Por André Guerra
Ativistas ligados a movimentos sociais alegam que o FSM teria se transformado em um “megaevento”.
“A coisa toda me parece, cada vez mais, um megaevento, como uma Olimpíada ou Copa do Mundo: um formato fechado, uma periodicidade definida e um alto investimento para acontecer. O fórum se tornou um evento que não faz a pergunta necessária: será que ainda está realmente servindo como espaço de organização para os movimentos sociais?”, critica Rodrigo Guimarães Nunes. Ele é PhD em filosofia pela Universidade de Londres, editor da revista internacional Turbulence e membro do Comitê Popular da Copa de Porto Alegre.
Guimarães Nunes tem um histórico considerável em participações no Fórum Social Mundial: participou ativamente na organização de todas as edições de Porto Alegre, desempenhando várias funções de 2001 a 2005. Em 2003 e 2005, ele foi organizador do Acampamento Intercontinental da Juventude e, em 2005, organizador do espaço Caracol Intergalactika. Além disso, Guimarães Nunes participou dos Fóruns Sociais Europeus de Paris (2003), Londres (2004) e Atenas (2005). No Fórum de Londres, ele esteve envolvido no processo de organização do evento principal e dos espaços autônomos.
Representatividade social
“A partir de 2004, o movimento global entra em refluxo, e a dinâmica do FSM se descola, se torna auto-referencial. Nesse meio tempo, ele passou a funcionar menos como um espaço de articulação a serviço dos movimentos, e mais como uma ferramenta na mão de seus organizadores, que passam a se posicionar como ‘mediadores’ entre os movimentos e os governos, usando o fórum para se cacifarem politicamente”, analisa Guimarães Nunes.
Em outras palavras, os ativistas consideram que, justamente quando a verdadeira representatividade social do fórum diminuiu, ele teria começado a se fazer passar por legítimo “representante” das reivindicações por transformações sociais. Um exemplo disso seria a apresentação de governos progressistas eleitos como a realização das reivindicações sociais de dez anos atrás. Na visão dos ativistas, isso seria uma forma limitada de compreender os anseios dos movimentos populares.
“O fenômeno da ‘falsa representação’, que ocorreu desde o início, se torna mais forte quando o movimento global recua. Daí a prática, por exemplo, de abrir os fóruns com a presença de presidentes como Hugo Chávez, Evo Morales e etc. Nada contra eles, mas o problema é que, se quisermos ter mediadores entre nós e o governo, gostaríamos de poder escolhê-los, e não tê-los indicados pela organização do fórum”, explica Guimarães Nunes.
Para os ativistas, o espaço deveria resgatar a capacidade de mobilização social, colaborando para identificação coletiva das dinâmicas necessárias às transformações sociais e ultrapassar a questão meramente eleitoral.
“Não quero diminuir em nada os muitos méritos desses governos progressistas, mas o FSM deveria servir para a organização e fortalecimento dos movimentos sociais entre si. Parece que ninguém, dentro do FSM, se pergunta por que os movimentos estão cada vez menos interessados no fórum, por que as lutas mais novas não veem nele um espaço relevante e etc.”, alerta Guimarães Nunes.
Esvaziamento popular
Como exemplo do que representaria um “esvaziamento” do fórum, Guimarães Nunes lembra que eventos ocorridos no mundo, em 2001, influenciaram diretamente o engajamento popular no fórum de 2002. Entre os eventos citados, ele traz as manifestações ocorridas em Gênova, na Itália, contra a reunião do G-8. Em função do encontro das potências, durante os dias 19 e 22 de julho daquele ano, o movimento antiglobalização organizou dezenas de protestos nas ruas de Gênova. Os protestos foram reprimidos com grande violência pela polícia local, resultando na morte do manifestante italiano de 23 anos, Carlo Giuliani, atingido pelo disparo feito por um policial contra a multidão.
“Compare: 2001 foi o ano da dura repressão ao G8, do 11 de setembro e da crise da Argentina. Em 2002, Porto Alegre estava cheia de italianos, estadunidenses e argentinos, gente comum, não lideranças ou intelectuais. Eram pessoas que consideravam aquele espaço importante. Se fosse hoje, você teria uma pessoa da Espanha, uma da Tunísia, uma do Egito e uma dos Estados Unidos, todas convidadas pelos organizadores para contar algo sobre a Primavera Árabe, sobre o Occupy. Mudou o FSM ou mudou o mundo? Principalmente o mundo, mas o FSM não acompanhou”, pontua Guimarães Nunes.
Isolamento
Os ativistas também levantam a questão de o fórum ter se tornado um evento estruturalmente dependente de grande apoio financeiro e governamental, o que inviabilizaria a função de promover o diálogo e a democratização das relações onde isso fosse realmente necessário.
“O fórum tornou-se uma dinâmica independente dos ritmos e das demandas dos movimentos sociais: para se viabilizar, ele necessita de um alto investimento, tornando-se dependente de financiadores. Uma coisa que ninguém parece perceber é que jamais ocorrerá um FSM num local em que esteja havendo um conflito mais intenso. E isso é óbvio. Como ele depende de altos investimentos e do apoio dos governos locais, ele só pode ir a lugares ‘amigos’. Mas uma convergência de forças como um fórum mundial não seria muito mais importante em um lugar onde estivesse ocorrendo um conflito?”, questiona Guimarães Nunes.
Novos horizontes
Os ativistas pontuam, ainda, que o FSM seria um espaço de um movimento mais amplo, criado pelos movimentos sociais a partir de seus próprios espaços de convergência. Para os ativistas, eventos dessa linha deveriam partir de “questões mais imediatas, organizados pelos interessados mais diretos, com metodologia apropriada a seus fins e sem ter ambições de ser aquilo que engloba todas as outras manifestações”. Além disso, eles enfatizam que o fórum não possui a mesma relevância produzida em suas primeiras edições.
“O FSM foi uma experiência enriquecedora nessa história e ainda há muitas lições para extrair de sua trajetória, de seus erros e acertos. Mas, atualmente, ele vale muito mais por aquilo que foi há dez anos atrás do que por qualquer relevância efetiva que realmente ele tenha hoje”, encerra Guimarães Nunes.