O ofício de fotógrafo foi altamente reverenciado na pessoa de Sebastião Salgado, 69 anos, no programa noturno Roda Viva de 16/9. O capixabamineiro de Aimorés, que voltou a morar no Brasil após rodar 30 anos pelo mundo clicando poderosos & miseráveis em seus respectivos ambientes, parecia pouco à vontade diante das câmeras e luzes mas ficou gratificado com as perguntas da bancada de entrevistadores/admiradores: João Wainer, Washington Olivetto, Matheus Shirts, Beto Ricardo e Simonetta Persichetti.
Seguidamente lembrado pelos entrevistadores, o “gancho” do programa eram o livro e a exposição GENESIS (no SESC de São Paulo), nos quais o fotógrafo mais badalado do Brasil exibe uma coletânea de fotografias de diversos animais, desde o homem até tartarugas, gorilas e jacarés.
Segundo o autor, o livro está com previsão de vender 1 milhão de exemplares em oito idiomas, fora a edição especial de 3 mil exemplares em formato gigante (100 cm x 35 cm) com valor de obra de arte: US$ 5 mil cada. Uau!
Depois de toda essa marquetagem, foi redundância o apresentador Augusto Nunes agradecer, no final, a boa vontade do artista em “abrir uma brecha em sua apertada agenda” para comparecer ao Roda Viva – coisa rara, a entrevista não foi ao vivo, o que lhe roubou parte da espontaneidade.
Ainda bem que o retratista tem luz própria, aqui e ali retocada pela mão de Lélia, sua mulher e produtora, responsável por todos os seus contatos e contratos. “Sim, ela é quem manda!”, disse Salgado, despojando-se humildemente do mito do repórter-solitário-que-enfrentou-mil-desafios carregando uma máquina fotográfica.
Nada disso, ele só vai a campo com tudo armado para não perder a viagem. Na Sibéria teve apoio de veículos do Exército russo. No deserto da Etiópia era guiado por um satélite e sua comitiva compunha-se de um assistente e 15 carregadores transportados por jumentos.
Quando fotografou casualmente o atentado ao presidente Ronald Reagan, em 1981, a serviço do NY Times, desfrutava de cobertura especial de um agente do FBI. Foram essas fotos que lhe deram a fama inicial com que se lançou como fotógrafo da agência Magma. Referências? Citou apenas Cartier-Bresson, o papa da fotografia em preto e branco. Salgado não lembrou nenhum dos cardeais do retratismo brasileiro.
Com toda essa bagagem, o retratista que se profissionalizou apenas em 1973, aos 29 anos, fez uma bela defesa da fotografia como um ofício jovem (apenas 100 anos) que muda tecnicamente a todo momento mas não perde o poder de captar e revelar o mundo contaditório em que vivemos, no qual se veem mil matizes do luxo ao lixo. “Ser fotógrafo é um privilégio”, disse ele, depois de lembrar que as mudanças tecnológicas não alteraram a essência desse ofício extraordinário.
Quem não se lembra das máquinas dos lambe-lambes? E dos negativos de vidro? Dos flashes de magnésio? Das Rolley Flex? Das Leikas? Das Nikon? Das maquininhas Kodak? Do papel fotográfico? Dos filmes P&B? Dos diapositivos? Agora estamos na era das câmeras digitais que não apenas fotografam mas também registram os movimentos das pessoas.
Paradoxalmente, Salgado acha que a última revolução técnica, que fez a fotografia interagir com as ferramentas digitais e dar vida à parafernália da Internet e da telefonia, banalizou a captação e a difusão de imagens. “Hoje todo mundo fotografa mas pouca gente olha de verdade o que as fotos mostram”, disse, revelando o quanto se mantém lúcido diante do que rola no mundo. Lúcido e otimista quanto à evolução positiva da relação do homem com a natureza.
Respondendo a uma pergunta, SS disse que está preocupado em deixar seu acervo num lugar que tenha recursos para mantê-lo. Gostaria que fosse no Brasil, mas já vem mantendo conversações com gente do Canadá e do Texas. Fazer o quê?
As revistas internacionais que financiavam seu trabalho refluíram diante do fortalecimento da Internet. Por isso desde 2008 passou a contar com o apoio da Vale, a empresa que marcou sua infância na propriedade rural da família no vale do rio Doce.
O local está sendo reflorestado com espécies nativas com consultoria do engenheiro florestal Renato de Jesus, que dedicou toda sua vida profissional à Floresta de Linhares. O nome da ong do fotógrafo é Instituto Terra.
Mesmo cansado dessa vida emocionante de registrar a vida de diversas espécies animais, com ênfase nos seres humanos, SS está numa empreitada na Amazônia, onde ainda vivem dezenas de tribos indígenas isoladas e arredias. Nesse projeto conta com a parceria da jornalista (capixaba ancorada no Rio) Miriam Leitão, que vem apostando em derivativos ecológicos após décadas como repórter de economia.
link para ver a entrevista no Roda Viva:
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Sou um contador de histórias”
Sebastião Salgado
Tag: Roda Viva
“O jornalismo envelheceu décadas nos últimos anos”
A avaliação é do jornalista Renato Rovai, editor da Revista Fórum. Embora não tenha ligação formal com o Fórum Social Mundial, a publicação paulista foi criada durante o evento, em 2001, em Porto Alegre.
Desde então, vem acompanhando os movimentos sociais e midiáticos inspirados na auto-gestão, ideia disseminada pelos Fóruns e até hoje pouco compreendida pela maioria da sociedade.
Leia o seu relato da entrevista do Mídia Ninja ao Roda Viva.
Pablo Capilé e Bruno Torturra estiveram na noite desta segunda-feira no Roda Viva da TV Cultura. Deram um show e uma aula de comunicação para uma bancada que parecia atordoada e sem conseguir entender o que está acontecendo por fora das corporações midiáticas.
A bancada do programa foi coordenada pela última vez por Mário Sérgio Conti, que será substituído pelo glorioso Augusto Nunes. Além dele, participaram do debate Eugênio Bucci, Caio Túlio Costa, Suzana Singer e Alberto Dinnes. Por parte de alguns, o espetáculo foi deprimente. Sem exagero.
Alberto Dines parece ter sido o único a entender o significado da Mídia Ninja. E foi também o único que tentou debatê-la como uma nova experiência jornalística e não como coisa de um grupo que precisa explicar de onde vem o dinheiro que o financia e a que partido seus integrantes estão vinculados.
Tudo que acontece por fora do mercado tradicional só pode ter algum vínculo com grupos políticos. E tem sempre algo de suspeito. Foi esse o recado que a turma dos jornalistas tentou mandar pra audiência. E foi desmoralizada na tese com respostas tranquilas e equilibradas de Torturra e Capilé.
Suzana Singer teve que engolir seco e ver Capilé relembrando uma coluna dela onde a ombudsmann da Folha chamava a atenção para o fato de o jornal não citar o PSDB num escândalo.
Muito mal
Mário Sérgio Conti também ouviu, quase que tossindo, Torturra dizer que a TV Cultura também não é tão independente assim até porque nunca tratou com transparência o caso da demissão de Heródoto Barbeiro. Pra quem não conhece a história, Heródoto foi demitido a pedido de Serra .
Eugênio Bucci foi muito mal. Quando se viu perdido decidiu fazer perguntas tão longas que parecia querer se auto-entrevistar. Ao falar de quanto se gasta em publicidade no governo tentou exagerar nos números dizendo que nos dados que Capilé trouxe não contabilizavam os recursos das estatais.
E contabilizavam. Falou do governo federal, mas não citou, por exemplo, os gastos do governo do Estado. Aliás, ele sempre se esquece desse “personagem” quando trata do assunto. Proporcionalmente o governo do Estado de São Paulo gasta muito mais com publicidade do que o governo federal.
O Roda Viva de ontem foi uma demonstração de como o jornalismo tradicional envelheceu algumas décadas nos últimos anos. Se fosse um jogo de futebol, o baile que a bancada tomou da dupla Capilé e Torturra teria sido mais constrangedor do que a que o Santos levou do Barcelona. Foi triste de ver.
Mas ao mesmo tempo também foi feliz. Tem coisa nova rolando. E o jornalismo não é mais refém da turma do mesmo de sempre. Hoje ele tá na mão de quem acredita na reinvenção