GERALDO HASSE
Com a arrancada da nova fábrica de Guaíba no primeiro domingo de maio de 2015, a Celulose Riograndense passa a fazer parte do clube gaúcho do bilhão de dólares por ano.
Está ao lado da Gerdau, Lojas Renner, Sicredi, Braskem, Randon, Marcopolo, Tramontina, Grendene, Getnet, Bianchini, SLC e Vonpar, segundo o ranking 2014 da revista Amanhã, com as 500 maiores do Sul.
Até agora, por causa de sua turbulenta trajetória ambiental e sua baixa expressão econômica, a empresa química guaibense não se arvorava a ter voz no seleto grupo dos grandões do Estado.
Com a quadruplicação de sua capacidade – de 450 mil toneladas para 1,8 milhões de toneladas ao ano -, a empresa parece disposta a perder o medo de ser grande, pois deverá causar um impacto de 1,1% no Produto Interno Bruto gaúcho, segundo estimativa da Fundação Getúlio Vargas.
Esse novo status combina com a postura mais assertiva do seu principal executivo, o engenheiro Walter Lídio Nunes, que liderou as obras de expansão da empresa, na qual foram investidos US$ 2,2 bilhões.
No encontro com os jornalistas convidados para conhecer a fábrica, no último dia 30 de abril, ele foi taxativo: “Se o governo quer mesmo acabar com a corrupção, que é endêmica entre nós, o primeiro passo é reduzir a burocracia”.
Segundo Nunes, é preciso acabar com as “exigências cartelizantes” que permeiam os editais de empresas estatais e órgãos públicos.
Como exemplo de comportamento propiciador da formação de cartéis, citou a Petrobras, que está na ordem-do-dia desde 2014, graças à Operação Lava Jato, do Ministério Público da Polícia Federal.
estágio em guaíba
O depoimento de Walter Lídio Nunes é significativo porque se trata de um engenheiro nativo de Porto Alegre que fez a maior parte de sua carreira fora do Rio Grande do Sul.
Formado na engenheira mecânica da PUC, ele lembra com detalhes de seu estágio estudantil na fábrica de celulose de Guaíba, na primeira metade dos anos 1970:
“Minha obrigação era passar 4 horas por dia na fábrica, mas eu cheguei a dormir no alojamento dos trabalhadores para acompanhar tarefas que me interessavam”.
Após cada jornada, sua roupa fedia, impregnada pelo cheiro de enxofre emitido pela fábrica daqueles tempos pioneiros.
Mesmo olhado com estranheza pelos colegas, que caçoavam da sua “catinga de gambá”, ele teria começado sua carreira em Guaíba. Mas as desavenças da indústria Borregaard com as autoridades ambientais, que fecharam duas vezes a fábrica, o afugentaram.
Em busca do primeiro emprego, Nunes foi parar no Espírito Santo, contratado pela Aracruz Celulose, que começou a produzir em 1978. Nos seus mais de 30 anos de experiência no Espírito Santo, Walter Lídio se defrontou mais de uma vez, como gerente e/ou diretor, com um braço do famoso cartel burocrático que “cria dificuldades para vender facilidades.”
Nos anos 1980, a Aracruz ensaiou expandir sua fábrica mas foi proibida de aumentar suas plantações de eucalipto no Espírito Santo. O projeto acabou sendo implantado no sul da Bahia.
Hoje, passados tantos anos daquela desavença político-ambiental, Walter Lídio Nunes acredita que as exigências capixabas daquela época faziam parte de um esquema de achaques que tinha como expressão maior, no âmbito parlamentar, o deputado José Carlos Gratz, que emergiu do jogo do bicho para o comando da Assembleia Legislativa do Estado. Mais tarde, Gratz seria cassado e preso.
repatriação
Como principal executivo da Aracruz Celulose, o engenheiro gaúcho comandou a compra da fábrica de Guaíba, controlada pelo grupo paranaense Klabin, que elevara sua capacidade de produção a 450 mil toneladas anuais de celulose, quase o dobro da original.
Em 2005, depois de considerar a hipótese de investir no Uruguai, no Paraguai e em outros estados, a Aracruz decidiu expandir sua produção em Guaíba.
O projeto foi aprovado pelo governo de Germano Rigotto, que atraíra outros dois investimentos em celulose: Votorantim e Stora Enso.
Depois de entrar em atrito com os adversários do cultivo maciço de eucalipto, a melhor matéria-prima para a fabricação de celulose de fibra curta, os três megaprojetos foram suspensos por causa da crise financeira de 2008, que provocou o desaparecimento da Aracruz Celulose, absorvida pela Fibria, novo nome do segmento de papel/celulose do grupo Votorantim.
No ano seguinte, a Fibria Guaíba foi vendida para o grupo Matte, que possui três fábricas de celulose no Chile.
Nunes participou de todas essas operações, ao fim das quais ganhou carta branca de Eleodoro Matte para auditar e refazer o projeto de quadruplicação da planta de Guaíba.
Mais de 30 anos depois de se formar, o ex-estagiário da engenharia da PUC é o presidente da ex-Borregaard. Em Guaíba, provavelmente, ele encerrará sua carreira.
credenciado
A experiência profissional de Walter Lídio o credencia a falar com propriedade do comportamento dos empresários do Espírito Santo e do Rio Grande do Sul.
Talvez por conviver há séculos com baianos, fluminenses e mineiros, que concorrem para usar a infraestrutura portuária do Espírito Santo, os capixabas são abertos a negociações e fazem acordos com facilidade.
Um dos orgulhos de Walter Lídio é ter ajudado a viabilizar em torno da Aracruz Celulose, no Espírito Santo, cerca de 70 empresas que nasceram de contratos simples de fornecimento de um ou dois itens.
Uma dessas empresa, chamada Frioar, cresceu tanto que se tornou fornecedora de equipamentos de ar dos jatos da Embraer.
No Rio Grande do Sul, ao contrário, Nunes encanzinou-se ao verificar o quanto é arraigado o costume de investir na contenda.
No afã de proteger a própria empresa, alguns empresários acabam inviabilizando muitos negócios. “O índice de omissão social é muito alto no Rio Grande do Sul”, diz Nunes.
Um dos resultados do cultivo exacerbado do conflito – que alguns chamam de “grenalização da vida” – é a descontinuidade administrativa, expressa no descarte quadrienal de governadores que não conseguem reeleger-se ou eleger o sucessor.
Em consequência, o Estado não possui um projeto de futuro.
Conclusão de Walter Lídio Nunes: “No fim das contas, para resgatar a autoestima, o gaúcho se volta para o passado e cultiva lendas distorcidas”.
Na foto, Walter Lidio Nunes (de roupa clara) conversa com o jornalista Felipe Vieira, da Rádio Guaíba