O paradoxo

Ninguém reconhece ter cometido erros no exercício do poder.
Geraldo Hasse
A pouco mais de dois meses das eleições de 7 de outubro, nenhum membro dos partidos que estiveram no poder nos últimos anos ousou fazer a indispensável autocrítica. Algo do tipo: “Perdão, cidadãos e eleitores, erramos e queremos uma nova chance…”
Nada disso, são todos imaculados…
Ninguém tem coragem de dar o passo necessário para depurar a imagem do partido envolvido em falcatruas ou limpar o nome dos seus dirigentes e dos seus militantes.
Há centenas de processados, diversos condenados e muitos presos, mas o olhar de quase todos os eleitores se concentra numa única pessoa: Lula.
Condenado mais por indícios e evidências do que por fatos provados, o ex-presidente insiste em que foi condenado por motivações políticas vinculadas à luta de classes. Faz sentido, pois Lula é extremamente identificado com os pobres. Por isso, muitos dos seus simpatizantes o classificam como preso político.
Seria extremamente positivo se viesse à tona a verdade que os órgãos do Judiciário tangenciaram sem porém apresentar provas incontestáveis de corrupção e lavagem de dinheiro, as duas acusações que levaram Lula a ser sentenciado a 12 anos de prisão pelo juiz Sergio Moro.
Falta um clareamento do processo político hoje tumultuado por essa situação paradoxal em que o preferido dos eleitores para a Presidência da República é o prisioneiro mais falado do país.
Lula é o antípoda dos que, com escasso apoio popular, governam o país. “Lula ladrão” é o brado de guerra dos que não suportam ouvir o “Fora Temer”.
Também aqui vigora um paradoxo: nas duas campanhas eleitorais anteriores (2014 e 2010), Lula e Temer eram aliados. Agora estão em extremos opostos, sofrendo acusações pesadas dos órgãos do Judiciário.
Realmente, parece difícil provar que ambos praticaram crimes materiais, mas é notório que cometeram desvios morais como o de cortejar empresários poderosos, cumulando-os de benefícios; também fizeram festa para políticos suspeitos, fechando acordos espúrios com partidos de aluguel; e fizeram vista grossa para jogadas em estatais e ministérios.
Tenta-se justificar tudo isso alegando “necessidades de governança”, “pagamento de dívidas de campanha” e “sujeição à lógica de que os donos do dinheiro têm a palavra final”, cabendo aos pobres algumas migalhas como a liberação de financiamentos para a compra de casa própria, a concessão de bolsas de estudos, a oferta de remédios de graça, a inscrição no bolsa-família ou, seja, subsídio para não morrer de fome.
Num país rico em recursos naturais, livre de catástrofes, a desigualdade de renda é uma vergonha que Lula tentou diminuir e Temer trabalha para agravar.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Não é mais possível manter uma sociedade dividida entre o pequeno grupo do capital, que tudo tem, e a massa imensa do trabalho, a que tudo falta. Não é mais possível admitir a penúria no meio da opulência, a escassez no meio da abundância”.
(Getúlio Vargas em pronunciamento pelo rádio no dia 1-2-1954, comemorando o terceiro aniversário do seu governo).
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O enigma Bolsonaro

GAUDÊNCIO TORQUATO
Como se explica o enigma Bolsonaro?
Lidera as pesquisas, principalmente quando Lula não aparece como candidato, mas o PR e o PRP acabam de recusar parceria com seu partido, o PSL, que esperava o apoio de uma onda bolsonarista com 100 deputados.
Até agora este contingente não deu as caras. Qual a razão para o isolamento do capitão? A essa altura, a menos de três meses do pleito, era de esperar que uma enxurrada de adesões transferisse ao pré-candidato da extrema-direita a condição de favorito inquestionável à cadeira presidencial. Pois bem, inquestionável ele já não é.
Expliquemos as razões. A começar pela paisagem social, onde sementes se espalham fazendo brotar tanto nos roçados centrais como nos terrenos periféricos uma floresta de ressentimentos contra os protagonistas da política.
Por sua conhecida verve contra petistas, na esteira de uma linguagem centrada em plataforma recheada de posições conservadoras, o deputado Jair elevou-se à condição de inimigo número um das esquerdas e seus porta-vozes, a começar por Lula.
Dessa forma, conseguiu construir o seu “muro”, para usar uma metáfora pinçada da construção que Donald Trump prometeu ao seu eleitorado e cujo foco é o combate à migração a partir do México.
O “muro” de Trump ganhou o sistema cognitivo do eleitor conservador e nacionalista. O “muro” de Bolsonaro é a defesa da sociedade contra a bandidagem, além da promessa de combater “esquerdistas” de todos os quadrantes, principalmente aqueles que usam o verbo para lembrar a era da opressão aberta pelo golpe militar de 1964.
Trata-se de um representante que expressa as ideias do nacionalismo à moda antiga, com uma abordagem amparada na burocracia militar-desenvolvimentista. Também é acusado por adversários de ser “autoritário, truculento, racista e homofóbico”.
Chegou a defender o fuzilamento de Fernando Henrique pelas privatizações que ele fizera, o que mostra a propensão para produzir frases de efeito, porém de alta aceitação em seus eleitores: “bandido bom é bandido morto”, “ a polícia deveria matar mais”, entre outras. Promete, caso ganhe, inserir muitos militares no governo, porque são “incorruptíveis e moralmente superiores aos políticos”.
Nesse ponto, convém pontuar sobre a polêmica que seu discurso propicia.
Se as massas aplaudem a “linguagem militarista”, sob o entendimento de que um militar no governo seria mais adequado para manter a ordem e a segurança social, o meio político teme por seu futuro,  enxergando em Bolsonaro o dirigente que tolheria a inserção de políticos na estrutura governativa, restringindo o balcão de trocas e fechando o circuito de interlocução entre Executivo e Legislativo.
A par da sombra autoritária que acompanha Bolsonaro, há dúvidas sobre seu desempenho até a reta final.
Seria possível a algum candidato, por mais populista que seja, suportar o massacre de atores que na campanha terão grande tempo de TV e rádio? Sem coligação, o capitão disporá de míseros 7 segundos. Poderá ter as redes sociais como artilharia. Ora, redes sociais não elegem ninguém. Mobilizam a militância.
Essa é a dúvida que persiste no meio político, razão pela qual, apesar de liderar intenções de voto, Jair Messias Bolsonaro não sai do isolamento. Partidos receiam assumir compromisso com uma figura que abre tantas interrogações.
O enigma Bolsonaro continuará até mais adiante quando a campanha pegar fogo. Caso consiga atravessar a fogueira sem se queimar, é razoável pensar em milagre. A Bíblia não diz que o Messias andou sobre as águas na direção de seus apóstolos? Jair Bolsonaro tem um Messias de sobrenome.
Gaudêncio Torquato, jornalista, é professor titular da USP, consultor político e de comunicação
 
 

Lula (2)

Começou a cair a ficha: a situação que se criou com a prisão de Lula torna-se insustentável. Até o Elio Gaspari reconhece.
Há muito o caso escorregou do terreno jurídico para o político.
Quando se lançou com as caravanas pelo Nordeste, Lula queria puxar o embate para arena política e foi bem sucedido.
A começar pelo silêncio dos grandes noticiosos que, para não fazer propaganda de um pré-candidato já declarado, não deram cobertura às caravanas, como se o fato, ao não ser noticiado, deixasse de ser realidade.
Ausentes do noticiário, mas pulsantes nas redes sociais, as caravanas por nove estados nordestino, apesar dos insucessos, ganharam uma aura mítica: o líder do povo, perseguido pelos poderosos, voltando aos seus para dizer que é inocente.
Quando chegou ao Sul, a caravana não podia mais ser ignorada e aí foi copiosamente noticiada. Mesmo os incidentes e agressões que ocorreram contribuiram para o propósito principal, de politizar o caso.
Aí, o cerco jurídico se fechou. Colocou Lula na cadeia.
E resulta que se tem um prisioneiro numa cela em Curitiba, condenado por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, que é líder em todas as pesquisas de intenção de voto, num país em que a maioria da população aponta a corrupção como o maior problema.
Como é que uma democracia lida com uma situação espinhosa dessas sem sair arranhada?
 
 

Fundo do poço

GERALDO HASSE
No auge do escândalo do chamado Petrolão, há cerca de três anos, as ações da Petrobras estiveram no fundo do poço, cotadas à média de R$ 8 cada uma.
Para os investidores mais inquietos, que mudam de posição como quem troca de roupa, a desvalorização das ações da nossa petroleira era a consequência natural dos prejuízos bilionários, que deixariam os acionistas sem dividendos por dois anos consecutivos.
Para quem aplica em ações com o viés de poupança de longo prazo, porém, a chegada das ações ao fundo do poço foi uma dica para ir às compras.
Foi o que fizeram muitos poupadores bem aconselhados, que souberam aproveitar uma das melhores oportunidades de investimentos dos últimos anos na bolsa de valores de São Paulo.
No momento as ações da Petrobras oscilam entre R$ 18 e R$ 20 nos pregões da Rua Boa Vista, na City paulistana.
Indiscutivelmente, são valores ainda muito baixos para uma empresa bem administrada e com alto potencial de produção e vendas, protegida pelo manto do monopólio estatal, só rasgado parcialmente no governo do presidente Fernando H. Cardoso.
É possível prever que dentro de um a dois anos as ações da companhia estarão num patamar acima de R$ 30. E, sem dúvida, o futuro é uma estrada larga e quase interminável para a Petrobras, que dispõe de grandes jazidas na plataforma continental, de onde vem tirando petróleo a US$ 8 por barril de 159 litros, a metade do custo médio de extração nos países que mais produzem no mundo.
É justamente aí que mora o perigo. Não é à toa que governos e empresas de outros países estão de olho na estatal brasileira.
O risco de alienação da maior empresa brasileira não vem apenas das pressões externas, mas da incrível disposição do governo brasileiro para entregar o óleo aos modernos bandidos.
Eles atuam à moda antiga, como faziam os trustes petrolíferos no tempo do presidente Vargas, criador da Petrobras.
Além de usar a diplomacia convencional, eles apelam para a espionagem e recorrem ao tráfico de influência, investem no aliciamento de cúmplices e na compra de consciências, e não hesitam em fazer chantagem tarifária, que virou norma no governo Trump, dos EUA.
Tanto as autoridades quanto os empresários brasileiros conhecem esses jogos e só embarcarão neles se quiserem. Ou se forem cumulados de vantagens inconfessáveis.
Para que isso não aconteça, o ideal é que sejam varridos da Esplanada por um tsunami eleitoral em 7 de outubro,
LEMBRETE DE OCASIÃO
O livro Que Sabe Você Sobre Petróleo?, escrito pelo jornalista carioca Gondim da Fonseca (1899-1977), é até hoje um marco da luta nacionalista. Lançado em 1955, teve 16 edições em dez anos. Em sebos, pode ser comprado por valor inferior a uma ação da Petrobras.

Lula

A pesquisa encomendada ao Ibope pela Confederação Nacional da Indústria não pode ser mais insuspeita.

Ela revela algo que se torna a cada dia mais gritante: a situação do ex-presidente Lula, condenado por corrupção, preso há mais de 80 dias, com todas as acusações contra ele reiterada e amplamente divulgadas.

E, mesmo assim,  liderando todas as pesquisas eleitorais, alcançando agora o dobro do segundo colocado e um percentual maior do que os demais somados!.

Estará o povão sendo enganado por solertes petistas que defendem Lula?. Ou o povo não acredita nas acusações?. Ou acredita, mas acha que tudo isso é uma grande armação e, assim mesmo, prefere Lula?.

Seja o que for, a situação que se criou, e que se agrava, é perigosamente desafiadora para nossa claudicante democracia: em nome de quê vai se tirar do pleito o candidato que a maioria dos eleitores quer, apesar de tudo o que se diz contra ele?

Sejam quais forem as razões para barrar Lula, e elas não faltarão, não há como escapar ao fato de que se vai  amputar a vontade (o direito?) de uma maioria de eleitores, que reiteradamente aponta o ex-presidente como seu candidato.

Qual a consequência disso? A eleição de Bolsonaro, como apontam os cenários sem Lula, pode não ser o mais grave.

Leia mais: http://oglobo.globo.com/opiniao/a-questao-central-da-inelegibilidade-de-lula-22845195#ixzz5KFJ803vw
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A entrega do Pré-Sal

GERALDO HASSE

O maior ativo da Petrobras está sendo leiloado às pressas
Todo mundo anda se queixando da passividade do povo brasileiro diante do massacre  praticado em favor da implantação do neoliberalismo na economia.
Da Esplanada dos Ministérios em Brasília aos prédios aos gabinetes do Judiciário, aos escritórios empresariais e  às redações dos jornais, prevalecem medidas, mensagens, sentenças e notícias alinhadas com a ideologia neoliberal, que defende os privilégios de quem tem dinheiro e menospreza os pobres, remediados e carentes – a maioria da população.
Salvo o alarido feito nas redes sociais por militantes e simpatizantes das causas da Esquerda, impressiona que ninguém antigoverno e antissistema entre em detalhes para explicar, por exemplo, o que aconteceu com a Petrobras.
Cadê Graça Foster, a única mulher a exercer a presidência da estatal do petróleo? Ela foi colocada no cargo pela presidenta Dilma e saiu em silêncio, sem sequer tornar público um relatório sobre sua gestão.
A própria Dilma, afastada da presidência sob a acusação de dar algumas “pedaladas fiscais” – práticas comuns em outros governos –, tem se limitado a dizer que o impeachment foi um golpe e que não praticou nenhum crime de responsabilidade previsto na Constituição. Basta?
Preso em Curitiba, o ex-presidente Lula alega ter sido condenado sem provas, mas não põe na mesa argumentos capazes de aumentar a convicção popular de que ele está sendo vítima de uma injustiça histórica.
No meio desse quadro de penitência para os petistas e seus aliados, a novidade veio  dias atrás pela boca de José Sergio Gabrielli, que presidiu a Petrobras na época da descoberta do petróleo do Pré-Sal, em 2006 – sempre lembrando aos desavisados que essa mina de energia achada no início do século XXI representa para o Brasil o mesmo que o ouro achado no início século XVIII.
Será que precisamos virar colônia novamente ou temos condições de administrar soberanamente nossos recursos naturais?
Falando pelas redes sociais – pois a imprensa só o menciona como suspeito de favorecer alguma jogada nos seus tempos de executivo da Petrobras –,  Gabrielli denunciou a conspiração em curso para transferir o controle das jazidas de petróleo do Brasil para outros países liderados pelos EUA.
Até aí nada de mais: é sabido que os trustes do petróleo conspiram no Brasil desde os anos 1930 e lutaram arduamente contra a fundação da Petrobras. A favor da entrega das riquezas nacionais, sempre atuam alguns bacanas brasileiros. O problema, agora, é que eles se tornaram mais numerosos do que nunca e estão perigosamente situados em postos do Poder.
Uma das novidades trazidas por Gabrielli é que os EUA não estão jogando sozinhos. A China está na parada após ter se tornado o maior parceiro da Petrobrás, informação que dá uma nova configuração geopolítica ao quadro de disputas sobre as reservas petrolíferas do Brasil e do mundo.
Dessa corrida, segundo o ex-presidente da BR, também não se pode descartar a Rússia, governada por Vladimir Putin, um perito em espionagem e especialista em petróleo.
Nesse quadro global, o Brasil tem poucas chances de escapar do cerco armado pelos EUA com ajuda do Canadá e de países da Europa, mas pode respirar se fizer parcerias com a China e a Rússia. Para isso, porém, não há disposição no atual governo, nitidamente pró-ianque.
Segundo Gabrielli, para assumir o controle sobre as jazidas brasileiras de petróleo, os EUA trabalharam metodicamente para desmantelar o projeto de desenvolvimento liderado pela Petrobras, que vinha operando como uma matriz de encomendas a diversos segmentos da indústria brasileira (de aço, naval, plásticos entre outros).
Aí estava uma grande chance de independência e soberania, inclusive porque fora decidido que os recursos obtidos com a exploração do Pré-Sal deviam ser obrigatoriamente para fortalecer a educação (75%) e a saúde (25%) da população.
O fato é que a locomotiva Petrobras é alvo de um desmanche considerável. E seu mais precioso ativo – o Pré-Sal – está sendo leiloado. Ficou aparentemente fácil porque os EUA e aliados passaram a contar com os entreguistas acomodados no Palácio do Planalto, no Congresso, nas Bolsas de Valores de SP e NY, e em instituições fundamentais do país – destaque para os meios de comunicação liderados pela TV Globo, jornais O Globo, Folha de S. Paulo e O Estado de Paulo.
Atuando em bloco, a Mídia privilegia a veiculação de mensagens a favor da implantação completa, no Brasil, do regime neoliberal atrelado às potências econômicas globais.
Faz parte dessa campanha a propagação de notícias sobre as gestões petistas na Petrobras, que teria “afundado” por ação de uma “quadrilha” de malfeitores, alguns presos, outros em fase de colaboração com a Operação Lava Jato.
Sobre esse item, José Sérgio Gabrielli esclareceu: “Dos cinco diretores petistas da Petrobras, nenhum foi preso pela Lava Jato”, lembrando que só foram pegos (e confessaram, passando a seguir a delatar empresários e políticos envolvidos em falcatruas) alguns altos funcionários que estavam na empresa desde o século XX – antes, portanto, da chegada do PT ao poder.
É de esperar que, a exemplo do que fizeram recentemente os engenheiros da Petrobras,  os petistas responsáveis apresentem argumentos defendendo-se a si e à empresa) de acusações injustas e mentirosas. Não basta alegar inocência ou colocar-se como vítimas de uma conspiração liderada por figuras do Judiciário.
A esta altura do jogo, o silêncio dos inocentes favorece os inimigos.
 

México: um alerta

O noticiário revela pouco interesse no Brasil pelas eleições que se realizam neste primeiro de julho no México.
No entanto, o que está acontecendo no México é um espelho do Brasil amanhã, se não for estancado o processo de deterioração social e institucional que assola o país.
Na campanha mexicana, desde que foram definidos os candidatos que disputam as eleições gerais, 122 políticos foram assassinados no país, incluindo 18 candidatos na disputa oficial.
Filiados a todos os principais partidos aparecem entre as vítimas, na campanha eleitoral mais sangrenta do país.
Já foram assassinados, além dos 18 candidatos, outros 28 pré-candidatos e 12 prefeitos em exercício. As demais vítimas são dirigentes, ex-deputados e ex-prefeitos e militantes, além de líderes locais.

No Brasil já não estamos muito longe disso. Na região metropolitana do Rio de Janeiro na última eleição municipal foram mortos pelo menos oito candidatos a vereador ou prefeito.
No Rio, todo o político sabe que em certas áreas só entra para fazer campanha com permissão dos chefes do tráficos ou das milícias. O Caso Mariele está aí, pulsante e ainda sem solução.
E o Rio, há muito não é uma exceção no Brasil quando se fala de violência e crime organizado.
O general que comanda a intervenção das Forças Armadas no Rio. disse, numa entrevista que uma das preocupações de seus estrategistas  era impedir a eleição de uma bancada do crime organizado no pleito de outubro.
Quer dizer: O México já é aqui.
 

Rumo ao Norte, na contramão do interesse público

GERALDO HASSE
A dita greve dos “caminhoneiros” foi pedagógica ao mostrar o intenso arrocho de preços exercido pela Petrobras sobre o transporte rodoviário, onerando toda a população, só para favorecer seus acionistas privados, que pensam exclusivamente em obter os dividendos do crescimento empresarial e desdenham da responsabilidade sobre o desenvolvimento do país.
O governo cedeu às exigências dos grevistas, mas não alterou a política de preços da estatal situada estrategicamente na maior encruzilhada da economia – a encruza energética. É exatamente aí que mora o grande perigo.
A demissão de Pedro Parente, o bode expiatório da crise, não é solução. Ele deixou em seu lugar o diretor financeiro Ivan Monteiro, que o ajudava a preparar o terreno para a entrega da Petrobras aos tubarões internacionais.
Esses graúdos, capitaneados pelos americanos, não se conformam em ver as jazidas brasileiras de petróleo nas mãos de um estado nacional que não faz parte do clube dos gigantes da economia mundial. Querem a restauração do Brasil colonial e contam com a ajuda de muitos brasileiros ilustres.
Contra esse vergonhoso movimento entreguista da Petrobras, levantaram-se os engenheiros reunidos na AEPET e os trabalhadores organizados na Federação Única dos Petroleiros. Estes, ameaçados de multa milionária pelo Tribunal Superior do Trabalho, desistiram de uma greve de protesto de 72 horas, mas permanecem mobilizados na defesa da empresa. O que vem por aí não se sabe.
Já os engenheiros, que desde os anos 1950 se destacam pela defesa do interesse nacional, garantem que a Petrobras tem condições de obter lucros de 50% sobre o custo de produção mesmo se vender o óleo diesel a R$ 1,50 por litro, bem mais barato do que os preços praticados atualmente.
Trata-se de uma informação que tem a dimensão de uma denúncia, acrescida de uma acusação grave: segundo a AEPET, a diretoria da Petrobras está lesando o país ao exportar petróleo cru e importar derivados, como fazem os países subdesenvolvidos.
Em consequência dessa política exótica, as refinarias nacionais estão operando bem abaixo de sua capacidade, perdendo receitas e valor de mercado, o que configura uma prática destinada a favorecer a privatização desses ativos “descartáveis”.
Com esse comportamento antinacional, a Petrobras permanece como alvo dos nacionalistas e alimenta a insatisfação de todos os consumidores de derivados de petróleo.
Pelo sim, pelo não, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) decidiu entrar lateralmente na história, abrindo uma consulta pública para obter indicações sobre a formulação de uma política de preços dos combustíveis.
Pode ser uma medida demagógica ou protelatória, mas o presidente Ivan Monteiro disse que vai esperar os resultados da consulta para, então, tomar as providências cabíveis, se forem do agrado da diretoria, do conselho, dos acionistas privados e do acionista maior, por ora representado por um governo cujo norte é agradar ao Norte.
Lembrete de ocasião
Eu disse em 2009, quando recebi o título de Doutor Honoris Causa da Universidade Federal da Bahia, que uma potência é muito mais perigosa quando está em decadência do que quando conquista o seu império, e os EUA são uma potência em decadência. São muito mais perigosos do que antes”.
Luiz Alberto Moniz Bandeira, historiador brasileiro, em entrevista à Sputnik Brasil em 2016, quando afirmou que “o objetivo das ações externas contra o Brasil é quebrar a economia e comprar as empresas estatais a preço de banana”.

Jornalismo passivo

Chamo de jornalismo passivo esse que se pratica nas nossas grandes redações, sujeito a uma pauta que vem de fora para dentro.
São os atos oficiais, as leis, os decretos, os lançamentos, são os aumentos, os indicadores, as inaugurações, os eventos, as promoções, os projetos, as entrevistas coletivas.
É inevitável, intrínseco ao jornalismo de massa difundido pelos grandes canais de comunicação. E, sem dúvida,  essas fontes trazem uma informação relevante, que merece a atenção que recebe.
O problema é que esses fatos programados acabam ocupando 90% ou mais da
cobertura.
Uma vez fiz um levantamento na Gazeta Mercantil, que era um jornal criterioso e tinha
uma reportagem bastante ativa. Nenhum press release era publicado sem que se falasse com o emissor, para checar todas as informações e esclarecer alguns pontos, o que muitas vezes rendia belas matérias.
Mas mesmo na velha GZM era um desafio chegar a 30% de pautas que não viessem de agentes externos, atos oficias ou gente interessada em divulgar a sua informação, vender o seu peixe.
É legítima essa pressão, e a imprensa existe também para isso, mas ela deveria ser equilibrada internamente, com as pautas de quem não tem assessoria, não organiza eventos, nem assina decretos, mas é o verdadeiro sentido do jornalismo: a cidadania.
O jornalismo passivo é cômodo e vantajoso. O espaço na mídia concentrada é disputado, é só selecionar as informações relevantes, a margem de erro é quase zero, não gera atrito com ninguém e, importante nesses tempos de crise, economiza mão de obra.
Mas tem um efeito colateral daninho: torna-se um jornalismo oficioso, acomodado, que se vale do bom trânsito com a autoridade.
Aí acontece uma “greve de caminhoneiros”.
Há um mês ela foi anunciada ao governo. Como o governo não divulgou os ofícios que recebeu das associações dos caminhoneiros, a manchete não foi notícia.
O vídeo que mostra como uma greve de caminhões pode paralisar o país em cinco dias, só foi divulgado nesta sábado, sexto dia da greve. A federação que o produziu diz que ele é do ano passado.
No sexto dia da greve, com o país mergulhado na crise, pouco se sabe das reais motivações e dos agentes desse movimento.
O jornalismo passivo deveria pedir desculpas ao país pelos prejuízos da desinformação.
 

Cargas muito pesadas

Mesmo sob intensa manipulação por jornais, revistas, veículos de rádio-TV e da mídia digital, a maioria dos brasileiros sabe: o transporte rodoviário de cargas é feito não apenas por caminhoneiros autônomos, mas por milhares de motoristas que são empregados (ou prestadores de serviços sem vínculo formal) de grandes empresas proprietárias de frotas de caminhões.
Os brasileiros também sabem, porque isso faz parte do seu cotidiano, que os motoristas viajam quase sempre sozinhos, e apenas na entrada das cidades fazem embarcar os “chapas”, que atuam como guias e auxiliam na entrega das cargas (os chapas estão sendo dispensados pelo uso do GPS nos caminhões).
Apenas nos caminhões de entregas urbanas os motoristas têm companheiros de jornada.
Essa heterogeneidade do pessoal envolvido no transporte de cargas potencializou as demandas previamente anunciadas e surpreendentemente desdenhadas pelo governo federal, que não deu a devida atenção aos avisos, pedidos e advertências das entidades de representação dos “caminhoneiros” descontentes com os preços do óleo diesel.
Será que o governo apostava numa greve de curta duração, após o que as autoridades federais apareceriam como magnânimas salvadoras da pátria?
Impossível compreender qual o cálculo feito ou qual a estratégia prevista, tanto que a maioria dos analistas concluiu que foi uma mistura de incompetência com negligência.
Falhou o governo ao não dar escuta nem abrir um diálogo com os “caminhoneiros”. Ou, seja, foi o próprio governo quem deu combustível para os grevistas, que se revelaram extremamente organizados, obedecendo a comandos múltiplos não identificados pelas autoridades.
Uma das questões que ficaram da greve é saber quais as fontes de informação dos “caminhoneiros”?
Em outras palavras, quem os manteve a par das “negociações” com os representantes do governo? Os clientes? Os colegas de profissão? As emissoras de rádio-TV? As redes sociais mantidas por meio de PCs, note books e tabletes com sua multiplicidade de recursos de comunicação on line?
Também se pode supor que “caminhoneiros” de longo curso dispõem de instrumentos sofisticados para se comunicar on line com suas matrizes e sucursais – e até para sintonizar freqüências de rádio operadas pelas forças de vigilância das estradas e de segurança do patrimônio das pessoas.
Não há dúvida de que a greve dos caminhoneiros foi manipulada de cima para baixo, de fora para dentro, dos lados para o centro, do centro para fora, mas cabe ao governo federal a maior parte da responsabilidade — inclusive por não revelar quem são os “infiltrados” que coagiram “caminhoneiros” a retardar o fim da greve.
Mas não foi por acaso ou descuido que o presidente-tampão botou na direção da Petrobras um economista sintonizado com a onda neoliberal que varre o mundo.
Há cada vez mais pessoas convencidas de que a colocação do ‘global’ Pedro Parente na BR faz parte de um plano de alienação do patrimônio nacional.
Se Parente pode ser apontado tranquilamente como o verdadeiro pivô da greve dos transportes rodoviários, a responsabilidade por esse movimento sem precedentes na história recente cabe a seu chefe.
Se este não é Michel Temer, deve ser alguém situado numa mesa grande fora do Brasil. Alguém interessado na instauração do caos neste país rico em recursos invejáveis.
Se não fosse pelo interesse da desorganização da economia brasileira, bastaria portanto a Petrobras maneirar na política de preços para fazer arrefecer a greve.
Mas não se ouve um pio sobre isso, de parte do governo, o que sinaliza uma rebordosa em tempos vindouros.
Se a petroleira nacional se mantiver atrelada às cotações internacionais e às variações do dólar, a rosca vai se apertar novamente sobre os segmentos mais diretamente dependentes dos combustíveis fósseis, cujos reflexos pesam sobre toda a população.
Vale a pena a Petrobras trabalhar para remunerar regiamente acionistas particulares e fundos de pensão situados mundo afora, enquanto 200 milhões de brasileiros pagam o pato? Não foi para isso que a estatal foi criada.
A BR conseguiu colocar o Brasil num patamar da independência energética. Não é hora de entregar os pontos conquistados. O nome dessa capitulação é entreguismo, substantivo que define a disposição mental para a alienação da soberania, a subserviência aos colonizadores. Uma vergonha, enfim. Um mau exemplo para os jovens que acreditam na própria capacidade.
O empresariado e a mídia estão irmanados numa campanha pela privatização da estatal do petróleo e de hidrelétricas.
Segundo essa campanha, os ativos estratégicos do Brasil deverão ir para mãos de capitalistas dos EUA, da China e de outros países mais adiantados e aptos a administrar as riquezas alheias.
Quem poderia conter essa onda privatista? O Congresso, se não for venal. O Ministério Público, se for menos elitista. A mídia, se olhar o interesse público. No fim das contas, a resistência final cabe ao povo por meio de manifestações políticas, inclusive nas eleições de outubro.
LEMBRETE DE OCASIÃO
“Era meia-noite e meia quando Getúlio enfim deu ordem para que todos fossem chamados. Enquanto esperava a chegada dos colegas, Tancredo Neves se aproximou de Getúlio, que estava fumando o tradicional charuto.
‘Presidente, como vamos conduzir a reunião ministerial? Qual deve ser a nossa posição?’
‘Iremos ouvir os ministros militares e tomaremos uma decisão’, respondeu o presidente, que apanhou a caneta-tinteiro sobre a mesa e a entregou a Tancredo.
‘Guarde isso, como lembrança desses dias…’
O ministro o olhou com ar de surpresa.
‘Não se preocupe, tudo vai acabar bem’, comentou Getúlio.”
(Lira Neto, na página 334 do terceiro e último volume da biografia de Getúlio Vargas (Cia das Letras, 2014), em que narra um episódio da madrugada de 24 de agosto de 1954 no Palácio do Catete, oito horas antes do suicídio do gaúcho de São Borja.)