Ganha grande repercussão nos meios acadêmicos o editorial da revista Scientific American, na edição de, julho de 2009, questionando o controle que as empresas sementeiras estabeleceram nas pesquisas sobre os transgênicos. “Cientistas precisam pedir permissão às empresas antes de publicar pesquisas independentes sobre lavouras transgênicas. Esta restrição precisa acabar”, diz a revista.
O texto está circulando na Internet como uma definitiva demonstração da “farsa dos transgênicos”. Talvez não seja tanto, mas sem dúvida ele coloca em outro patamar a discussão que até agora engantinhou.
Leia a íntegra do editorial:
As empresas sementeiras controlam a pesquisa sobre transgênicos?
“Avanços na tecnologia agrícola — incluindo, mas não apenas, a
modificação genética em culturas alimentares — tornou as lavouras
mais produtivas do que nunca.
“Agricultores produzem mais e alimentam mais pessoas usando menos terra. Eles também podem usar menos agrotóxicos e reduzir o número de aragens que provocam erosão. E dentro dos próximos dois anos, empresas de tecnologia agrícola planejam introduzir lavouras avançadas desenvolvidas para resistir a ondas de calor e a secas, características de resiliência que se tornarão cada vez mais importantes num mundo marcado pelas mudanças climáticas”.
“Infelizmente, é impossível verificar se as lavouras transgênicas de
fato apresentam a performance propagandeada. Isto porque as empresas
de tecnologia agrícola outorgaram-se poder de veto sobre o trabalho de
pesquisadores independentes”.
“Ao comprar sementes transgênicas, qualquer cliente é obrigado a
assinar um acordo que limita o que pode ser feito com as sementes (se
você instalou algum software recentemente, saberá reconhecer o
conceito de acordo de licença do usuário final)”.
“Acordos são considerados necessários para proteger os direitos de propriedade
intelectual das empresas, e eles justificadamente proíbem a replicação
dos aprimoramentos genéticos que tornam estas sementes únicas. Mas
empresas de biotecnologia como a Monsanto, a Pioneer e a Syngenta
foram além”.
“ Por uma década seus acordos de usuários vêm explicitamente
proibindo o uso de sementes para qualquer pesquisa independente. Sob a
ameaça de litígio judicial, cientistas não podem testar uma semente
para explorar as diferentes condições sob as quais ela prospera ou
falha”.
“Eles não podem comparar sementes de uma companhia com aquelas
de outra empresa. E talvez mais importante, eles não podem examinar se
lavouras transgênicas apresentam efeitos ambientais colaterais inesperados”.
“Pesquisas sobre sementes transgênicas ainda são publicadas, é claro.
Mas somente estudos que recebem a aprovação das empresas de sementes
são aceitos para publicação em periódicos científicos”.
“Em muitos casos, experimentos que receberam um aval implícito das sementeiras
para seguir adiante tiveram posteriormente sua publicação bloqueada
porque seus resultados não eram positivos sob a ótica das empresas”.
” – É importante compreender que não se trata apenas de uma recusa geral
para todos os pedidos de pesquisa, o que já seria ruim o bastante, mas
sim de recusas e permissões seletivas baseadas na percepção das
indústrias sobre o quão ‘amigável’ ou ‘hostil’ um cientista em
particular pode ser em relação à tecnologia [de aprimoramento
genético]”, escreveu Elson J. Shields, um entomologista da
Universidade de Cornell (EUA), em uma carta a um representante da
Agência de Proteção Ambiental (EPA, o órgão do governo americano
encarregado da regulamentação dos transgênicos no que tange as
consequências para o meio ambiente)”.
“Shields é o porta-voz de um grupo de 24 pesquisadores de insetos que
se opõem a estas práticas. Pelo fato de os cientistas dependerem da
cooperação das empresas para a realização de suas pesquisas — eles
precisam, afinal de contas, ganhar o acesso às sementes para realizar
os estudos — a maioria preferiu permanecer anônima com medo de
represálias”.
“O grupo submeteu uma declaração ao EPA protestando que
o resultado do acesso restrito [às sementes] é que nenhuma pesquisa
verdadeiramente independente pode ser legalmente conduzida sobre
muitas questões críticas a respeito da tecnologia”.
“Já seria assustador o bastante se qualquer outro tipo de empresa fosse
capaz de evitar a realização de pesquisas independentes para testar
seus produtos e relatar suas descobertas — imagine fabricantes de
carros tentando impedir as comparações entre modelos de diferentes
empresas feitas pela Consumer Reports [uma revista para consumidores
de grande circulação nos EUA, produzida pela ONG Consumers Union], por
exemplo”.
“Mas quando cientistas são impedidos de examinar os
ingredientes do suprimento alimentar da nossa nação ou de testar o
material vegetal que cobre uma grande porção das terras agrícolas do
país, as restrições sobre a pesquisa livre tornam-se perigosas”.
“Embora nós prezemos a necessidade de proteção dos direitos de
propriedade intelectual que impulsionaram os investimentos em pesquisa
e desenvolvimento que levaram aos sucessos da tecnologia agrícola, nós
também acreditamos que a segurança dos alimentos e a proteção do meio
ambiente dependem de que os produtos agrícolas tornem-se disponíveis
ao escrutínio científico regular”.
“Empresas de tecnologia agrícola deveriam portanto suspender imediatamente as restrições à pesquisa impostas por seus acordos de usuário final. Indo além, a EPA deveria também exigir, como uma condição para a aprovação da venda de novas
sementes, que pesquisadores independentes tenham acesso irrestrito a todos os produtos disponíveis no mercado”.
“A revolução agrícola é importante demais para ficar escondida atrás de portas trancadas”.
[Scientific American, editorial da edição de agosto de 2009, publicado
em 21/07/2009. http://www.scientificamerican.com/article.cfm?id=do-seed-companies-control-gm-crop-research]