Brasil precisa de consolidação das leis ambientais

Geraldo Hasse
Se tivesse autoridade para orientar o debate sobre a reforma do Código Florestal, eu obrigaria todas as instâncias governamentais a promover o cruzamento do tema florestal com a política agrícola, a gestão das águas, o uso das propriedades rurais e assuntos correlatos, entre eles a reforma agrária, “esquecida” pelo governo em respeito ao zelo patrimonialista dos provedores do Agronegócio.
Tudo que diz respeito ao Código Florestal e assuntos afins deveria ser juntado numa espécie de Consolidação das Leis Ambientais, tendo por objetivo e referência a sustentabilidade de cada bioma ou ecossistema. Isso ainda é possível pois o projeto do novo Código Florestal vai ficar no Senado por cerca de quatro meses, durante os quais passará por três comissões (meio ambiente, agricultura e constituição-e-justiça). É provável que a votação final ocorra apenas na primeira quinzena de dezembro, isso se os senadores não empurrarem o desfecho final para o primeiro semestre de 2012.
Na real, é bom que se estique o prazo para discussão, pois a urgência em mudar o Código Florestal atende exclusivamente à ânsia empreendedora dos senhores rurais associados aos segmentos industriais e comerciais situados a jusante e a montante de lavouras e criações.
Essa correria capitaneada pela senadora “faca-na-bota” Kátia Abreu virou um deus-nos-acuda que desvia a atenção de outros problemas intocados nas áreas agrícola e ambiental. Entre eles destacam-se a poluição dos cursos d’água por venenos agrícolas, dejetos industriais e esgotos domésticos. Além de licença para desmatar, os agronegociantes querem liberdade para plantar sementes transgênicas e aplicar impunemente nas lavouras produtos tóxicos que contaminam até os aquíferos subterrâneos.
Ao focar apenas o manejo da vegetação, esquece-se deliberadamente que toda floresta, pequena ou ampla, rala ou densa, é um manancial de água.
Tendo por base a última versão do código, que dispensa de recuperação vastas áreas desmatadas, um recente estudo do IPEA concluiu que haverá um aumento de áreas degradadas e do passivo ambiental. Segundo o estudo do IPEA, a área isenta de preservação chegaria a 79 milhões de hectares, mais do que a área ocupada por lavouras no país (60 milhões de hectares).
Se permanecer tal como foi aprovado em 24 de maio pela Câmara dos Deputados, o novo Código Florestal vai permitir a manutenção de atividades agrossilvopastoris, de ecoturismo e de turismo rural nas áreas de preservação permanente (APPs) desmatadas até 22 de julho de 2008. Entre outras alterações, a nova lei retira a proteção de topos de morros, restingas e altitudes inferiores a 1.800 metros. Além disso, admite culturas lenhosas perenes (árvores madeireiras), atividades florestais e de pastoreio nas APPs de topo de morro, encostas e de altitudes elevadas (acima de 1.800 metros). Em manguezais com função ecológica já comprometida, o texto permite a urbanização e a regularização fundiária.
“A manutenção de plantios e pastagens em áreas de APPs é absurda, pois significa eternizar o dano ambiental provocado”, disse ao Jornal da USP o professor de botânica Sergius Gandolfi, da Escola Superior de Agricultura de Piracicaba. Para ele, está se garantindo assim o assoreamento dos rios, lagos, açudes e represas com o sedimento produzido pela erosão das áreas de agricultura e pecuária.
Outra mudança importante é a redução pela metade (de 30 para 15 metros) da obrigação de se manter a vegetação original nas margens de cursos d’água de até 10 metros de largura, que constituem a grande maioria (90%) dos rios. “Isso significa colocar áreas agrícolas mais próximas dos rios e assim aumentar o seu assoreamento”, afirma Gandolfi.
Outro professor, Marcos Vinícius Folegatti, recomenda a adoção do conceito de bacia hidrográfica e a observação dos ciclos hidrológicos em cada região, sem o que a nova lei continuará sendo uma ameaça ao meio ambiente. O conceito de bacia hidrográfica foi introduzido originalmente no Paraná nos anos 1980 por técnicos franceses, iniciando uma revolução que se espalhou por algumas regiões do país graças à adesão de técnicos do governo. Não há uma palavra sobre bacia hidrográfica em quaisquer dos códigos florestais, novo ou velho.
É consenso que o atual Código Florestal, criado em 1965, não conseguiu preservar nem recuperar áreas degradadas, já que prevalece entre a maioria dos brasileiros a noção de que a preservação ambiental prejudica os agricultores. Com seu novo formato feito às pressas para atender aos anseios do Agronegócio, o código de 2011 tende a intensificar o modelo tradicional de ocupação do solo.
Nas próximas décadas, ocupando principalmente áreas de pastagens degradadas (ex-florestas), as lavouras brasileiras tendem a ocupar 100 milhões de hectares, 10% dos quais irrigados. Se essa expansão não for feita sob uma legislação ambiental mais arejada, com certeza se aumentará o grau de insustentabilidade da nossa agricultura e, por extensão, do modo de vida de toda a sociedade brasileira. Por isso é necessário consolidar um conjunto de leis ambientais capaz de sepultar o modelo de terra arrasada.

Barrados na audiência pública

Por Ana Lúcia Mohr

Somente as partes e os jornalistas portadores de credenciais puderam assistir à audiência pública de conciliação entre MST, Incra e MPF realizada ontem no prédio da Justiça Federal de Canoas. Os demais integrantes do MST e os mais de 100 apoiadores presentes ficaram do lado de fora.
João Procópio tentou entrar para assistir a audiência. Presidente do Sindicato dos Comerciários de Alegrete, ficou indignado por ter sido barrado. “Quando o Lula disse que a justiça é uma caixa preta ele não foi racista: foi realista”, disse.
A audiência pretendia resolver os recentes problemas envolvendo o movimento e a entidade, em especial o destino das cerca de 350 famílias de trabalhadores sem-terra acampados no município de Nova Santa Rita (50 famílias defronte à Fazenda Granja Nenê e 300 famílias em área do Assentamento Santa Rita de Cássia 2). Quem ficou do lado de fora ouviu os discursos do vereadores de Nova Santa Rita José Rosales e Lebrão (ambos do PT), dos vereador de Canoas Nelsinho Metalúrgico (PT) e do deputado estadual Dionilson Marcon (PT), de João Procópio (CTB) e de Rodrigo Baggio (representando o DCE da Ufrgs).

Nas falas, o fechamento das escolas itinerantes foi lembrado por todos. “Onde está escrito na lei que é proibido ter ideologia?”, questionou José Rosales. O vereador também argumentou que as escolas foram colocadas na ilegalidade de maneira arbitrária: “Nem o juiz nem o promotor consultaram a população”. Baggio lembrou que os professores da Faculdade de Educação da UFRGS divulgaram uma nota na qual dão respaldo às escolas itinerantes.
“É muito fácil ser valente contra os pobres, eu quero ver ser valente contra os ricos. O MST é exemplo de como se deve enfrentar a pobreza: lutando”, gritava Nelsinho. Ele também reclamou o cumprimento da Constituição, em particular do Artigo V, inciso 23. “Eu quero ver o juiz fazer cumprir a parte que diz que a terra tem que ter função social”.

Marcon foi o único a dizer que a audiência pública deveria servir para trazer de volta o superintendente do Incra, Mozar Dietrich, retirado do cargo no dia 6 de maio.
Foi acordado que as famílias acampadas defronte à Fazenda Granja Nenê se deslocarão para a área do Assentamento Santa Rita de Cássia 2 em 48 horas. Na manhã de ontem o acampamento começou a ser desmanchado. O INCRA assumiu o compromisso de assentar 100 famílias em até 30 dias. O compromisso ainda prevê que outras 258 sejam assentadas até o final de 2009.  Conforme o acordo, o Acampamento Jair da Costa deve ser desfeito até o final do ano. Até lá, mais ninguém poderá se agregar ao Acampamento, muito menos se cadastrar para receber um lote de terra.
Leandro da Silva, do Coletivo de Imprensa do Acampamento Jair, diz que esse um ano dá aos acampados um tempo para pensar no que fazer. Ele afirma que o resultado da audiência constituiu uma derrota política do juiz Guilherme Pinho Machado e uma vitória do Movimento, que permaneceu no Acampamento, promoveu jejuns em 6 pontos do Estado e fechou estradas. Conforme ele, “em 25 anos de Movimento foi a primeira vez na história que a gente teve que cavar trincheiras em nossa própria casa”.
A greve de fome em frente à Justiça Federal de Canoas, que havia iniciado no dia 7, terminou no final da tarde de ontem, quando também o acampamento ali instalado se desfez.

MST transfere jejum para Canoas

O MST realiza agora um grande ato junto com as entidades estudantis e sindicais em frente ao Ministério Público Federal (MPF) anunciando a transferência do jejum, que já dura 4 dias. Os acampamento montado ao frente MPF em Porto Alegre, que conta então com 30 pessoas, será transferido para a frente do Judiciário de Canoas.
Nesta manhã, mais um jejuante precisou receber cuidados médicos, o Padre Rudimar Dalasta, da Comissão Pastoral da Terra. Ontem, o agricultor Carlito Zanfonato passou mal e recebeu atendimento médico. A greve deve continuar até que a ordem de despejo seja retirada, bem como até que as demais reivindicações sejam atendidas.
Os agricultores protestam contra ações de criminalização como o fechamento das escolas itinerantes, o despejo do Acampamento Jair Antonio da Costa de dentro de uma área de assentamento e pedem o cumprimento do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), elaborado pelo MPF e assinado pelo INCRA, que previa o assentamento de 2 mil famílias até o final do ano passado, o que não ocorreu. Em nota divulgada no final da tarde de ontem, o MPF alega que vem trabalhando para que o TAC seja cumprido. Conforme a entidade, até agora 1113 famílias foram assentadas, tendo o INCRA assumido o compromisso de, até meados de maio, assentar mais 726 famílias, totalizando 1839 famílias. Informou ainda que, “como resultado da execução do TAC deverão ser assentadas mais 148 famílias, totalizando 1987 famílias beneficiadas”. Estes números divergem dos do MST, segundo o qual até agora somente 500 famílias foram assentadas.
ARROZ – Na nota, o MPF também anunciou o afastamento do Superintendente do INCRA no Estado, Mozar Dietrich, que é acusado de ser cúmplice do “arrendamento irregular” de terras em Santa Rita de Cássia II, assentamento localizado em Nova Santa Rita. O MPF suspeita que Dietrich repassava o dinheiro da venda do arroz para o MST. Por isso, o grão está sendo confiscado. O MPF declarou ainda que “a atuação do Ministério Público Federal tem o propósito de fazer cumprir a Constituição, não compactuando com condutas irregulares, ainda que praticadas dentro de assentamentos”.
Em contrapartida, em 16 de abril, o Movimento afirmou em nota que é contra qualquer tipo de arrendamento em assentamentos: “Sempre pressionamos o INCRA para que estas práticas fossem combatidas e que as medidas necessárias fossem tomadas.” O MST também declarou que não recebeu qualquer dinheiro da venda do arroz.
No dia 23 de abril, os assentados em Santa Rita de Cássia II fizeram protesto na BR 386 contra o desvio da colheita do grão do assentamento. Segundo os assentados, arrendatários que plantaram de forma irregular colhem e retiram o arroz da área clandestinamente, com a cumplicidade da Polícia Federal.

Trabalhadores sem-terra fazem greve de fome em frente ao MPF

Jejum continua por tempo indeterminado

“Vamos ficar aqui até quando o MP tiver uma resposta para nós”, diz Gisele, uma das 30 pessoas acampadas defronte à sede do MPF. A ação visa a chamar atenção para a criminalização dos movimentos sociais, bem como para o caso específico do Acampamento Jair Antonio da Costa, localizado em Nova Santa Rita, onde os acampados resistem à ordem do despejo vencida em 24 de abril.

Ontem o procurador-geral conversou com os integrantes do Movimento. “Ele disse que ia juntar as peças, que ia falar com o procurador de Canoas porque não estava reconhecendo isso”, relata Gisele.
Enquanto isso, no Acampamento Jair Antonio da Costa, os acampados vivem momentos de tensão. Conforme Gisele, até mesmo as crianças já sabem que o despejo está prestes a ocorrer. “Quando os helicópteros passam, eles se abraçam em nós e choram”. “As crianças não conseguem mais brincar”.
Além de membros do MST, também um padre e uma freira da Pastoral da Terra jejuam. Os Sem-Terra tem apoio do DCE da UFRGS e de diversos movimentos sociais da cidade, que devem entregar em breve uma carta de repúdio a ação do MPF as autoridades.