MILTON SALDANHA
De vez em quando tenho a paciência de ler o oceano de asneiras escritas por pessoas que pedem a volta do regime militar. Elas não têm a mínima noção do que aconteceu antes, durante, e nem depois do regime que durou de 1964 a 1985, num total de 21 anos.
São pessoas que nunca leram um livro de História, nunca ouviram uma palestra séria sobre o tema, nunca conversaram com quem viveu o período, colhendo versões dos dois lados, de quem foi contra e de quem apoiava.
Este é o assunto que mais conheço. Acompanhei e vivi todas as tensões do pré-1964, o golpe, e os anos seguintes. E perdi a conta dos livros que li sobre tais acontecimentos, além de reportagens de jornais e revistas. Vi os filmes, documentários. Permitam-me dizer que estou com 72 anos e já aos 15 anos fazia política estudantil, com foco ideológico, no auge da Guerra Fria. Aos 17 anos comecei a escrever em jornais estudantis e da cidade onde morava, Santa Maria (RS), sede de uma das mais poderosas guarnições militares do País.
Filho de oficial do Exército, meu pai um profissional legalista e apreciador do diálogo, muito cedo me acostumei com os hábitos da caserna e do pensamento militar que ouvia na intimidade doméstica. E como todo filho de militar, cheguei a pensar na carreira, algo natural na infância, quando a gente se encanta com o aparato, a farda, e os desfiles com bandas executando hinos heroicos. Claro que não era minha vocação, descoberta e decidida precocemente, aos 14 anos, pelo jornalismo.
A vida em família militar me dotou do respeito à classe, pelos muitos homens honrados que conheci, de sargentos a generais, colegas do meu pai. Poderia declinar aqui dezenas de nomes de oficiais notáveis, como os generais Henrique Lott, Ladário Telles, Machado Lopes, Oromar Osório, Pery Bevilacqua, Osvino Ferreira Alves (que esteve mais de uma vez na minha casa), entre muitos outros. Geração de carreira, apegada ao respeito constitucional, à legalidade. Contra golpes.
E isso só ampliou a rejeição aos doentes mentais que lá também existiam, transformados em torturadores e assassinos. Estes representaram zero vírgula algo por cento do efetivo das Forças Armadas, mas o estrago que fizeram foi moralmente devastador.
Será equivocado imaginar que a chamada comunidade de informações, que aglutinava o aparato repressivo, tinha a simpatia geral na categoria. Não foi assim. Muitos militares não concordavam com os métodos que eles utilizavam para obter confissões e punir, menos ainda com assassinatos de presos, sendo que havia um tribunal militar para cuidar disso.
Quando acabou a ditadura e o aparato repressivo foi desmontado, teve ex-torturador transformado em bicheiro, portanto, transgressor da lei, e membro do crime organizado, no Rio de Janeiro. Outros sumiram no mundo, vivendo numa espécie de clandestinidade voluntária, com medo e vergonha do passado. O que comprova que nada fizeram de nobre. E teve casos de suicídios.
O cardeal Paulo Evaristo Arns contou, numa entrevista, que numa tarde encontrou um homem sozinho, na catedral da Sé, em São Paulo. Foi em sua direção e falou: “Dom Paulo, fui torturador. Existe salvação para a minha alma?”.
O episódio conta mais que mil discursos. E ilustra o quanto de dramático foi a aventura do regime opressor, muito além do que imagina a turma dessa raiva irracional e primitiva destilada em redes sociais.
Quando se fala na vida humana, e no sofrimento, só mesmo a doença mental explica que alguém aprecie a violência. Que sempre será inerente a qualquer regime de força, quando as leis e instituições ficam extintas.
Regredindo ao tempo das cavernas, quando matar era a única forma de disputar o alimento, a irracionalidade não admite a organização social construída para lidar com o contraditório.
Ainda que a corrupção seja uma forma de violência, pelos danos que causa, não pode ser combatida pelo linchamento, como no velho Oeste, enforcando-se os corruptos em postes. Tem que existir lei. Direito de defesa. E a forma de punição compatível com o mundo civilizado.
Nada disso se resolve com golpe militar. O que se viveu no Brasil foi uma longa e tenebrosa história, que provocou radicalizações e ensejou erros de todos os lados.
Falando claramente, não vale a pena.
Não se pode querer isso de volta. É regressão. O Brasil teve duas longas ditaduras, pela via dos golpes de 1937 e 1964. Somando, foram 36 anos de ditadura. Nenhuma resolveu as crises econômica e social. Nenhuma nos legou um país e uma vida melhor. Se a gente não aprende com a História, não vai aprender nunca.
Os militares exercem uma função técnica nobre, de defender nosso território. E de ajudar a população nas tragédias. Fora disso, não é tarefa deles, inclusive por falta de capacitação. Basta lembrar que o governo Figueiredo, o último general no poder, encerrou com a inflação em 280%. Um fracasso retumbante.
Não havia assaltos? Que piada é essa? Peguem os jornais da época, em arquivos e bibliotecas. Não havia corrupção? Outra piada. Mesmo com a censura que tentava barrar as denúncias, a lista dos escândalos é longa, e montou a bilhões.
Vamos estudar gente.
E basta ver que todo grande país, como o Canadá e a Suécia, para não citar os mais polêmicos, tem uma organização democrática, com um ordenamento jurídico que impede a barbárie e o mando insano de algum ditador, que fatalmente mergulhará na corrupção.
Tudo foi ruim? Sendo honesto, não. Por exemplo, Getúlio criou a CLT, o salário mínimo, e a base para a industrialização. O grupo de 1964 não privatizou a Petrobrás, nem a Vale do Rio Doce. Investiu-se nas telecomunicações e petroquímica.
Mas para nada disso precisaria ditadura.
Alguns apontam o crescimento econômico. De fato, aconteceu, mas não como um fenômeno isolado, do Brasil, decorrente da ditadura. Era um momento de oferta mundial de crédito. Muitos países recorreram a isso para investimentos. Mas o detalhe que não contam é que foi causa da degradação urbana, com as favelas crescendo em progressão geométrica, sem que ninguém se importasse. Para entender: quando se planta uma grande fábrica, numa metrópole ou cidade média, vem junto uma favela.
A distorção está em promover crescimento econômico sem programa social simultâneo.
O País sempre terá problemas a resolver. Investir em educação e aprimorar suas instituições democráticas é a única fórmula sensata.
Autor: da Redação
11 de Setembro: Os 27 anos do Código de Defesa do Consumidor
A questão das relações de consumo sempre foi tema de grande relevância, pois desde a época mais remota, o ser humano é, em seu dia a dia, consumidor e usuário final de produtos e serviços.
Todavia, o ordenamento jurídico, bem como a ação do Estado, até poucos anos, buscava dirimir contendas de tal natureza, como se estas fossem meras relações civis entre partes equilibradas.
Ocorre que, diferentemente das demais relações mercantis, os pólos de uma relação de consumo apresentam características bem diversas, principalmente quanto ao poder e à vulnerabilidade.
Devido às particularidades das relações de consumo, entre fornecedor e consumidor (poder e vulnerabilidade), fez-se necessário um reexame conceitual, doutrinário e legal no sentido de se criar uma nova seara dentro do direito pátrio.
Assim sendo, os negócios jurídicos de caráter consumerista passaram a ser considerados como tendo de um lado, por presunção, a parte privilegiada ou forte (fornecedor) e de outro, a parte carente ou fraca (consumidor).
Este desequilíbrio fez com que se criasse o Direito do Consumidor, que difere do Direito Civil por ser Direito Público, de caráter protecionista, enquanto o Direito Civil constitui direito privado, que presume igualdade original entre as partes.
Tais considerações, inclusive cumprindo determinação da Constituição Federal de 1988, culminaram em uma positivação, surgindo assim, em setembro de 1990 a Lei Federal Ordinária de nº 8.078, conhecida como Código de Defesa do Consumidor, ao passo que, também por força de lei, as três esferas administrativas do Poder Público criaram e estão criando organismos de defesa do consumidor na maioria dos casos batizados pela sigla Procon.
Quase que simultaneamente, o Poder Judiciário, Policia Civil e Ministério Público, em âmbito estadual criaram juizados, delegacias e promotorias, nesta ordem, especializadas em defesa do consumidor e a harmonização das relações de consumo.
O Poder Executivo Federal, por sua vez, instituiu, vinculado ao Ministério da Justiça, o DPDC – Departamento Nacional de Proteção e Defesa do consumidor. Este conjunto de procedimentos constituiu o SNDC – Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, por determinação do Decreto Federal 2.181/97.
Conclui-se que a atuação dos Procon’s é de suma importância na harmonização das relações de consumo e construção da cidadania dentro dos princípios e ditames do Estado Democrático de Direito.
* Advogado Especialista em Direito do Consumidor
S.O.S. Amazônia
Não é por acaso que o slogan S.O.S. Amazônia correu as redes sociais nas últimas semanas. As medidas provisórias sobre a Renca – uma reserva ambiental entre os estados do Pará e Amapá. As MPs idealizadas pelo Governo Federal por meio do Ministério de Minas e Energia com a chancela do presidente da República, foram editadas sem muita discussão e sem muito debate. Elas reduzem essa área de proteção, permitindo explorações como as realizadas pela indústria da mineração. O que mais chamou a atenção é que a dimensão territorial desta redução é maior que a extensão da Dinamarca e, além disso, a exploração poderá ser feita por empresas de outros países, em especial, da Ásia e da União Europeia.
Como disse Cristovam Buarque quando esteve nos Estados Unidos: “Se a Amazônia, sob a ética humanista, deve ser internacionalizada, internacionalizaremos também as reservas de petróleo do mundo inteiro. O petróleo é tão importante para o bem-estar da humanidade quanto a Amazônia para o nosso futuro. Apesar disso, os donos das reservas sentem-se no direito de aumentar ou diminuir a extração de petróleo e subir ou não o seu preço. E ainda: Se a Amazônia é uma reserva para todos os seres humanos, ela não pode ser queimada pela vontade de um dono ou de um país”.
Junto a este importante debate, por determinação do governo, esse processo se paralisará por 120 dias até que seja encontrada uma solução mais “adequada”. Pelo menos foi o que afirmou o Ministro de Minas e Energia. Talvez isso também se deva aos grandes protestos e debates contrários, além de uma importante informação noticiada pela WWF – Fundo Mundial da Natureza, sobre novas descobertas científicas na Amazônia: 381 novas espécies, entre plantas, peixes, anfíbios, répteis, mamíferos e alguns fósseis.
Entre os encontrados e catalogados estão 216 novas plantas, 93 peixes, 19 répteis, 18 mamíferos e dois mamíferos fósseis. A cada dois dias, uma nova espécie de ser vivo é descoberta na Amazônia. Neste sentido, vem a ecoar como o grito dos livres o protesto contra a “venda ilegal da Amazônia”.
É sabido que toda a exploração mineral nesta região causa profundos impactos naturais, culturais, econômicos e também deixa marcas nas populações locais. Diante disso, não basta apenas editar uma medida provisória para liberar ou não a exploração. O que se deve fazer são estudos que venham a comprovar o que o governo diz na mídia de que não haverá prejuízos ao meio ambiente. Hoje, mais de 90% da mineração realizada na Amazônia e em outros estados não cumprem as medidas socioambientais, e além disso, na desativação das lavras o ambiente degradado não é recuperado, tornando-se, em alguns locais, verdadeiras paisagens lunares.
Como cidadãos preocupados com o meio ambiente e com a qualidade de vida das futuras gerações, devemos questionar tudo aquilo que nos é apresentado de forma superficial e sem pesquisa científica, ainda mais quando oferece o que temos de melhor para organizações internacionais que querem apenas a exploração. Com todos esses fatos, parece-me que estamos vivendo novamente o período de colonização do Brasil.
Rodrigo Berté é diretor da Escola Superior de Saúde, Biociências, Meio Ambiente e Humanidades, do Centro Universitário Internacional Uninter.
A fala de Dilma na ABI
Para quem é normalmente considerada uma figura pouco afeita à política, Dilma Rousseff mostrou na última quinta-feira, 31 de agosto, que não é bem assim. Em um discurso pausado e calmo, de quase uma hora e meia, na Associação Brasileira de Imprensa, a ex-presidente da República deixou claro que está longe de ignorar algumas algumas relações bastante sutis da política.
É interessante destacar, por exemplo, sua avaliação sobre a (aparente?) divisão no seio do grupo golpista que tomou o poder de assalto, no golpe consumado em 31 de agosto de 2016, mas que havia sido desfechado com sucesso, e desde então definitivamente, em 17 de abril na Câmara dos Deputados: “Tem uma cisão (entre os golpistas), mas tem também uma unidade entre eles: unidade pela reforma da Previdência, pela reforma trabalhista, pela entrega das terra férteis, pela entrega da Petrobras”, disse, no evento “descomemorativo” de um ano do golpe.
Dilma parece ter politicamente amadurecido anos no último ano. Deve ter aprendido muito com seus erros políticos e as justas críticas que recebeu sobre sua condução da política econômica a partir de 2014, cujo clímax foi a nomeação de Joaquim Levy para comandar a Fazenda no segundo mandato. Críticas como a de Luiz Gonzaga Belluzzo, que me disse em dezembro de 2014: “O país está entregue à ignorância dos macroeconomistas (…) Eles vão cortar renda e emprego. Só que isso vai ser feito com uma recessão.”
Ou como disse André Singer esta semana: “Sou crítico a Dilma, principalmente pela nomeação de Joaquim Levy (ao ministério da Fazenda), um grande equívoco, mas faço questão de fazer justiça a ela, porque ela foi corajosa no sentido de implementar um programa que decidi chamar de ensaio desenvolvimentista”
É certo que Dilma errou e não errou pouco. Só que errar ou conduzir equivocadamente as políticas de Estado estão longe de justificar a estupidez golpista que assola este país desde que se tornou uma República. No evento da ABI, a ex-presidente afirmou que o golpe que a derrubou mostra “por que temos a mais egoísta, atrasada e irresponsável elite”. As elites de outros países, acrescentou, “pensaram em sua nação, perceberam que seu destino seria maior se elas incorporassem o destino de seu povo. No nosso caso, tivemos sempre uma imensa dificuldade de fazer os processos mais simples de inclusão”, disse ela. Para mim, o país-paradigma dessa observação de Dilma chama-se Estados Unidos da América.
Essas avaliações podem parecer óbvias, mas não são. Vi analistas políticos destacarem a divisão que haveria entre os líderes do golpe, ou pelo menos a falta de coesão que poderia comprometer o próprio sucesso de seus planos a médio prazo. O “racha” que dentro do PSDB seria um dos mais importantes. Tudo ledo engano.
A avaliação de Dilma (“tem uma cisão, mas tem também uma unidade entre eles”) é muito mais lúcida. Me faz lembrar o que disse o cientista político Vitor Marchetti, da UFABC, há um mês, quando o assunto do momento era a divisão dos tucanos entre os que queriam ficar e os que defendiam abandonar o barco de Temer: “Acredito que essa divisão do PSDB tenta dialogar com as duas pontas da sociedade: a daqueles que não toleram a corrupção e mantêm esse discurso de ‘fora todos, não aceito corrupção’ etc., mas também dialoga com a parcela para a qual o que importa é que as reformas avancem. Até a divisão do PSDB pode ter sido orquestrada”, disse Marchetti. “O partido não fechou com Temer, mas apoia a agenda de desenvolvimento segundo a agenda liberal. Eu acho, inclusive, que eles fizeram as contas, sobre quem vota a favor e quem vota contra.” Embora circunscrita ao PSDB, a análise é a mesma que Dilma faz em relação ao conjunto mais amplo dos golpistas para além do PSDB.
A fala de Dilma na ABI me parece, em certos aspectos, mais precisa do que os discursos do próprio Lula, que, apesar de seu carisma, sua liderança, sabedoria e genialidade política, às vezes soa como um populismo ultrapassado e cansativo.
Outro aspecto que tem me impressionado é a maneira como Dilma tem sido recebida pela militância e mesmo por setores mais amplos do que o próprio PT. Ela é recebida com enorme receptividade. Torturada por covardes na ditadura, primeira mulher presidente do Brasil e deposta pela “mais egoísta, atrasada e irresponsável elite”, Dilma é um símbolo. Um símbolo guerreiro em um país colonizado e pusilânime.
Como já escrevi em post no ano passado: “Minha imaginação me leva, conduzido por Platão, a uma situação. Imaginemos que o Brasil fosse hoje um país que, com todas as suas características (a diversidade principalmente), estivesse no patamar de uma nação desenvolvida e politicamente respeitada, na qual as oligarquias espúrias tivessem sido reduzidas a sombras da história e não mais influenciassem a vida do país.
“Nessa hipótese platônica, governando um país que tivesse superado sua triste vocação a colônia, Dilma Rousseff seria uma presidente e líder sofisticada”.
No caso brasileiro, temos ainda o congênito problema da apatia de um povo que não reage e que é tratado pela esquerda como pobre vítima. “Por que o povo está tendo seus direitos e interesses massacrados e ainda não entrou em cena aqui no Brasil, eu ainda não sei”, me disse o deputado federal Wadih Damous (PT-RJ) recentemente.
Mas falar o povo brasileiro é outro assunto. Fica para outra oportunidade.
(Publicado originalmente com o título “Dilma Rousseff, símbolo de resistência num país colonizado e pusilâmine”, no blog do autor FatosEtc).
Triste realidade
Yeda Crusius*
Entra ano, sai ano, e a realidade não muda para a mulher brasileira nas estatísticas da violência. Aliás, piora. Fiz questão de escrever este artigo no dia 31, porque é nele que se encerra a campanha “Agosto Lilás”, de conscientização e combate à violência de gênero, já em 12ª edição.
As campanhas estão na rua, temos uma legislação celebrada no mundo inteiro, a Lei Maria da Penha, e no calendário existem sete dias dedicados nacional e/ou internacionalmente à luta contra a violência e a exploração e abuso sexual da mulher. E, no entanto, nunca morremos tanto.
Sempre digo, e reitero: o Brasil da violência trata muito mal seu povo, em especial seus jovens e suas mulheres. Em 2016 houve no país um estupro coletivo a cada 2 horas e meia – um aumento de 124% nos últimos 5 anos – , com Acre, Tocantins e Distrito Federal liderando o ranking. Por aqui se mata uma mulher a cada 90 minutos, somos o 5º país que mais assassina mulheres no mundo, e nesse quesito os campeões são Espírito Santo e Bahia.
Se a legislação existe, é efetiva, e os números da violência não param de crescer é porque alguma coisa está faltando e a meu ver, faltam duas, no que deveria ser um tripé no combate para redução do feminicídio e demais crimes de gênero. As punições previstas na lei precisam ser mais severas, hoje um crime de latrocínio recebe pena maior do que o assassinato em função de gênero, o que é inaceitável. Nenhum bem material vale mais do que a vida. O acolhimento às vítimas de violência doméstica deve ser mais eficiente, porque são elas que morrem normalmente pelas mãos de seus parceiros, ou ex companheiros. Não basta registrar a agressão se elas voltam para casa, no mesmo ambiente da agressão.
Por último, o mais importante: é preciso investir na formação dos homens e mulheres do futuro. Incluir na grade escolar das redes municipal, estadual e federal de ensino a disciplina de igualdade de gênero e combate à violência contra a mulher. Transformar a maneira como os homens enxergam as mulheres é essencial, e isso só vai mudar se for trabalhada a cultura da violência desde a infância, ensinando-se o que é a cultura da paz.
Há outras violências que sofremos no cotidiano, tais como: salários 30% menores para mulheres que exercem o mesmo cargo que um homem. Todas sabemos que as brasileiras estudam mais e ganham menos, mesmo havendo aumentado a atuação como chefes de família. Também não vou desistir de destacar que, no Brasil, metade das mulheres que engravidam perdem o emprego até dois anos após a licença-maternidade. Justamente quando mais precisam de estabilidade.
Vou focar na questão econômica, porque pesquisa realizada pela Universidade Federal do Ceará divulgou que a violência contra a mulher gera prejuízo de cerca de R$ 1 bilhão ao país. Dizem que o bolso é a parte mais sensível, quem sabe a mais razoável do corpo humano, então mostrar o quanto custa essa violência pode despertar consciências.
É hora de mudar de uma vez por todas, sem contemplação, a forma como o Brasil enxerga e trata suas mulheres, para que no futuro não sejam necessários tantos dias no calendário, nem um mês inteiro dedicado a combater a violência contra elas. A igualdade, quando existe, não precisa de datas comemorativas. Apenas é.
* Yeda Crusius é economista e deputada federal pelo PSDB/RS em seu quarto mandato. Já ocupou os cargos de Ministra do Planejamento e Governadora do RS.
Como economizar a rede 4G do celular
Ederson Cichaczewski
Em 2015, as operadoras de telefonia móvel passaram a bloquear a conexão de dados de internet móvel ao exceder a franquia contratada, impedindo totalmente a navegação. Recentemente apenas algumas operadoras passaram a liberar esta redução de velocidade, mas somente para alguns planos.
Com o aparecimento da internet 4G, os pacotes de dados passaram a ter franquias maiores, mas isso não é necessariamente uma vantagem, pois com uma conexão de internet mais rápida, o consumo de dados também será acelerado pelo usuário.
A título de comparação, a rede 3G tem velocidade de 1Mbps e a rede 4G de 5Mbps, ou seja, cinco vezes mais rápida, o que leva o usuário a ter respostas mais rápidas e, consequentemente, a possibilidade de realizar mais acessos a aplicações que consomem mais dados.
E justamente por causa dessa velocidade, em muitos planos, a franquia de dados acaba antes do previsto.
Se uma pessoa tem, por exemplo, um plano da modalidade controle que oferece 2GB por mês, com um uso normal da internet consultando, eventualmente, e-mails e redes sociais durante o dia, entre outras tarefas básicas, o consumo diário será de aproximadamente 100MB.
Dessa forma, no plano citado, a franquia de internet irá durar apenas 20 dias, dois terços do tempo esperado. Isso sem contar que nesses planos, dependendo da operadora, o uso do aplicativo Whatsapp não consome dados da franquia. Porém, se o utilizasse, o consumo seria ainda maior.
Depois que acaba a franquia, para não ficar sem internet no seu celular, o cliente só tem a opção de fazer a contratação de um pacote de dados adicional antes da próxima renovação, pagando a mais por isso. E o custo por MB é maior que o do pacote incluso no plano.
Os planos do tipo pré-pago e controle correspondem a uma fatia de 60% a 80% dos clientes, dependendo da operadora. Estes planos, atualmente, estão custando em sua maioria na faixa de 55 reais para menos, o que é muito atrativo.
Com base na média de dados diária em uma rede 4G, o ideal seria um plano de 3GB, no mínimo, mas esse é o volume máximo de dados ofertado pelos planos na modalidade “controle” na faixa de preço em questão.
Os planos pré-pagos chegam a oferecer 1GB por semana ao custo de R$ 9,99, totalizando 4GB por mês a um custo aproximado de 40 reais, o que parece mais adequado para não ter surpresas de corte de internet e necessidade de contratações de franquias adicionais de dados.
Por outro lado, os planos pré-pagos apresentam desvantagens em relação aos planos “controle” em outros benefícios, como minutos e outros serviços.
É fácil perceber que os planos de internet móvel oferecidos pelas operadoras são bastante injustos, visto que por apenas duas vezes o valor, em torno de 110 reais, temos uma internet fixa ilimitada. E se for comparado o valor dos planos pós-pagos, chega a ser um absurdo.
O fato é que escolher uma opção perfeita para todas as necessidades a um custo acessível é uma tarefa bastante complexa.
Por isso, para quem está todo mês necessitando contratar pacotes de dados adicionais, algumas dicas podem trazer uma economia significativa. Habilitar a opção de “Restringir os Dados em Segundo Plano” – recurso que, em alguns smartphones, faz parte do modo de economia de energia.
Portanto, mesmo quando não estamos efetivamente manuseando o celular para acessar a internet, os aplicativos instalados estão consumindo dados, e não é pouco.
Outra alternativa é desativar a sincronização automática, evitando que os aplicativos fiquem acessando a internet “sozinhos”.
Desativar a Rede de Dados quando estiver usando WIFI também pode ajudar, pois mesmo quando o WIFI está conectado, o smartphone pode realizar acessos à rede 4G e consumir dados da franquia.
Opte por usar um navegador de internet que tenha o recurso de economia de dados, como o Opera Mini. Configure a loja de aplicativos para realizar a atualização dos apps automaticamente, apenas via WIFI.
Por fim, usar um aplicativo de firewall, que à primeira vista parece algo complicado, mas não é. Pelo menos no Android, o aplicativo gratuito NoRoot Firewall possui uma interface amigável e permite selecionar quais aplicativos terão permissão para acessar o WIFI e/ou a rede de dados. Mesmo configurando as opções do sistema para restringir dados em segundo plano e desativar a sincronização automática, não sabemos exatamente se determinado aplicativo continua acessando a internet por algum motivo.
Com o NoRoot Firewall, os aplicativos poderão ser totalmente bloqueados para acessar a rede de dados móveis. O ideal é habilitar a rede de dados somente para aqueles que sabemos que usamos e desabilitar para todos os demais. A economia pode ser verificada acompanhando o uso de dados móveis nas configurações do smartphone.
Seguindo estas dicas é possível economizar uma boa quantidade de dados móveis e, consequentemente, algumas recargas de crédito por mês.
Ederson Cichaczewski é professor do curso de Engenharia da Computação do Centro Universitário Internacional Uninter.
Banalidade do mal
A boa notícia é que a Fundação Municipal do Meio Ambiente de Gravataí suspendeu o sacrifício de cerca de 300 cervos do parque Pampa Safari.
A banalidade do mal, expressão da filósofa Hanna Arendt, de repente tinha ganho atualidade: como se sabe, o Ibama determinou essa matança de Gravataí.
Seria um “abate humanitário” de animais tuberculosos, para evitar contágio.
Regina Becker, ex-secretária dos Direitos Animais de Porto Alegre, tinha denunciado: “o dito abate humanitário, em verdade, é um tiro de pistola pneumática”.
O suposto risco de contaminação de seres humanos, é refutado por técnicos e cientistas e também pela própria realidade: nenhum empregado do Parque foi contaminado.
Assim, enquanto não houver uma prova concreta do perigo, o suposto abate humanitário não passa de um massacre.

A privatização do Zoo é benéfica para quem?
A situação do Pampas Safari nos convida a refletir sobre privatizações! Temos dois zoológicos sendo alvo de notícias no Estado do Rio Grande do Sul: um privado, o Pampas Safari, e um público, o Parque Zoológico de Sapucaia.
A discussão sobre o Pampas Safari gira em torno do abate dos animais após confirmação de surto de tuberculose, mas precisamos dar um passo para trás e analisar a situação de modo mais amplo.
O Pampas é privado, seu idealizador morreu há uns anos e o parque foi se perdendo, as vistorias realizadas encontraram carcaças, fossas a céu aberto e mais cocô de rato do que comida nos locais em que os animais deveriam receber o alimento.
O parque foi mal administrado, não sabemos quantos animais já morreram de tuberculose e de outras doenças. Ali não se trabalha com reintrodução de animais na natureza nem recebe animais vítimas de violência humana. O Pampas visava lucro.
Enquanto isso, a privatização do Zoo de Sapucaia está sendo discutida pelo (des)governo do RS junto à empresa que foi contratada por valores estratosféricos (verba que saiu de um estado “falido”). O Zoo de Sapucaia, que recebe animais vindos de apreensão, maus tratos, acidentes…
Espécies nativas, muitas vezes ameaçadas, podem ser tratadas pela equipe do Cetas e devolvidas à natureza, ou criadas sob cuidados humanos em um local que une pesquisa, educação ambiental e lazer.
Agora me digam, a privatização é benéfica para quem? Para os animais, nós estamos vendo que não é!
*Bióloga, tratadora de animais silvestres no NOPA, na Fundação Zoobotânica do RS
Em defesa da Eletrobras
DILMA ROUSSEFF
A privatização da Eletrobras, um dos mais novos retrocessos anunciados pela agenda golpista, será um crime contra a soberania nacional, contra a segurança energética do país e contra o povo brasileiro, que terá uma conta de luz mais alta. Um delito dos mais graves, que deveria ser tratado como uma traição aos interesses da Nação.
Maior empresa de produção e distribuição de energia elétrica da América Latina, a Eletrobras garante o acesso à energia a um país de dimensões continentais, com uma população de mais de 200 milhões de habitantes e com uma economia diversificada, que está entre as mais complexas do mundo.
A sua privatização, e provável entrega a grupos estrangeiros, acabará com a segurança energética do Brasil. Submeterá o país a aumentos constantes e abusivos de tarifas, à desestruturação do fornecimento de energia, a riscos na distribuição e, inevitavelmente, à ameaça permanente de apagões e blecautes. Devemos todos lembrar do ano de racionamento de energia no governo FHC.
O governo tem dois motivos principais para privatizar uma grande empresa como a Eletrobras: a aplicação da pauta neoliberal, rejeitada por quatro vezes nas urnas, e que é compromisso do golpe implantar; e o desespero para fazer caixa e tentar diminuir o impacto de um dos maiores rombos fiscais da nossa história contemporânea, produzido por um governo que prometia resolver o déficit por meio de um surto de confiança que não veio e um passe de mágica que não produziu. Produziu, sim, a compra de votos por meio da distribuição de benesses e emendas.
O meu governo anunciou déficit de R$ 124 bi para 2016 e de R$ 58 bilhões para 2017, que seriam cobertos com redução de desonerações, a recriação da CPMF e corte de gastos não prioritários.
O governo que assumiu por meio de um golpe parlamentar inflou a previsão de déficit para R$ 170 bi, em 2016 e R$ 139 bi, em 2017.
Inventou uma folga para mostrar serviço à opinião pública, e nem isto conseguiu fazer. Agora, quer ampliar o rombo para R$ 159 bi. Mas não vai ficar nisso. Aumentará o déficit, no Congresso, para R$ 170 bi, para atender às emendas dos parlamentares de que precisa para aprovar sua pauta regressiva.
Para isto, precisa dilapidar o estado e a soberania nacional. E forjar uma necessidade de vender a Eletrobras é parte desta pauta.
Atribuir uma suposta necessidade de privatização da Eletrobras ao meu governo, por ter promovido uma redução das tarifas de energia, é um embuste dos usurpadores, que a imprensa golpista difunde por pura má-fé. É a retórica mentirosa do golpismo.
As tarifas de energia deveriam mesmo ter sido reduzidas, como foram durante o meu governo,. Não porque nós entendêssemos que isto era bom para o povo – o que já seria um motivo razoável – mas porque se tratava de uma questão que estava e está prevista em todos os contratos que são firmados para a construção de hidroelétricas.
Depois da população pagar por 30 anos o investimento realizado para construir as usinas, por meio de suas contas de luz, é uma questão não apenas de contrato, mas de justiça e de honestidade diminuir as tarifas, cobrando só por sua operação e manutenção.
Manter as tarifas no mesmo nível em que estavam seria um roubo. Por isso reduzimos e temos orgulho de tê-lo feito. Com a privatização, será ainda um roubo.
Vou repetir a explicação, porque a Globo faz de tudo para distorcer os fatos e mentir sobre eles. Quando uma hidrelétrica é construída por uma empresa de energia – pública ou privada – quem paga pela sua construção é o consumidor.
A amortização do custo da obra leva geralmente 30 anos e, durante este tempo, quem paga a conta deste gasto vultoso é o usuário da energia elétrica, por meio de suas contas de luz.
Quando a hidrelétrica está pronta, o único custo da empresa de energia passa a ser a operação e a manutenção. Daí, é justo que o povo deixe de continuar pagando por uma obra que já foi feita e, depois de 30 anos, devidamente paga. É mais do que justificado, portanto, que as tarifas que custearam a construção sejam reduzidas.
Se as empresas de energia – públicas ou privadas – mantiverem as tarifas no mesmo nível, e eventualmente até impuserem aumentos nas contas de luz, estarão tirando com mão de gato um dinheiro que não é delas. É uma forma de estelionato. Não se deve esperar que empresas unicamente privadas, cujo objetivo é principalmente a lucratividade de sua atuação, entendam que uma equação justa deveria impor modicidade tarifária quando os custos altos da construção de uma usina hidrelétrica já não existem mais.
Apenas o Estado – um estado democrático e socialmente justo – tem condições de entender esta situação e autoridade para agir em defesa dos interesses dos consumidores.
Entregar a Eletrobras e suas usinas já amortizadas para algum grupo privado, talvez estrangeiro, significa fazer o consumidor de energia pagar uma segunda vez pelo que já pagou, além de abrir mão de qualquer conceito estratégico em relação à produção, distribuição e fornecimento de energia com segurança e sem interrupções e apagões.
Privatizar a Eletrobras é um erro estratégico. Erro tão grave quanto está sendo a privatização de segmentos da Petrobras. No passado, essas privatizações já foram tentadas pelos mesmos integrantes do PSDB que hoje dividem o poder com os golpistas. Naquela época, isso só não ocorreu porque os seus trabalhadores e o povo brasileiro não permitiram. Mais uma vez devemos lutar para não permitir.
Por que a apatia?
Luiz Carlos Borges da Silveira*
Passado o episódio da votação de admissibilidade da denúncia contra o presidente Michel Temer por corrupção, cabe uma análise criteriosa sem influência do calor dos fatos relativos à sessão na Câmara Federal.
Perdura o questionamento: por que o presidente saiu ganhador no embate legislativo, quando evidências e provas eram-lhe desfavoráveis?
A resposta tem muitas variantes e argumentos.
Sabidamente, aconteceu o que é costumeiro acontecer, houve a manobra política do governo com distribuição de benesses, inclusive liberação de emendas orçamentárias, na ‘undécima hora’, a parlamentares negocistas.
Todos os argumentos tentando justificar o resultado do episódio são aceitáveis, todavia no meu entendimento o elemento decisivo foi o desinteresse da sociedade que mesmo com algum grau de indignação diante dos fatos permaneceu alheia ao ponto central da questão.
Acredito que se houvesse mobilização e vigorosa tomada de posição o desfecho seria outro.
É bom recordar casos anteriores na nossa história política. Quando o então presidente Fernando Collor enfrentou processo de cassação e mais recentemente no impeachment de Dilma Rousseff o povo foi para as ruas, mobilizou a opinião pública e exerceu legítima pressão.
No caso atual a denúncia e as provas apresentadas mostravam ser a situação de Michel Temer tão ou mais grave do que nos exemplos citados.
Temer estava mais complicado (e ainda não se encontra totalmente a salvo, há expectativa de que nova denúncia poderá ser apresentada), havia entendimento generalizado de que teria de ser punido, tanto que o governo mobilizou todas as forças disponíveis para neutralizar o processo, o que resolveu, o presidente acabou poupado, mas ficou o sentimento de frustração.
A pergunta é “por que o povo não saiu às ruas”? A conclusão pode ser preocupante: estará o povo desiludido, descrente de mudanças que possam recuperar a decência política?
Claro está que o desfecho da votação foi favorecido pelo próprio processo político, pois a oposição (leia-se PT e seus aliados) não foi enfática, preferindo prolongar o desgaste do presidente, certamente antevendo o pleito de 2018.
Exponenciais lideranças empresariais igualmente se mantiveram distantes, assim como setores que concentram notórios formadores de opinião.
O fator decisivo em favor de Temer foi a ausência do povo nas ruas. A pressão popular funciona mesmo, tem força, pois os políticos, especialmente deputados, no caso, tomam cuidado em não contrariar a vontade popular.
Muito provavelmente, se os brasileiros fossem às ruas a maioria dos deputados teria votado diferente.
A apatia popular sinaliza para algo preocupante porque a descrença ou acomodação não ajudará em nada nas mudanças, principalmente éticas, que o país carece.
Politicamente as coisas se aquietaram e o governo está tentando implementar as reformas estruturais, portanto tem seus méritos.
Porém, uma administração adequada não isenta nenhum governante de sofrer sanções quando cometer erros, notadamente se estiverem ligados a crimes como corrupção.
No caso em foco, por justiça Michel Temer deveria ser condenado, julgamento que leva em consideração a boa gestão em detrimento da lisura e da decência é completamente errado.
Acredito que se o povo houvesse se conscientizado disso teria se manifestado com vigor. Se a voz da sociedade se calar podem acontecer coisas piores.
Para evitar que isso aconteça o povo tem de ter pleno convencimento do peso de sua participação e da força de sua pressão.
Grandes mudanças e importantes correções de rumos aconteceram a partir do engajamento popular, afinal, uma das definições da democracia é ‘governo do povo, pelo povo e para o povo’.
*Luiz Carlos Borges da Silveira é empresário, médico e professor. Foi Ministro da Saúde e Deputado Federal.