Trinta anos depois, Lilian encara sequestrador

O policial Irno processa o jornalista
que denunciou o seqüestro em 1978

O ex-policial do DOPS gaúcho João Augusto da Rosa, codinome Irno, está processando o jornalista Luiz Cláudio Cunha, autor do livro Operação Condor: O Sequestro dos Uruguaios, lançado em 2008 pela editora L&PM.
O livro conta a história do sequestro de Lílian Celiberti, seus dois filhos menores e Universindo Diaz, ocorrido em Porto Alegre em novembro de 1978. Irno – ex-inspetor do DOPS e membro da equipe do delegado Pedro Seelig, principal nome da repressão no sul do país durante a ditadura militar – foi o agente que recebeu Cunha com uma pistola apontada para sua testa, no apartamento da rua Botafogo, no bairro do Menino Deus, onde os policiais do DOPS e oficiais do Exército uruguaio mantinham Lílian seqüestrada.
Irno – juntamente com outro policial do DOPS, o escrivão Orandir Portassi Lucas, o ex-jogador de futebol Didi Pedalada – foi reconhecido por Cunha e pelo fotógrafo J.B. Scalco como seqüestradores dos uruguaios. Ambos foram condenados pela Justiça em 1980.
Na ação, Irno pede indenização por dano moral, alegando que Cunha não menciona sua absolvição por “falta de provas” no recurso que apresentou em 1983, em segunda instância. O policial esqueceu de dizer que as “provas” do seqüestro – Lílian e Universindo – estavam então presas, sob tortura, nas masmorras da ditadura uruguaia, que acabou apenas em 1985.
O seqüestrador do DOPS gaúcho tenta reverter na Justiça a verdade que a imprensa brasileira publicou na época e que é recontada, em detalhes, no livro de Cunha: “Lembro apenas uma história que o Brasil todo conhece. Irno é um dos policiais que nós identificamos como seqüestradores dos uruguaios. O livro conta e reafirma uma história que narrei há 30 anos, na série de reportagens da revista Veja que ganhou os principais prêmios de jornalismo do país”.
Agora, 32 anos depois do sequestro, Irno terá que enfrentar não só a verdade publicada pela imprensa. Como uma das testemunhas de defesa de Cunha, a uruguaia Lílian Celiberti terá a chance de falar o que lhe foi sonegado dizer há três décadas.
Pela primeira vez desde 1978, Lilian estará frente a frente com o seqüestrador Irno na audiência do processo marcada para esta quinta-feira, dia 04/02, às 15h, na 18º Vara Cível, no Foro Central de Porto Alegre.
Operação Condor: O Sequestro dos Uruguaios – que em 2009 recebeu o troféu Jabuti da Câmara Brasileira do Livro e a Menção Honrosa do prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos – acaba de ser agraciado em Havana no Prêmio Casa de Las Américas de 2010, que reuniu 436 obras de 22 países. Cunha ganhou menção honrosa na categoria Literatura Brasileira, vencida pela escritora Nélida Piñon.

Relatório aponta articulações entre governos para matar Jango

Uma das conclusões do relatório final da Subcomissão da Assembléia Legislativa que investigou as circunstâncias da morte do o ex-presidente João Goulart, é que houve articulação entre as Forças Armadas e os serviços de inteligência dos governos brasileiro, uruguaio e argentino, mesmo antes da Operação Condor, para matar Jango.
“Apesar de não ser possível provar o assassinato, fortes indícios apontam para um crime premeditado”, aponta o documento, assinado pelo deputado Adroaldo Loureiro (PDT), que presidiu a comissão. O material foi entregue ontem na Comissão de Cidadania e Direitos Humanos e deve ser votado na próxima semana.
No relatório, Loureiro apresenta uma série de encaminhamentos para auxiliar a investigação do Ministério Público Federal e da Polícia Federal. Entre os pedidos está o fim do sigilo de todos os documentos relativos ao ex-presidente, até 1977, especialmente as comunicações com as embaixadas brasileiras de Montevidéu, Buenos Aires, Washington, Paris e Londres. Também pede às autoridades norte-americanas que tomem o depoimento do ex-agente da CIA, Frederick Latrash, para esclarecer sua participação no monitoramento de Jango.
Outro pedido de informações é sobre o papel do então integrante do DOPS, Romeu Tuma, hoje senador, na investigação dos passos de Jango na França.
Desde a morte de Jango em 1976, na Argentina, pairam muitas dúvidas sobre o fato. Recentemente essa questão voltou às manchetes da imprensa com as declarações do ex-agente do Serviço Secreto do Uruguai, Mario Neira Barreiro. Barreiro garante ter participado das ações para eliminar João Goulart.
Preso na Penitenciária de Alta Segurança de Charqueadas (Pasc) por envolvimento em tráfico de armas e assaltos à carro forte, Barreiro diz ter participado da operação para matar Jango. O método utilizado, segundo depoimento do ex-agente à Polícia Federal, foi trocar os medicamentos que João Goulart tomava por conta de problemas no coração.
A ordem teria partido do serviço de repressão do governo militar do Brasil. A cópia do depoimento já está em posse da subcomissão e é um importante instrumento para esclarecer os fatos. Barreiro deve ser ouvido pela subcomissão ao longo dos trabalhos, possivelmente no final de abril.