje cometendo outros crimes, como por exemplo, usar do seu poder de comunicação para pautar a agenda política de governos, travestindo sua imposição de pautas e prioridades sob uma falsa prestação de serviço e capitalizando para si as ações realizadas pelo poder público em suas variadas esferas.
Caçador de Marajás
Quantos anos ainda serão precisos para a Globo fazer a autocrítica pela cobertura das greves de 1979? Quando vão fazer a autocrítica pelas movimentações contra Brizola em 1982? Quando vão reconhecer o erro da edição do debate de Lula e Collor em 1989 e do apoio ao “caçador de marajás”? Quando farão a autocrítica por terem sido contra as cotas, por não terem noticiado os escândalos da Era FHC, pela construção da agenda das privatizações e pelos esforços na defesa da agenda neoliberal no Brasil? Quando as Organizações Globo farão a autocrítica pela maneira criminosa como cobrem os movimentos sociais?
As Organizações Globo fazem a autocrítica ao apoio à ditadura, mas não fazem a autocrítica de quanto esse apoio foi lucrativo. Em seu discurso ainda são presentes as velhas mentiras para justificar o injustificável. Reconhecem o que dizem ser um erro, mas justificam na base de mentiras, mais uma vez tentando escrever a História do Brasil através de deturpações que reafirmam sua falta de compromisso com o Brasil. Uma autocrítica forçada pelas ruas, que gritou a plenos pulmões não apenas que “a verdade é dura, a Rede Globo apoiou a ditadura”, mas que também gritou “o povo não é bobo, abaixo a Rede Globo”.
Com a credibilidade cada vez menor, as Organizações Globo tentam forjar uma autocrítica para se preparar para a disputa eleitoral que se avizinha, mas dessa vez o cenário será diferente. Não aceitaremos mais as velhas mentiras e nem permitiremos que mais uma vez essa máfia midiática use do seu poder para iludir a população brasileira.
O Centro de Estudos de Mídia Alternativa Barão de Itararé denuncia a falsa autocrítica publicada pelo Jornal O Globo e reafirma sua posição de lutar contra os impérios da comunicação que servem às elites conservadoras desse país, seguindo na busca pela construção de novas mídias que sejam capazes de representar esse novo momento vivido pelo País e que possam sepultar, de uma vez por todas, o espectro das mídias golpistas forjando assim uma nova comunicação no Brasil.
A real autocritica sobre a relação promíscua das Organizações Globo com o nefasto Golpe Militar deve ser feita pelo Estado brasileiro, através da Comissão Nacional da Verdade, investigando a fundo o dia a dia de colaboração da Rede Globo e da grande mídia burguesa nacional com o regime assassino que derramou muito sangue, de brasileiros e brasileiras, no solo de nossa pátria. Trazer à luz da sociedade a verdade sobre o real papel da imprensa golpista no empenho contra a emancipação do povo brasileiro é dever do Estado, pois a memoria de um povo é fundamental para que se possa tentar evitar que os erros do passado se repitam.
A verdade é mesmo muito dura, a Rede Globo apoiou e parasitou a ditadura!
O Povo não é bobo! Abaixo a Rede Globo!

O Globo reconhece: apoio ao golpe foi um erro

“A consciência não é de hoje, vem de discussões internas de anos, em que as Organizações Globo concluíram que, à luz da História, o apoio se constituiu um equívoco”
RIO – Desde as manifestações de junho, um coro voltou às ruas: “A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura”. De fato, trata-se de uma verdade, e, também de fato, de uma verdade dura. Já há muitos anos, em discussões internas, as Organizações Globo reconhecem que, à luz da História, esse apoio foi um erro.
Há alguns meses, quando o Memória estava sendo estruturado, decidiu-se que ele seria uma excelente oportunidade para tornar pública essa avaliação interna. E um texto com o reconhecimento desse erro foi escrito para ser publicado quando o site ficasse pronto.
Não lamentamos que essa publicação não tenha vindo antes da onda de manifestações, como teria sido possível. Porque as ruas nos deram ainda mais certeza de que a avaliação que se fazia internamente era correta e que o reconhecimento do erro, necessário.
Governos e instituições têm, de alguma forma, que responder ao clamor das ruas.
De nossa parte, é o que fazemos agora, reafirmando nosso incondicional e perene apego aos valores democráticos, ao reproduzir nesta página a íntegra do texto sobre o tema que está no Memória, a partir de hoje no ar:
1964
“Diante de qualquer reportagem ou editorial que lhes desagrade, é frequente que aqueles que se sintam contrariados lembrem que O GLOBO apoiou editorialmente o golpe militar de 1964.
A lembrança é sempre um incômodo para o jornal, mas não há como refutá-la. É História. O GLOBO, de fato, à época, concordou com a intervenção dos militares, ao lado de outros grandes jornais, como “O Estado de S.Paulo”, “Folha de S. Paulo”, “Jornal do Brasil” e o “Correio da Manhã”, para citar apenas alguns. Fez o mesmo parcela importante da população, um apoio expresso em manifestações e passeatas organizadas em Rio, São Paulo e outras capitais.
Naqueles instantes, justificavam a intervenção dos militares pelo temor de um outro golpe, a ser desfechado pelo presidente João Goulart, com amplo apoio de sindicatos — Jango era criticado por tentar instalar uma “república sindical” — e de alguns segmentos das Forças Armadas.
Na noite de 31 de março de 1964, por sinal, O GLOBO foi invadido por fuzileiros navais comandados pelo Almirante Cândido Aragão, do “dispositivo militar” de Jango, como se dizia na época. O jornal não pôde circular em 1º de abril. Sairia no dia seguinte, 2, quinta-feira, com o editorial impedido de ser impresso pelo almirante, “A decisão da Pátria”. Na primeira página, um novo editorial: “Ressurge a Democracia”.
A divisão ideológica do mundo na Guerra Fria, entre Leste e Oeste, comunistas e capitalistas, se reproduzia, em maior ou menor medida, em cada país. No Brasil, ela era aguçada e aprofundada pela radicalização de João Goulart, iniciada tão logo conseguiu, em janeiro de 1963, por meio de plebiscito, revogar o parlamentarismo, a saída negociada para que ele, vice, pudesse assumir na renúncia do presidente Jânio Quadros.
Militares exigem condições
Obteve, então, os poderes plenos do presidencialismo. Transferir parcela substancial do poder do Executivo ao Congresso havia sido condição exigida pelos militares para a posse de Jango, um dos herdeiros do trabalhismo varguista. Naquele tempo, votava-se no vice-presidente separadamente. Daí o resultado de uma combinação ideológica contraditória e fonte permanente de tensões: o presidente da UDN e o vice do PTB. A renúncia de Jânio acendeu o rastilho da crise institucional.
A situação política da época se radicalizou, principalmente quando Jango e os militares mais próximos a ele ameaçavam atropelar Congresso e Justiça para fazer reformas de “base” “na lei ou na marra”. Os quartéis ficaram intoxicados com a luta política, à esquerda e à direita. Veio, então, o movimento dos sargentos, liderado por marinheiros — Cabo Ancelmo à frente —, a hierarquia militar começou a ser quebrada e o oficialato reagiu.
Naquele contexto, o golpe, chamado de “Revolução”, termo adotado pelo GLOBO durante muito tempo, era visto pelo jornal como a única alternativa para manter no Brasil uma democracia. Os militares prometiam uma intervenção passageira, cirúrgica. Na justificativa das Forças Armadas para a sua intervenção, ultrapassado o perigo de um golpe à esquerda, o poder voltaria aos civis. Tanto que, como prometido, foram mantidas, num primeiro momento, as eleições presidenciais de 1966.
O desenrolar da “revolução” é conhecido. Não houve as eleições. Os militares ficaram no poder 21 anos, até saírem em 1985, com a posse de José Sarney, vice do presidente Tancredo Neves, eleito ainda pelo voto indireto, falecido antes de receber a faixa.
No ano em que o movimento dos militares completou duas décadas, em 1984, Roberto Marinho publicou editorial assinado na primeira página. Trata-se de um documento revelador. Nele, ressaltava a atitude de Geisel, em 13 de outubro de 1978, que extinguiu todos os atos institucionais, o principal deles o AI5, restabeleceu o habeas corpus e a independência da magistratura e revogou o Decreto-Lei 477, base das intervenções do regime no meio universitário.
Destacava também os avanços econômicos obtidos naqueles vinte anos, mas, ao justificar sua adesão aos militares em 1964, deixava clara a sua crença de que a intervenção fora imprescindível para a manutenção da democracia e, depois, para conter a irrupção da guerrilha urbana. E, ainda, revelava que a relação de apoio editorial ao regime, embora duradoura, não fora todo o tempo tranquila.
Nas palavras dele: “Temos permanecido fiéis aos seus objetivos [da revolução], embora conflitando em várias oportunidades com aqueles que pretenderam assumir a autoria do processo revolucionário, esquecendo-se de que os acontecimentos se iniciaram, como reconheceu o marechal Costa e Silva, ‘por exigência inelutável do povo brasileiro’. Sem povo, não haveria revolução, mas apenas um ‘pronunciamento’ ou ‘golpe’, com o qual não estaríamos solidários.”
Não eram palavras vazias. Em todas as encruzilhadas institucionais por que passou o país no período em que esteve à frente do jornal, Roberto Marinho sempre esteve ao lado da legalidade. Cobrou de Getúlio uma constituinte que institucionalizasse a Revolução de 30, foi contra o Estado Novo, apoiou com vigor a Constituição de 1946 e defendeu a posse de Juscelino Kubistchek em 1955, quando esta fora questionada por setores civis e militares.
Cuide dos seus comunistas
Durante a ditadura de 1964, sempre se posicionou com firmeza contra a perseguição a jornalistas de esquerda: como é notório, fez questão de abrigar muitos deles na redação do GLOBO. São muitos e conhecidos os depoimentos que dão conta de que ele fazia questão de acompanhar funcionários de O GLOBO chamados a depor: acompanhava-os pessoalmente para evitar que desaparecessem. Instado algumas vezes a dar a lista dos “comunistas” que trabalhavam no jornal, sempre se negou, de maneira desafiadora.
Ficou famosa a sua frase ao general Juracy Magalhães, ministro da Justiça do presidente Castello Branco: “Cuide de seus comunistas, que eu cuido dos meus”. Nos vinte anos durante os quais a ditadura perdurou, O GLOBO, nos períodos agudos de crise, mesmo sem retirar o apoio aos militares, sempre cobrou deles o restabelecimento, no menor prazo possível, da normalidade democrática.
Contextos históricos são necessários na análise do posicionamento de pessoas e instituições, mais ainda em rupturas institucionais. A História não é apenas uma descrição de fatos, que se sucedem uns aos outros. Ela é o mais poderoso instrumento de que o homem dispõe para seguir com segurança rumo ao futuro: aprende-se com os erros cometidos e se enriquece ao reconhecê-los.
Os homens e as instituições que viveram 1964 são, há muito, História, e devem ser entendidos nessa perspectiva. O GLOBO não tem dúvidas de que o apoio a 1964 pareceu aos que dirigiam o jornal e viveram aquele momento a atitude certa, visando ao bem do país.
À luz da História, contudo, não há por que não reconhecer, hoje, explicitamente, que o apoio foi um erro, assim como equivocadas foram outras decisões editoriais do período que decorreram desse desacerto original. A democracia é um valor absoluto. E, quando em risco, ela só pode ser salva por si mesma.”
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