Pec da água agora vai a votação no plenário da Assembleia

Após quatro anos tramitando na Assembleia Legislativa, a Proposta de Emenda a Constituição (PEC) que dispõe sobre a água como um serviço público essencial à vida foi aprovada pela Comissão de Saúde e Meio Ambiente, nesta quarta-feira (07/12).
Reapresentada esse ano pelo deputado Luiz Fernando Schmidt (PT) e outros 24 deputados, a proposta já está apta para ser votada em sessão plenária.
A PEC da água, como ficou conhecida, acrescenta um novo artigo à Constituição do Rio Grande do Sul, garantindo o caráter público dos serviços de água e saneamento. Na prática, se aprovada na votação plenária, impedirá a privatização da água no Estado.
Na reunião ordinária desta manhã, a PEC foi aprovada por unanimidade. Agora a emenda segue para plenário, onde precisará de 3/5 dos votos dos deputados, em dois turnos.
A PEC determina que os serviços de água e esgoto só poderão ser prestados por empresas públicas ou de economia mista com o controle do poder público estadual. Ou seja, os municípios podem receber os serviços da Corsan, ou ter empresas municipais com pelo menos 51% de controle público do capital votante e do capital social. O deputado Schmidt comemorou a aprovação e ressaltou que o propósito é de assegurar que as questões de ordem social prevaleçam sobre razões de ordem econômica. “As águas de domínio do Estado são um bem público essencial à vida, cujo uso deve ficar subordinado ao interesse da população”, justificou.

A defesa da água como um bem público

Para uma plateia formada quase que exclusivamente por militantes de entidades contrárias a privatização da água, ocorreu nesta sexta-feira (21) a reunião final do Seminário Internacional das Águas.
Realizada no plenário da Assembleia Legislativa gaúcha, o evento contou com a presença de cerca de 300 pessoas, nenhum político acompanhou a sessão.
O  seminário teve por objetivo realizar uma reflexão sobre o futuro da gestão da água no Estado, além de ser uma preparação para o Fórum Social Temático, a ser realizado no mês de janeiro, em Porto Alegre.
O foco central do debate é a visão que considera a água um bem público, um produto fundamental para a vida e a saúde que não poderia ter caráter econômico.
Entre os palestrantes, o presidente da Corsan, Arnaldo Dutra, expos a posição da estatal, contrária a privatização do setor. “A privatização de serviços veio no bojo do raciocínio de que tudo que vem do Estado é ruim – uma corrente ideológica vinda da Inglaterra, que pregava que a iniciativa privada deveria ocupar todos os espaços. E a água passou a ser objeto de cobiça por ser um bem natural finito e de fácil mercantilização”, analisou.
Arnaldo Dutra fez fortes críticas à maneira pela qual a Corsan estaria sendo retratada na grande mídia e por inúmeros prefeitos do Estado: “há um patrocínio de ataques a empresa. Um rompimento de cano, por exemplo, numa estrutura grande e complexa é quase normal, mas, muitas vezes, usa-se isso como justificativa e prova da ineficiência da estatal”.
Criticou ainda o modelo da privatização usado na cidade de Uruguaiana, primeiro município que firmou acordo com a iniciativa privada no Estado. Segundo Dutra, “foi feito um contrato com uma nova empresa sem nenhum ressarcimento a Corsan, ou a qualquer órgão do Estado, e há ainda vantagens em contrato que garantem empréstimos públicos no caso de eventuais prejuízos em investimentos feitos pela empresa privada”.
A Foz do Brasil, empresa ligada ao Grupo Odebrecht, desde o último mês de junho é responsável pelos serviços de água e esgoto em Uruguaiana.
Para Dutra, a chamada universalização da água precisa de um olhar social, e não apenas um viés econômico. A Corsan atende hoje 324 municípios, cobrando uma taxa igual em todos eles, inclusive nos menores, quase todos deficitários.
Sobre a PEC da água, proposta para mudar a constituição do Estado que visa impedir a entrada de capital privado no setor de abastecimento, foi colocado que não é um projeto da Corsan. A PEC representaria as preocupações do povo – “a Corsan tem que se ajudar, ela mesmo procurar se modernizar e atingir seus objetivos. A PEC discuti o conceito da água com bem público”, finalizou Dutra.
Já Leandro Almeida, representante do Comitê em Defesa da Água Pública/Brasil, e diretor do Sindagua- RS, falou sobre o novo Plano Nacional de Saneamento. O PAC prevê investimentos no setor de R$ 45 bilhões até o ano de 2015. Porém, o próprio governo diz que tais metas não seriam atingidas sem a ajuda do setor privado.
Para Almeida, há promessa do governo de garantias financeiras a empresas que invistam em saneamento, o que faz com que muitos municípios fiquem deslumbrados com a possibilidade de investimento do setor privado.
Com uma defesa enfática do setor público, alegou que não há interesse do setor privado por cidades onde o lucro é pequeno ou nulo, pra ele só o setor publico daria conta de atender comunidades menores, que não possuem atrativos financeiros.
“No caso de Uruguaiana, não houve ressarcimento pela iniciativa privada, a Foz do Brasil, braço da Odebrecht, se diz interessada na cidade em outras do mesmo porte – mas não sabe se quer outras cidades menores”, mencionou Almeida.
Marco regulatório
Vale lembrar que empresas públicas como a Corsan vivem um novo momento deste a regulação do setor, com a lei nº11.445 de 2007. Com o marco regulatório os municípios passaram a ser responsáveis pelo planejamento do saneamento básico. Com isso, as estatais têm um novo papel, são agora prestadoras de serviços, somente cabendo a elas a execução dos trabalhos.
Até 2007 existia o modelo ainda implantado no Regime Militar. Os Estados constituíram empresas públicas ou sociedades de economia mista (Companhias Estaduais de Saneamento Básico – CESBs), que passaram a prestar o serviço nos Municípios, mediante a celebração de contratos de concessão. Com o passar do tempo o modelo mostrou-se antidemocrático e ineficaz, principalmente pelo uso político do setor e falta de investimentos.
Agora, muitos municípios no país têm optado por desvincular-se da companhia estadual, na expectativa de poder oferecer serviços de melhor qualidade a menores tarifas.
Exemplos internacionais
Último a falar no debate, O ambientalista italiano Maurizio Gubbiotti, Coordenador do Comitê Nacional de Legambiente/Itália, destacou as mudanças ocorridas tanto na Europa quanto na América Latina sobre o caminho a seguir na questão do saneamento.
França, Itália, Bolívia, Argentina e Uruguai são exemplos de países que discutiram amplamente o modelo de gestão dos serviços de abastecimento de água e optaram por mantê-lo sob controle público.
Em alguns casos, os serviços que foram privatizados voltaram a ser públicos, em função de reajustes abusivos das tarifas e da exclusão de segmentos da população pobre. Em Paris, por exemplo, os serviços de água foram remunicipalizados em 2010, depois da privatização comandada por Jacques Chirac em 1985, cujo resultado foi a apropriação dos lucros pelos controladores privados, em detrimento dos investimentos.
No caso italiano, o ambientalista salientou a enorme vitória em referendo realizado em junho de 2010, naquele país. Os Italianos rechaçaram a privatização dos recursos hídricos por 95,7% dos votos validos. E 96,2% foram favoráveis à revogação de outro artigo que previa que a taxa de serviço da água fosse determinada tendo em conta o retorno sobre o investimento.
Segundo dados oficiais, 57% dos italianos participaram das consultas. O movimento vitorioso, composto por associações de consumidores e instituições populares recolheram um milhão e 400 mil assinaturas pela realização do plebiscito, e fez uma intensa campanha para que os eleitores votassem.
“Em conjunto, propusemos os referendos pelo retorno ao serviço público do serviço de águas. Com a ajuda de todos, podemos reapropriar-nos deste bem precioso: a água… Existem 2.6 bilhões de pessoas que não tem acesso a água potável e tratamento de esgoto. A maior parte dessas pessoas são mulheres e crianças, e dever de todos lutar pela não comercialização da água” conclui Maurizio Gubbiotti.