Luiz Cláudio Cunha
O candidato do PMDB ao governo gaúcho, José Fogaça, já ganhou o primeiro troféu de 2010 do ‘Prêmio Língua Solta, Idéia Presa’.
Em entrevista ao jornal Zero Hora na semana passada (16), o ex-prefeito de Porto Alegre conseguiu erigir uma tortuosa explicação para a crônica indecisão de seu partido entre as candidaturas presidenciais de Dilma Rousseff e José Serra.
Disse Fogaça: “Uma imparcialidade ativa não é uma posição em cima do muro. É uma posição altamente proativa, efetiva, em favor da nossa eleição aqui no Rio Grande do Sul. Uma posição extremamente corajosa, inclusive”.
Fogaça, inclusive, é advogado e não engenheiro, como sugere sua desastrada construção vernacular. Teve sempre muito cuidado com o que diz e escreve, na condição de professor de literatura e de direito constitucional e no papel de compositor com sucessos gravados por Kleiton & Kledir e MPB4.
Com o verso mal inspirado sobre esta ‘corajosa imparcialidade’, Fogaça refaz o dicionário e desfaz do senso comum.
Todo mundo sabe que a definição correta para coragem é firmeza, atitude, bravura, destemor, determinação, perseverança. Só a saltada veia poética do beletrista Fogaça poderia pintar a desbotada neutralidade do PMDB murista com as cores vivas e inspiradoras da coragem.
Em janeiro de 1950, quando Fogaça ainda era um bebê de três anos, morria em Londres o jornalista Eric Arthur Blair, que ganharia a eternidade com um pseudônimo, George Orwell, e um marco literário, 1984.
Nesta metáfora orwelliana sobre o autoritarismo, o governo estimulava o uso da novilíngua, um idioma que reduzia radicalmente o vocabulário para diminuir a capacidade de pensamento.
Dela brotava o duplipensar, palavra que definia a habilidade de guardar no cérebro duas crenças contraditórias, aceitando simultaneamente uma e outra. A nova língua, assim, exprimia o contrário do que dizia. O Ministério da Verdade de 1984 mentia ao retificar as notícias, o Ministério da Paz cuidava da guerra.
O deslize léxico de Fogaça poderia ser apenas um escorregão. Mas ele retrata bem o momento esquizofrênico da política brasileira, que vive seu apogeu justamente no Rio Grande do Sul, um Estado que nunca teve a parede como referencial.
Gaúcho, por definição, sempre está de um lado ou de outro do muro, nunca em cima. Cinco mil gaúchos morreram nos dez anos da Revolução Farroupilha, lutando pela república.
A Revolução Federalista de 1893, a mais violenta guerra civil do continente, matou duas vezes mais (10 mil) num espaço de tempo cinco vezes mais curto (dois anos) do que a revolta farrapa, num confronto sangrento que opunha parlamentaristas e presidencialistas.
Chimangos e maragatos pelearam em 1923 contra o continuísmo de Borges de Medeiros, que um século antes de Hugo Chávez conseguiu emplacar cinco mandatos, antes da revolução que abortou a sexta presidência. Os gaúchos lutaram pela legalidade em 1961 e combateram o golpe de 1964.
Nos anos seguintes, o muro continuou separando a gauchada. O PSD contra o PTB, a Arena se opondo ao MDB, o PT se alternando no poder com o PMDB. Até a bola divide o Rio Grande em duas metades de cores bem definidas: o azul do Grêmio e o vermelho do Internacional. No eterno Gre-Nal dos gaúchos, ninguém fica em cima do muro, como bem sabe o apaixonado gremista José Fogaça.
A catatonia da eleição gaúcha pode ser medida pelas alianças forçadas nas cúpulas partidárias que tentam enfiar suas decisões monocráticas goela abaixo do eleitor. Logo ele, que não costuma ficar em cima do muro.
Em 2006, quando Lula se reelegeu com 60% dos votos do país, sua maior derrota para Alckmin foi justamente no Rio Grande do Sul, onde o picolé de chuchu tucano humilhou o deus petista por 55% contra 33%.
Agora, o comando nacional do PMDB tenta fazer no Rio Grande o mesmo que o PT fez no Maranhão e em Minas Gerais: contrariar a base e impor a vontade do rei, na força e na marra.
Na versão gaudéria do quatrilho, o PMDB de Fogaça odeia o PT de Tarso Genro, que exige o apoio do partido de Michel Temer, o vice de Dilma que odeia a seção gaúcha do PMDB, que tem uma preferência esmagadora por Serra, que corteja mais o PMDB do que o PSDB da governadora Crusius, que sobreviveu à tentativa de ‘impeachment’ do PT de Tarso, que odeia todos eles e hoje finge simpatia ou paixão por uns e outros.
Para enquadrar os rebeldes, Temer agora perde a elegância e promete intervir no diretório de Santa Catarina, ameaçando repetir a dose no Paraná e no Rio Grande do Sul. Nem a ditadura dos gaúchos Médici e Geisel ousou tamanha truculência, mas aqueles eram tempos em que o MDB velho de guerra tinha no comando líderes insubmissos e altivos como Ulysses Guimarães, Teotônio Vilela e Alencar Furtado.
Diante da ameaça concreta do trator da chapa Dilma-Temer, nenhuma liderança expressiva do PMDB repudiou o estupro iminente contra a ala sulista do partido, historicamente a mais aguerrida e menos dilmista do país. Em vez da repulsa, o apático e complacente PMDB prefere subir no muro, camuflado pela corajosa ‘imparcialidade ativa’. O duplipensar, que escarnece da inteligência do leitor, é o último degrau da humilhação na política.
Luiz Cláudio Cunha é jornalista, gaúcho, gremista e, pior, ainda vota em Brasília.
Autor: da Redação
Ignorância Histórica
Kenny Braga
Quando me perguntam qual foi a melhor obra da literatura universal com que me deparei na vida adulta, hesito por algum momento em responder. É o tipo de pergunta que exige uma reflexão, que ninguém tira de letra. Então ao invés de indicar rapidamente a obra mais grata ao meu gosto, a minha sensibilidade de leitor exigente, alinho no mínimo 10 livros que eu levaria desta para outra, se lá houvesse licença para conviver com o gênio criador de todos os tempos. Não vou referir aqui todos os títulos. Pretendo faze-lo aos poucos, na maré de publicações das minhas crônicas aqui no jornal.
Mas, hoje vou citar um livro que não me canso de folhear, para ter certeza de que ganho muito com o vigor do seu conteúdo e o estilo pessoalíssimo da sua autora, Margarite Yourcenar. A obra, que vocês devem encomendar ao livreiro mais próximo , para uma remessa urgente, intitula-se “Memória de Adriano”. Escrito na primeira pessoa, técnica extraordinária, na qual a autora se coloca na pele do imperador romano, o livro reconstitui a vida de um dos governantes mais lúcidos de todos os tempos.
Homossexual assumido, circulando à vontade no meio do patriciado romano, onde ninguém seria capaz de diminuí-lo ou tentar desmoralizá-lo, Adriano esteve a frente do seu tempo. Se existisse hoje, fosse brasileiro e concorresse a prefeito do Rio ou São Paulo, seria crucificado pelos moralistas de plantão, inclusive os que se dizem de esquerda, da boca para fora. Mas exatamente por que comento a excelência de um livro de conteúdo histórico com lugar cativo na minha cabeceira?
Porque estou cada vez mais chocado com a ignorância dos fatos da história do Brasil e do mundo até mesmo no ambiente universitário, onde deveria existir um mínimo de interesse pelo assunto. Já havia percebido isso em algumas palestras que tenho feito a propósito de fatos da história do Brasil contemporâneo, que acompanhei de perto na condição de jornalista e d e cidadão.
Mas o que me parecia uma ignorância localizada, vai assumindo aos poucos aspectos de epidemia analfabeta em relação a um assunto da máxima importância para que tenhamos condições de construir nosso futuro. No suplemento semanal “Aliás”, do jornal “ O Estado de S. Paulo”, da semana passada, colhi uma pérola em forma de ignorância histórica.
Um professor de História Moderna, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Oswaldo Munteal Filho, que organizou um debate sobre a ditadura brasileira, perguntou aos jovens, no início da sua palestra, quem era João Goulart, o grande líder trabalhista. A resposta foi um silêncio tumular. Era como se o professor tivesse perguntado a respeito de um líder da República do Congo ou do Afeganistão. Imagino que o silencio se manteria caso aludisse ao nome d e um presidente brasileiro mais próximo de nossos dias.
O fato é grave, porque mostra uma grande parcela da juventude alheia aos episódios marcantes da história brasileira. Contraditoriamente, no momento em que mais se fala na comunicação através da internet, a ignorância dos jovens em assuntos relevantes assume um aspecto assustador.
É indispensável que haja de parte dos professores, políticos, lideres comunitários mais esclarecidos e comunicadores,um mutirão para fazer com que os adolescentes conheçam assuntos vitais ao exercício qualificado da cidadania. Do contrário, seu destino será o de expectadores alienados e bestificados diante da realidade social e política do país. Nunca é demais lembrar que o velho Monteiro Lobato insistia na idéia de que um país se faz com homens e livros. A propósito:quem foi Monteiro Lobato?
Carta de Barcelona
Rivadávia Severo, Jornalista
Acontece que na Espanha a xenofobia segue em alta. Uma pesquisa do Centro de Pesquisas Sociológicas (CIS) divulgada esta semana, indica que o principal problema para os espanhóis é o desemprego, seguido do terrorismo e em terceiro lugar está a imigração. Isso que a imigração é o que permitiu o crescimento econômico espanhol que elevou o PIB per cápita do país para cerca de 20 mil euros por ano e aumentou a população para 44 mil pessoas. Esse impulso econômico está sustentado pelo trabalho de árabes e latinoamericanos na construção civil. Segundo o jornal El Pais, quatro das oito maiores empresas mundiais do setor são espanholas.
O que está ocorrendo no bairro onde vivo aqui em Barcelona, Poblenou, um antigo distrito industrial do princípio do século passado – no tempo em que Barcelona era conhecida como a “Manchester espanhola” pela pujança de suas fábricas – é um bom exemplo do que ocorre nas grandes cidades do país. O bairro está sendo reconvertido em um centro de tecnologia e serviços.
As chamines foram substituídas por gruas, retrato da Espanha atual, um país que se financia com a construção civil que sustenta o seu crecimento econômico na casa dos 5% anuais, os melhores índices da União Européia. O preço pago eu e os meus vizinhos, gente simples da Catalunha e imigrantes de todas as partes do mundo que temos que suportar além do calor do verão, o barulho de britadeiras, escavadeiras, gritos de operários, etc.
Mas a vida também oferece momentos de descontração e prazer. Nesta semana, jantando com um casal de professores da Universidade de Barcelona, em um aprazível chiringuito – restaurante simples à beira mar – nos comentavam da situação política do Brasil. O lodaçal de Brasília, esse que o Zé Dirceu meteu o PT, também é notícia por aqui, embora em páginas internas.
Eles conhecem bem as nossas idiosincrasias, trabalharam em projetos de educação do PT, inclusive em Porto Alegre e têm amigos próximos ao governo de Lula. Segundo o relato desses amigos, que parecem conscientes da lama que envolve o Partido dos Trabalhadores, é até bom que ocorra isso, porque obrigará o PT a apresentar programa nas próximas eleições e não comparecer somente com a plataforma política da ética. É, pode ser.