O presidente da Comissão Nacional da Verdade (CNV), Pedro Dallari, voltou a cobrar das Forças Armadas o reconhecimento da sua responsabilidade por torturas na ditadura (1964-85).
Na América Latina, o Chile, a Argentina e o Uruguai, militares e autoridades se desculparam pela violação de direitos humanos. A tortura e mortes nessas circunstâncias são classificadas como crime contra a humanidade.
“É preciso que as Forças Armadas reconheçam que houve essa realidade, pelo bem, inclusive, da reconciliação, uma das finalidades da Comissão da Verdade “, disse Dallari, ao deixar a Base Naval da Ilha das Flores, em São Gonçalo, na região metropolitana do Rio de Janeiro. Foi a última das sete diligências em instalações militares onde ocorreram torturas e mortes durante a ditadura.
Em setembro, o ministro da Defesa, Celso Amorim, disse que as Forças Armadas não negam. “Mas também não reconhecem, e é muito importante que reconheçam”, frisou Dallari.
Cerca de 200 presos políticos passaram pela base da Ilha das Flores, entre eles, os jornalistas Fernando Gabeira e Elio Gaspari e o novelista Aguinaldo Silva. Hoje, acompanhando o trabalho da comissão, estavam peritos, pesquisadores e 14 testemunhas, como Ziléa Reznik, uma das primeiras mulheres detidas pela ditadura no Rio. Em entrevista do lado de fora da base, onde a gravação foi permitida, Ziléa revelou detalhes dos abusos que sofreu no local.
“Tinha a a coisa sexual presente na tortura [contra mulheres]. A primeira coisa que eles mandavam era tirar a roupa. A roupa ficava de fora e eles passavam a mão na gente – era nua o tempo todo. Eles não estupravam, como fizeram depois, mas tinha todo o assédio, os xingamentos depreciativos, o terror psicológico com nossas famílias”, lembrou Ziléa, que à época integrava o Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8) e tinha 20 anos.
Outro militante do MR-8, Umberto Trigueiros Lima, confirmou o pau de arara, os espancamentos e a solitária, onde passou 15 dias. Durante as torturas, Trigueiros chegou a ser examinado por um médico conhecido por Dr. Coutinho, que verificava se os presos aguentavam os maus-tratos. “Ele atendia a gente nos interrogatórios, sob tortura. Se o preso desmaiava, ou qualquer coisa, ele tomava a pressão, auscultava, dizia se podia continuar ou não”, revelou.
Base da Ilha das Flores recebeu 200 presos políticos durante o regime militar Foto Tânia Rêgo/Agência Brasil
Na diligência desta terça-feira, a CNV recolheu provas e registrou as condições das instalações da base naval. A CNV e Comissão Estadual da Verdade querem que seja erguido na área um memorial em homenagem às vítimas do regime militar. No local, à beira da Baía de Guanabara, já funciona o Centro de Memória da Imigração, por ter recebido europeus no fim do século 19.
Desde o ano passado, a comissão visita instalações militares usadas para a prática de tortura pelas Forças Armadas, no Rio, em São Paulo, no Recife e em Minas Gerais. O objetivo da diligência é comprovar desvio de finalidade no uso das instalações. O material vai compor o relatório final da CNV, cujas atividades se encerram no dia 10 de dezembro, Dia Mundial dos Direitos Humanos.
Em documento divulgado em setembro, conhecido por Manifesto dos 27 Generais, um grupo de oficiais da reserva que atuou no regime militar fez críticas à CNV e disse que não será dada qualquer desculpa pelos crimes cometidos no período. A Marinha não se pronunciou. (Agência Brasil)
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Comissão da Verdade: militares alegam "erro histórico" para não falar
A imprensa teve que sair a pedido dos depoentes, mesmo assim eles não responderam nenhuma da perguntas dos membros da Comissão Nacional da Verdade.
Seriam ouvidos o general reformado Nilton de Albuquerque Cerqueira e os capitães Jacy e Jurandyr Ochsendorf, todos defendidos pelo advogado Rodrigo Roca, que orientou seus clientes a ficarem em silêncio.
“A questão não é colaborar, nem se defender. É evitar que erros históricos se repitam e acabem virando uma verdade”, disse o advogado, afirmando que a comissão foi induzida a um “erro histórico” ao divulgar uma foto do acidente em que morreu a estilista Zuzu Angel, na qual aparece o coronel Freddie Perdigão.
A imagem foi entregue à CNV pelo ex-delegado do Departamento de Ordem Política e Social (Dops) Claudio Guerra. “Com esse engano, causou-se um transtorno muito grande, acredito eu, para os parentes e para os companheiros de farda [do coronel Perdigão]. Quem declarou isso a Vossa Excelência, ou se enganou, ou te enganou, que é pior ainda”, disse o advogado ao coordenador da CNV, Pedro Dallari.
Dallari classificou a justificativa de incoerente: “Se há erro, o erro só pode ser corrigido com depoimentos, com elementos e com documentos. Não com silêncio. A declaração de que [o convocado ou convidado] não vai se manifestar sobre um assunto não ajuda na investigação”, disse Dallari. Ele ressaltou que a foto do acidente foi recebida de uma testemunha de grande credibilidade, que participou ativamente dos eventos. “Não podemos aceitar que haja contestação das informações por quem se nega a prestar depoimento, porque aí seria uma inversão da própria lógica do processo de investigação.”
Apesar de lamentar, o coordenador da comissão, no entanto, minimizou: “É claro que, para a CNV, seria muito importante que houvesse mais colaboração, mas eu diria que já temos elementos suficientes. A fala deles era importante do ponto de vista do direito de defesa, de eles poderem apresentar a sua versão dos fatos. Para mim, essa estratégia pode fazer sentido juridicamente, embora, do ponto de vista da imagem, seja péssima, porque quem fala que não tem nada a declarar em geral é quem é culpado. Se eles fossem inocentes, apresentariam a sua versão dos fatos.”
O general Nilton Cerqueira comandava a Polícia Militar do Rio de Janeiro na época do atentado do Riocentro, em 1981, e há um ofício em seu nome que pede a retirada do policiamento no dia doshow em que ocorreria o atentado. Em outra audiência pública sobre o caso, a CNV apontou essa estratégia como uma das formas de contribuir com o clima de terror no episódio, em que a bomba acabou explodindo no carro com os militares dentro. A participação de Nilton também é apontada no Araguaia e na Operação Pajuçara, em que foi morto o líder militante Carlos Lamarca, na Bahia. “Ele esteve relacionado diretamente a esses eventos. É protagonista de eventos dramáticos da história do Brasil”.
Mais de dez perguntas foram feitas a Nilton, e nenhuma foi respondida. De acordo com a advogada Rosa Cardoso, integrante da CNV, ele disse apenas que pediu para os jornalista deixarem o salão porque “a imprensa distorce tudo” e afirmou “que era um absurdo a comissão investigar o fato 30 anos depois”.
Os irmãos Jacy e Jurandyr são apontados como participantes da farsa montada para sustentar a versão de que o deputado Rubens Paiva foi resgatado por guerrilheiros e fugiu, encobrindo o fato de ter sido torturado e morto.
“Estavam vinculados ao DOI-Codi e participaram diretamente da operação de simulação da fuga de Rubens Paiva. Depois, a comissão apurou que Rubens Paiva não fugiu, foi executado no DOI-Codi, e o que se fez foi forjar a fuga do parlamentar. Os capitães Jacy e Jurandyr tiveram participação direta no evento, como foi relatado por um colega deles.”
Antes do depoimento de Jurandyr, membros da CNV chegaram a insistir que ele falasse, e, se não fosse falar, que a imprensa pudesse acompanhar as perguntas. Em resposta, o militar respondeu apenas que “permaneceria calado” e que “preferia a ausência da imprensa”.
O jurista João Paulo Cavalcanti Filho, que pediu a permanência da imprensa, classificou a posição de uma “deselegância”, já que os jornalistas tiveram que sair do salão no início de cada depoimento. Cinegrafistas e fotógrafos foram impedidos pela segurança pela Polícia Federal de fazer imagens do embarque dos dois últimos depoentes, Jacy e Jurandyr, em carros no pátio interno do Arquivo Nacional.
Vinícius Lisboa – Repórter da Agência Brasil Edição: Nádia Franco